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Wednesday, May 22, 2013

CEM ANOS DE SAMUEL BECKETT: tido como o maior dramaturgo do século XX, a fama só veio com “Esperando Godot” – Hamilton Alves




            Dia 13 de abril último (2006),  Samuel Beckett completaria 100 anos. Assim como James Joyce, teve que sair da Irlanda aos 22 anos, mudando-se para Paris, onde foi à procura de melhores ventos para sua vocação literária. A eclosão da 2ª Guerra Mundial, de que participou envolvendo-se com a resistência francesa, reduziu-lhe (ou na sua visão reduziria) bastante a expectativa de tornar-se um escritor.
            Veio a conhecer sua mulher Suzanne Deschevaux Dusmenil num acidente de bicicleta, em que ela foi a primeira a socorrê-lo. Foi uma união feliz, mas nem por isso Beckett deixou de ter seuscasosparticulares nem abandonou o copo como bom dublinense. Sempre foi amigo de um boteco.
            Suas primeiras peças não lograram a aprovação da crítica. Mas foi em frente. “Esperando Godot”, que praticamente lhe permitiu alcançar a fama, escreveu-a num pequeno caderno de anotações. Antes havia escritoFim de Partida”, que foi rejeitada por vários diretores como sendo um texto complicado, hermético, pouco explícito ou sem nenhum impacto dramático. Assisti à encenação dessa peça com Cacá Carvalho e Edison Celulari, que se revesaram nos papéis principais de Hamm e Clov, o primeiro um velho cego, permanentemente sentado numa cadeira, o segundo seu serviçal, com três outros atores que, durante todo o curso da peça, se mantêm em caixas de lixo, de onde proferem uma que outra fala. Por seu desempenho excelente nesse espetáculo, conclui-se que as novelas globais são em grande parte responsáveis de serem os atores considerados canastrões.
            Mas ainda hoje, onde quer que sejam encenadas, as peças de Beckett são motivo de exacerbada discussão. São pouco entendidas pelo grande público. No caso de “Fim de Partida”, quando, à saída do teatro, comentava para um amigo a excelência do espetáculo, alguém que me ouviu deu uma risada irônica, como se não concordasse com minha opinião ou como se considerasse meu comentário absolutamente incompatível com o valor da peça.
            Voltando ao centenário de Beckett, em toda a parte (e aqui mesmo no Brasil) suas peças (Rio e São Paulo e numa ou noutra capital) voltarão ao palco. Seus livros, com as peças e novelas conhecidíssimas, Malone Morre, Murphy, O Inominável e outras estão sendo lançadas pela Cosac Naify. Malone Morre foi traduzida pelo poeta Paulo Leminsky, que se apaixonou por esse texto, escrevendo-lhe um belíssimo posfácio. Atribui-se a essa paixão o fato de ter escritoCatatau”, que segue na mesma linha de Malone Morre. Pelo menos, o espírito é o mesmo: um texto descontínuo, improvisado, sem enredo definido.
            Esperando Godot foi encenado no Brasil por Cacilda Becker e Walmor Chagas, em 1968, com direção primorosa de Flávio Rangel. Num dos espetáculos, Cacilda foi acometida de um aneurisma, em plena ação, vindo a falecer.
            Conta-se a respeito de Beckett que era um homem de trato difícil, pouco aberto ao papo e muito menos a dar explicações sobre sua obra literária.
            Conheceu Joyce em Paris. As más línguas referem que foi secretário de Joyce, o que ouvia com certa irritação, pois por essa época vagabundeava por Paris, sem plano determinado de vida, a não ser que a qualquer custo pretendia ser escritor.
            Também se fala de seu envolvimento amoroso com Lúcia, filha de Joyce, que era meio pirada. Sobre sua vida pessoal Beckett era extremamente discreto.
            Quando Fernanda Montenegro e Fernando Torres encenaram “Dias Felizes” não pude assisti-la. Depois ouvi muito boas referências ao desempenho de ambos e à qualidade da peça, tratando-se de outro grande momento de Beckett como dramaturgo.
            A trilogia famosa de novelas, Malone Morre, Molloy e Murphy guardam o mesmo estilo. Histórias sem enredo, sem sequência, sem começo, sem meio e sem fim. Um texto aberto dentro dos padrões do “nouveau roman”, mas de outra linha conceptual. Beckett primava por não ser parecido com ninguém. A esse respeito, escreveu um texto, logo no início da carreira, que, comentando-o para amigos, disse: “Fede demais a Joyce”.
            A influência sofrida do conterrâneo ilustre foi grande no início, da qual pouco a pouco procurou se livrar. Tinha o secreto desejo de suplantá-lo, mas quando muito pode rivalizar com ele. Com a diferença de que o texto de Beckett é acessível a qualquer pessoa, o mesmo não ocorrendo com Joyce, que exige certa erudição para ser bem assimilado.
            A peça “Esperando Godot” foi (e assim é até hoje considerada) seu carro-chefe. Também é considerada a obra que lhe abriu as portas da Academia da Suécia, que lhe deu a láurea do Prêmio Nobel de literatura.
            Beckett teve uma mãe rígida, que lhe inculcou a protestante. Diferente de Joyce, que enxovalhava a psicanálise, Beckett para desvencilhar-se de um complexo de Édipo qualquer, recorreu, em Paris, a psicanalistas. Leu muito os teóricos de psicanálise, com Freud e Jung à frente.
            Não obstante os esforços da mãe seguiu sendo um ateu ou, no mínimo, agnóstico. A palavra Godot de sua peça famosa é uma corruptela da palavra God (Deus). A peça toda seria simbolicamente representativa da espera pelo homem de Deus. Em seu contextoreferência explícita ao problema da salvação, quando se menciona um dos ladrões que se salvaram quando Cristo foi crucificado.
            No fundo, Beckett era, como a maioria dos seres humanos, atormentado pela ideia de Deus, ainda que não cresse em Sua existência explicitamente.
            O teatro de Beckett é considerado de vanguarda, no que rivaliza com outro monstro sagrado, Eugène Ionesco, que, com a peça “A Cantora Careca”, alcançou grande sucesso mundial, mantendo-se em cartaz, em Paris, por trintas anos ininterruptos, num pequeno teatro em Montmartre.
            “Esperando Godot” talvez seja a peça mais simples no tocante ao cenário: uma árvore desfolhada de fundo, um palco vazio e nada mais.
            Fim de Partida” tem um cenário mais complicado, mas também é descrito sumariamente.
            Nada que não possa ser feito com economia de materiais.
            Há dois outros dramaturgos que tentaram (ou tentam) disputar com Beckett e Ionesco a primazia do “podium” de melhor dramaturgo do século XX. São Harold Pinter, na Inglaterra, e Edward Albee, autor de “Quem tem medo de Virgínia Wolff” (americano).
            Bem, a palavra com os críticos. Para o meu gosto, prefiro Ionesco, com “A Cantora Careca”, e Beckett, comFim de Partida”, esta considerada hoje pelosexpertscomo sendo sua melhor peça.
            Pinter e Albee vêm depois, muito de perto.

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