Num sábado desses, bateu à minha porta,
à qual vêm infalivelmente dar os romeiros perdidos deste mundo à procura de
alguma ajuda, um profeta. Acionou por várias vezes a campainha, a ponto de
quando o atendi fui logo protestando:
- Bata uma única vez, não sou surdo.
- Ah, me perdoe. O sol está inclemente.
Sou o profeta Glaico, preciso cumprir uma missão de salvação que Jesus Cristo
me confiou; busco ajuda entre meus irmãos.
Vasculhei a memória à procura de algum
profeta bíblico com tal nome, Glaico, não encontrei nenhum dos conhecidos.
Pelo qual lhe perguntei:
- Profeta Glaico?!
- Sim, Glaico, trago uma missão do
outro mundo, tenho urgência de levá-la a cabo.
Era um cara magro, moreno, de barbicha.
- Afinal o que é que o senhor quer?
- Já disse. Uma ajuda seja do que for.
Voltou a repetir:
- Tenho uma missão aqui na terra e não
posso deixar de cumpri-la.
- De quanto é a ajuda?
- Qualquer coisa.
Fui até o interior da casa com o
pensamento de que, tratando-se de um profeta, teria que levá-lo a sério.
Vasculhei os bolsos, as gavetas, à
procura de dinheiro. Tudo o que encontrei foi um real. Voltei à porta. Ali
estava empertigado, cofiando a barbicha branca, o dito profeta, como um pau de
vira-tripa.
- Aqui está minha ajuda.
O profeta olhou a mísera nota de um
real que lhe estendi e fez uma expressão que me pareceu desconsolada.
- É o único dinheiro trocado de que
disponho.
- Não faz mal, (disse ele), com boa
vontade tudo serve e isto, certamente, agradará a Deus.
Um sujeito passava pelas imediações,
notou a troca de palavras entre mim e o tal profeta e riu-se.
O profeta, quando lhe abri a porta, foi
logo me estendendo um petitório, reforçado de vários documentos, em que
pretendia provar sua missão salvífica entre os mais necessitados, para os quais
levava a ajuda pedida.
- Aqui estão relacionados os nomes das
pessoas para quem levo o auxílio.
Devolvi-lhe o papel. Observei que nele
vinha expresso que "o profeta Glaico, abaixo assinado, vem pedir-lhe,
etc."
Quando se afastou, empurrando a cédula
de um real na sacola, acompanhei por algum tempo seus passos. Numa outra casa
vizinha, veio uma senhora de cabelos grisalhos atendê-lo, mas lhe bateu a porta
no nariz, pelo que o profeta seguiu seu caminho cabisbaixo e triste.
Voltei à poltrona onde antes estava
instalado lendo um artigo de jornal, que envolvia, por seu tempo, uma profecia
também pouco alentadora e até certo ponto apocalíptica sobre o agravamento dos
problemas sociais de grande parte dos países sul-americanos e asiáticos, hoje
atingidos fortemente por todo tipo de agruras.
O profeta que atendera à porta não era,
ao que percebi, um missionário da causa alheia, mas da própria.
Como quer que seja, um profeta é um
profeta.
- A sua oferta há de agradar a Deus,
disse ele, ao se despedir.
-
Amém.
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