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Wednesday, May 29, 2013

EM “A UMA SOMBRA” JAYRO SCHMIDT FAZ LUZ SOBRE VÁRIOS TEMAS (Editado em 1998, o livro do escritor e professor de arte marca um momento importante na ensaística deste Estado) - Hamilton Alves

  


            Dentre os devotos da arte (ou aqueles que têm se dedicado à atividade cultural) não se pode deixar de mencionar o nome do professor Jayro Schmidt, que, com seu livro “A uma sombra” (Bernúncia Editora, 208 págs.), contendo pequenas resenhas publicadas no “Anexo”, encarte do jornal “A notícia”, entre 95 e 98, deu uma contribuição bastante significativa à ensaística neste Estado, enfocando vários temas, alguns deles pouco ou raramente abordados.
            Logo após o lançamento desse livro, lendo-o atentamente, pude perceber que Jayro tocava em alguns problemas capitais, que, alguns de nós, ainda que por eles mostrássemos interesse, nunca avançáramos, porém, uma percepção mais ampla e percuciente como ele o fez, na esteira do entendimento revelado por autores e até filósofos de renome internacional.
            Não é apenas o tratamento dado aos temas, isto é, sua abordagem direta ou no plano do intelecto, mas principalmente a linguagem colocada a serviço de tal abordagem me pareceu de uma propriedade ou de uma qualidade que pouquíssimos outros escritores, mesmo a nível nacional, alcançaram. Estarei dizendo, por acaso, algum disparate? Convido o leitor a tirar, por si mesmo, a prova dos nove lendo-o.
            O que mais espanta e admira é que o autor nunca passou pelos bancos de uma escola universitária, sendo um autodidata puro, que, em um dos seus trabalhos (fora do livro) declarou, certa vez, que, para aprender, teve que se afastar da escola, querendo dizer, com isso, numa crítica velada ao ensino que se adota nas universidades, que o sistema de educar, nas academias, chegou a um ponto tal de deterioração, que não sugere nem incita, a quem quer aprofundar-se na ciência ou em qualquer ramo da ciência, o desejo de freqüentar  o mofento currículo de uma escola dessas.
            A bem de tal posição (ou colocação) é bom lembrar que o maior escritor deste país continua sendo um autodidata, Machado de Assis.
            Não vai nisso nenhum desejo de defender a opinião de que o autodidatismo é o único caminho a ser trilhado para quem deseja adquirir conhecimentos em qualquer área científica. Mas para uma espécie de talentos (que é o caso típico de Jayro), a escola regular ou a freqüência a um curso regular parece ser, a princípio, um entrave ao aprofundamento de conhecimentos.
            Mas à parte tais questões, absolutamente irrelevantes para o que, a seguir, se vai tratar, a obra de Jayro, antes de tudo, ou antes de ser o que já foi dito, ou seja, a abordagem de temas referentes às artes e até, muitos deles, de caráter puramente filosófico, prima, a meu ver, por ser um manancial precioso de informações desses mesmos temas, de cujas páginas o leitor sai mais enriquecido.
            Tive ocasião de dizer isso ao Jayro num encontro casual que tivemos, pegando-o, pelo que senti, um pouco de surpresa, pois acredito que ele próprio talvez não reconhecesse que seu livro pudesse ter ou conter assuntos ou o tratamento de questões tão importantes. Ou colocações às vezes desconcertantes pelas quais outros passaram de uma forma mais ou menos superficial e nem sempre com a necessária precisão.
            Seria difícil senão quase impossível fazer um relato completo e detalhado de todos os bons momentos desse livro. Se o fizéssemos, certamente não o lograríamos com êxito no modesto espaço de uma resenha. Ou desta, especificamente.
            Para esta breve análise da obra, valho-me de um outro exemplar, não do meu, que me foi dedicado pelo escritor, onde pacientemente anotei tudo o que me interessava. Daí que, agora, essa pesquisa do que para mim se destacou, entre tudo, torna-se mais trabalhosa.
            Mas mesmo assim, com essa dificuldade considerável, vou tentar fazer uma amostragem de alguns enfoques nela contidos.
