Total Pageviews

Thursday, May 23, 2013

UM POEMA DE BROWNING – Hamilton Alves

 

            O poeta inglês Browning tem um poema lindíssimo, que vim de conhecer há pouco, com o título de “O amante de Porfíria”. Trata-se, resumidamente, do seguinte: um homem se apaixona desesperadamente por uma mulher. “Esta noite a chuva chegou”, diz o primeiro verso. A chuva contextualiza, de certa forma, o restante dos versos. Abre caminho a que, a certa altura, o poeta narre que, quando a amada chegou, sentou-se ao lado dele. E, súbito, tudo pareceu-se aquecer à sua presença. Desnudou os ombros alvos, macios, de cabeleireira loura, em desalinho, inclinou-se levando a face dele a aninhar-se à face dela. Ciciou seu amor por ele, ela fraca para cortar as amarras da vaidade, e entregar-se para sempre para ele. Teve a certeza de que a amante o adorava; o coração se expandia enquanto meditava no que faria. Naquele instante, ela era sua. Descobriu, então, o que lhe cabia fazer. Com o seu cabelo entrançou uma corda loira e longa, que lhe enrolou três vezes ao pescoço. Estrangulou-a. ela não sentiu dor. Abriu-lhe as pálpebras e voltaram a sorrir seus olhos azuis imaculados. A seguir, desapertou a trança que lhe cingia o pescoço e sua face voltou a avivar-se num rubor sob o beijo que lhe deu. Amparou-lhe a cabeça, só que dessa vez foi o ombro dele que susteve a cabeça que sobre ele descai. Minúscula cabeça rosada e sorridente tão feliz de possuir tudo o que queria, de ter de súbito cessado tudo o que desdenhava e de em vez disso ter conquistado o amor dele. O amor de Porfíria –ela não podia imaginar como o seu mais grato desejo ia se realizar.
            Termina o poema com estes derradeiros versos, que coloco aqui em forma de prosa:
            “E aqui estamos juntos, sentados, agora; ficamos imóveis durante a noite inteira e Deus está emudecido”.
            A dois amigos mandei esse poema, um dos quais é poeta; o outro, apreciador do gênero, tem também bom senso crítico.
            Num dia desses, o primeiro me surpreendeu com o comentário de que lhe pareceu que o amante mata a amada não apenas para sublimar o amor ou para perpetuá-lo, impedindo que se lançasse no abismo do efêmero, mas que lhe parecia que outro aspecto se adivinhava: não pudera consumar a cópula com a amada.
            Essa hipótese me pareceu despropositada e lhe retruquei que, no que se referia ao ato sexual, me parecia circunstância absolutamente irrelevante. O amante não mataria a mulher por se ver impotente, o que, a admitir-se, o poema perderia inteiramente o impacto de beleza que tem.
            Comentei essa questão com o segundo amigo para tirá-la a limpo. No primeiro momento, entendeu que tal interpretação não cabia. A intenção do amante, concordava com o meu ponto de vista, era a perenização do amor, sujeito a todas as vicissitudes das transformações porque passa a alma ou os sentimentos humanos.
            Dias depois, esse amigo me diz que lera com mais vagar e atenção o poema de Browning e chegara também, meditando melhor, à opinião do outro, segundo a qual também entrou no ato de morte o problema da impotência.
            Mantive irredutível a minha posição inicial de que essa interpretação do assassínio  desvirtua de sua grandeza o poema, até porque a satisfação do sexo é um ato animal, que não se compraz à transcendência da poesia de Browning, ou das intenções que deixou impressas nesse trabalho. Embora ambos admitam que a outra ilação, a de perpetuação do amor ou da paixão amorosa, é também de considerar, o fato é que as duas interpretações, se aceitas, não convivem bem, uma empobrecendo a outra.
            Já um terceiro amigo me levou o livro de poemas de Browning. Não o tenho encontrado nos últimos tempos, razão pela qual não tive a oportunidade de conhecer seus pensaments quanto à interpretação que colheu desse poema.
            Trata-se de um eminente homem de letras, que poderia nos tirar a mim e aos meus dois outros amigos desse dilema, não obstante da minha parte não esteja disposto a ceder a quem quer que espose a tese deles.
            O leitor não tem o poema integral, apenas alguns dados. Daí que possa Ter dificuldades de bem interpretá-lo.
Insisto apenas num único ponto, que, para mim, é capital: aceitar que o amante recorreu ao homicídio da amada porque não pôde concretizar a posse me parece reduzir a beleza do poema ou até mesmo desfigurá-lo.

            Browning quis colocar o sentimento do amor num nível de totalidade, eternizá-lo, para que nenhum outro fato humano fosse capaz de destruí-lo. É o que penso.

No comments:

Post a Comment