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Wednesday, May 22, 2013

O PROFETA – Hamilton Alves


Num sábado desses, bateu à minha porta, à qual vêm infalivelmente dar os romeiros perdidos deste mundo à procura de alguma ajuda, um profeta. Acionou por várias vezes a campainha, a ponto de quando o atendi fui logo protestando:
- Bata uma única vez, não sou surdo.
- Ah, me perdoe. O sol está inclemente. Sou o profeta Glaico, preciso cumprir uma missão de salvação que Jesus Cristo me confiou; busco ajuda entre meus irmãos.
Vasculhei a memória à procura de algum profeta bíblico com tal nome, Glaico, não encontrei nenhum dos conhecidos.
Pelo qual lhe perguntei:
- Profeta Glaico?!
- Sim, Glaico, trago uma missão do outro mundo, tenho urgência de levá-la a cabo.
Era um cara magro, moreno, de barbicha.
- Afinal o que é que o senhor quer?
- Já disse. Uma ajuda seja do que for.
Voltou a repetir:
- Tenho uma missão aqui na terra e não posso deixar de cumpri-la.
- De quanto é a ajuda?
- Qualquer coisa.
Fui até o interior da casa com o pensamento de que, tratando-se de um profeta, teria que levá-lo a sério.
Vasculhei os bolsos, as gavetas, à procura de dinheiro. Tudo o que encontrei foi um real. Voltei à porta. Ali estava empertigado, cofiando a barbicha branca, o dito profeta, como um pau de vira-tripa.
- Aqui está minha ajuda.
O profeta olhou a mísera nota de um real que lhe estendi e fez uma expressão que me pareceu desconsolada.
- É o único dinheiro trocado de que disponho.
- Não faz mal, (disse ele), com boa vontade tudo serve e isto, certamente, agradará a Deus.
Um sujeito passava pelas imediações, notou a troca de palavras entre mim e o tal profeta e riu-se.
O profeta, quando lhe abri a porta, foi logo me estendendo um petitório, reforçado de vários documentos, em que pretendia provar sua missão salvífica entre os mais necessitados, para os quais levava a ajuda pedida.
- Aqui estão relacionados os nomes das pessoas para quem levo o auxílio.
Devolvi-lhe o papel. Observei que nele vinha expresso que "o profeta Glaico, abaixo assinado, vem pedir-lhe, etc."
Quando se afastou, empurrando a cédula de um real na sacola, acompanhei por algum tempo seus passos. Numa outra casa vizinha, veio uma senhora de cabelos grisalhos atendê-lo, mas lhe bateu a porta no nariz, pelo que o profeta seguiu seu caminho cabisbaixo e triste.
Voltei à poltrona onde antes estava instalado lendo um artigo de jornal, que envolvia, por seu tempo, uma profecia também pouco alentadora e até certo ponto apocalíptica sobre o agravamento dos problemas sociais de grande parte dos países sul-americanos e asiáticos, hoje atingidos fortemente por todo tipo de agruras.
O profeta que atendera à porta não era, ao que percebi, um missionário da causa alheia, mas da própria.
Como quer que seja, um profeta é um profeta.
- A sua oferta há de agradar a Deus, disse ele, ao se despedir.
- Amém.


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