            Quem se propor a percorrer as páginas de “A uma sombra” carece de fazê-lo munido de alguma erudição para bem assimilar colocações rarefeitas, como é, por exemplo, o caso de uma das referências iniciais, envolvendo o exame do Cânone Ocidental, de Harold Bloom, em que Shakespeare e Dante são colocados no centro desse Cânone, além do conflito do ser e consciência de Kafka. Referindo-se a este, diz: “A seus personagens estão reservados o não lugar, o nada. Não se sabe o que são e o que representam” (pág. 15).
            Detém-se em Vechietti, nosso grande artista plástico, diria um dos mais importantes tapeceiros, tão bom quanto o famoso Luçart, cultuado por muitos colecionadores, um dos quais foi o ex-ministro das Relações Exteriores Francisco Clementino de San Tiago Dantas. Referindo-se ao artista, Jayro considera a posição ímpar que manteve a vida toda em relação as suas opiniões estéticas. Ou a uma espécie de independência intelectual solitária, muito precoce para a época em que viveu. Ou em que apareceu como artista plástico.
            Uma das poucas abordagens ao filme “Limite”, de Mário Peixoto, descobri ou vim a ler nesse livro, a partir da qual fiz todas as tentativas de vê-lo até agora inúteis. Um filme que, como anota Jayro, foi visto e muito apreciado por ninguém menos que Orson Welles, Eisenstein e Pudovkine. “Limite – diz Jayro – foi taxado como arte pura, inacessível ao grande público. Para entendê-lo, na opinião de Octávio de Faria, é preciso um certo hábito de ver cinema, como arte, - o cinema autêntico, que vem sendo perdido com o vozerio e o catastrofismo do cinema falado. A percepção da singularidade estética das coisas faz de “Limite” uma realização isolada”.
            Não calculo, ao repassar novamente os artigos/ensaios desse livro, o que se pode ainda colher que não provoque de imediato uma espécie de visão renovadora, que nos desperta para o sentimento de que uma coisa vista ou percebida pode ser revista de um ângulo mais profundo. A cada passo, é esse sentimento que vai se apossando do leitor, que tem muitas vezes de exigir muito de si para acompanhar a altura rarefeita a que o autor nos arrasta.
            Jayro Schmidt desenvolve uma abordagem intelectual múltipla, tanto é que seu livro vai desde a crítica (ou seria melhor dizer comentário) a pintores, campo em que é um especialista como professor de arte do CIC (Centro Integrado de Cultura), até o exame de questões que dizem respeito à filosofia e às letras, de passagem pelo cinema, uma espécie assim de enciclopedista da cultura.
            Há uns poucos anos, mantivemos uma polêmica epistolar sobre a obra de Picasso “As senhoritas d’Avignon”, que pretendemos oportunamente editar com cerca de trinta cartas de cada qual. Seguramente suas opiniões, como pude constatá-lo, são muito técnicas e especializadas. Medir forças com ele, em qualquer área das artes em geral, é uma parada difícil. Mantém invariavelmente um entendimento muito particular e avançado.
            Alongar-me em considerações sobre seu livro, como disse, não é tarefa para uma mera resenha de jornal, e, sim, para uma análise mais metódica e que incorpore todos os aspectos que ali vêm muito bem considerados.
            Mas há uma pequena colocação de Jayro quando ele diz que Cèzanne é o pintor básico, querendo dizer que teria sido uma espécie de precursor da arte moderna que se seguiu após ele, o cubismo, notoriamente. Até hoje (posso estar redondamente enganado), não consegui gostar da pintura de Cèzanne. Não estou solitário nessa opinião. O escritor francês Émile Zola não a apreciava também. Ambos amigos e originários da mesma cidade, Aix –au-Provence.
            Jayro diz precisamente que “Cèzanne foi a base irradiadora” (pág. 23).
            Suponho que deve ter fortíssimos argumentos para ter Cèzanne em tal conta. Seu livro do começo ao fim é um convite a um banquete cultural imperdível, envolvendo esse e mais outros assuntos fascinantes.

           
           
           

            

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