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Saturday, May 18, 2013


FLORÊNCIO, O NOVO INQUILINO

Hamilton Alves

            Numa manhã dessas me levantei meio deprimido. É que, no dia anterior, deixara-o em seus novos aposentos na maior solidão, com comida e bebida, mas sem o conforto de minha presença. Logo comecei a me perguntar como se tinha dado no primeiro convívio com coisas estranhas. Uma sala simples, com vista panorâmica da melhor qualidade, com várias espécies vegetais, com a baía norte de fundo, por onde de quando em quando passam uns barcos à vela, que lhe dão tanta beleza, mormente em manhãs de mar plácido e azul, em que mais parece um cartão postal ou um quadro de Matisse. Ou de Eduardo Dias. Não vejo diferença fundamental entre os dois. Até nosso Eduardo me parece mais tocante em suas cores que o francês. Mas não nos desviemos do tema desta crônica.
            Lembrei-me também de que me esquecera de ligar a luz. À noite, ele podia querer encontrar o local onde estavam a comida e a bebida e sentir dificuldade. Foi assim que, logo que fiz o desjejum, corri até a casa onde pernoitou e verifiquei como passara.
            Quando me aproximei da casa não percebi sinal de vida. Isso me deixou preocupado. Comecei a conjecturar o pior. Que tivesse caído de uma escada ou de alguma altura. Que tivesse tropeçado em algum móvel ou batido em uma parede, etc. Mas vi, logo à entrada, que estava tudo em ordem. Correu para mim com certa dificuldade porque ainda se move com lentidão.
- Então, Florêncio, como passou a noite?
Me olhou com estranhamento. Não tínhamos grande intimidade. Mas logo nos entendemos. Saiu atrás de mim, seguindo-me pela casa toda, ora caminhando com seus passinhos miúdos, ora correndo, aos saltos. Tinha que pegar o ônibus em seguida. Dispunha somente de uns poucos momentos. Mas o suficiente para reorganizar a vida de Florêncio com o novo ambiente em que passou a viver.
Mostrava-se um pouco inadaptado. Ou talvez a solidão porque passara não lhe fizera bem. Notava-se que a minha presença lhe tornou mais conformado à nova situação.
- Bem, Florêncio, - disse-lhe – não tenho muito tempo a perder. Sou um homem ocupado, como você sabe. De modo que deixo a luz ligada para você se orientar melhor.
Ele me fixou os olhos, parecendo dizer que estava tudo legal.
- Um homem tem que sair à luta.
Lambeu a carinha, como se, de algum modo, tivesse assentido à minha observação...
- Nem sempre vou poder lhe dar toda a atenção. – continuei.
De novo, pôs-me os olhos azulados, e agora o fez de uma maneira que me tocou. Era um olhar lânguido, de quem provavelmente não se afeiçoou à solidão.
- O fim de semana está próximo e teremos todo o tempo para uma convivência maior.
Pulou numa poltrona e lá ficou.
Fiz uma ou outra arrumação. Dei uma última vista d’olhos em tudo, fechei janelas, por onde ele eventualmente poderia escapar – e me mandei, fechando a porta.
Quando desci a rua para ir ao ponto de ônibus fui pensando na nova situação criada, se Florêncio acabaria por se acostumar a esse tipo de vida solitária.
No ônibus encontrei um amigo. Contei-lhe rapidamente o que se passava.
- A princípio é assim mesmo. Disse. – Ele vai estranhar, mas logo se habitua.
- Você acha?
- Não tenho dúvida.
Durante a viagem Florêncio ocupava o centro de minhas preocupações.
- Foi presente de um amigo. – disse à pessoa que encontrara.
- Um presente de um amigo é irrecusável, mesmo quando seja um “pepino”.
- Pepino o Florêncio?!... (não gostei da idéia de relacioná-lo a um pepino).
À noite, quando voltei, a primeira coisa que fiz foi ir ao encontro de Florêncio.
Para meu desespero não o encontrei em parte alguma. Tinha fugido.
- Que diabo!... Onde se meteu esse gato?

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