A
iniciativa de um grupo paulista, tendo os irmãos Campos (Haroldo e Augusto) à
frente, de comemorar o Bloomsday (dia de Bloom), personagem de James Joyce, em
Ulisses, romance que foi escrito para acabar com todos os romances (ou esse
epíteto vale para Finnegans Wake? – agora balanço na dúvida), contagiou o pessoal
da Ilha, com a longa programação para o próximo 16 de julho, que é o dia em que Joyce conheceu sua
mulher, em Dublin, e com ela se casou de modo não oficial, que, na pia
batismal, recebeu o nome de Norma Barnacle.
Joyce
teve que sair de Dublin, que, no dizer dele, era a cidade da infelicidade, tal
era, na sua visão, o espírito reacionário que dominava tudo por aquelas bandas.
Diz-se
que Ulisses foi recusado em Dublin. Recusou-o uma das potestades das letras
irlandesas, ninguém menos que o dramaturgo muito conhecido, Bernard Shaw, com
essas duras palavras:
“Ulisses
é um registro repulsivo de uma fase repugnante da civilização”.
Essas
palavras foram colhidas de uma carta que Shaw enviou à editora de Ulisses,
Sylvia Beach. O único livro que editou. Ela era dona da livraria Shakespeare &
Company, na rue de l’Odeon, em Paris, que era muito frequentada por Joyce nos
maus tempos de argola total. Pequeno detalhe sobre a obra: Sylvia diz, no livro
em que narrou esses fatos, que Joyce acrescentou vários trechos a “Ulisses” na
medida em que ali mesmo na livraria fazia sua revisão.
Sylvia
(que tinha um caso com Adrienne Monnier) adorava Joyce, nas suas próprias
palavras: “eu idolatrava James Joyce”.
Voltando
às palavras de Shaw, o que parece incrível ter um homem de sua estatura
intelectual dito uma tolice dessas sobre a obra máxima de Joyce (consideremos
Finnegans Wake também), pode-se imaginar o que um escritor, com a independência
intelectual de Joyce, sofria em sua própria terra. Daí ter dito sobre ela o que
disse.
Mas
queria me reportar, afinal de contas, aos contos “Dublinenses”, que nada mais
que vinte editoras recusaram-se a publicar (todas de Dublin). O livro contém
quinze contos apenas. Constitui toda a obra, no gênero, de Joyce. São quinze
contos que deve ter escolhido a dedo de outros que jogou no lixo ou dos quais
não gostou, certamente. O melhor para o senhor qual é? O senhor me retrucaria: e
para você?
Pois
lhe digo sem rebuços: para mim é “Contrapartida”, não obstante “Os mortos” ser apontado
pela maioria das pessoas (ou da crítica) como o melhor de todos. É,
inegavelmente, um excelente conto, que não nos esquecemos mais. Mas em “Contrapartida” gosto muito de seu
personagem, Farrington, um empregado de escritório, que tem um conflito com o
chefe. Diz-lhe na lata umas boas palavras, muito francas e duras, que, depois,
quando bêbado nos bares, fica repetindo para os amigos, como se fora a grande
proeza de sua vida. Pega um adiantamento em dinheiro para fazer seu “trottoir”
pelos bares e, no fim da noite, nem mesmo consegue se embebedar, que era tudo
que mais desejava. Chega em casa, com um buraco na alma (ou vários buracos). Quem
paga o pato é o filho, a quem pergunta se a comida está quente.
-
Ah, não está quente! Então você vai me prestar contas.
Apronta-se
para surrar o filho por essa ninharia quando este, em pânico, lhe diz: “não me
bata, papai. Não me bata; eu rezo uma Ave Maria pro senhor; eu rezo...”.
Farrington,
de certo modo, somos todos nós, que devemos cada qual ter vivido situação
semelhante.
Joyce
poderia ter escrito somente “Dublinenses”. E teria sido certamente um escritor
bem realizado e famoso.
(Junho/08).