Não falo de
Rubem Braga, de Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Antonio Maria, Carlos
Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, como cronistas (estes dois últimos
grandes poetas, talvez os maiores deste país), aos quais há uns anos passados
costumava ler em jornais, revistas, em livros exclusivos ou antologias (guardo
algumas dessa época e desses autores, como relíquias literárias, e às quais
sempre recorro para matar saudades ou para rememorar páginas que me são muito caras)
mas especialmente de José Carlos Oliveira, que não tive a felicidade de
conhecer em tantas vezes em que estive no Rio, na mesma época em que tinha uma
coluna permanente no Diário Carioca, que era um dos jornais mais simpáticos que
por lá se editava e do qual, por causa de Carlinhos, era eu ledor.
Carlinhos
deixou alguns livros de crônicas. Tinha um único, "Os Olhos Dourados do
Ódio", que não sei até hoje onde foi parar ou se o emprestei e não mo
devolveram, essas coisas que acontecem com livros preciosos que se emprestam e
que não nos voltam nunca mais às mãos.
Nesse livro,
havia uma crônica que particularmente me tocou. Creio já Ter referido em outra
oportunidade essa história. Carlinhos falava de um apartamento em que morava no
Rio e que, a partir de certo momento, tem que se mudar dele. As mudanças às
vezes se tornam dramáticas. Em geral, a pessoa se liga muito por vários motivos
ao local onde mora, onde se acostumou a Ter seu canto predileto, até sua rua ou
aspectos da paisagem pelos quais se familiariza ou se torna íntima ou se
habitua e, por causa desse enraizamento, as mudanças são sofridas.
Pois no dia em
que se viu compelido a mudar-se para outro lugar, Carlinhos já havia reunido
todos os seus pertences, melhor dizendo, suas bugigangas. E, no derradeiro
momento de fechar a porta atrás de si, lembrou-se de Ivone. Este, no dizer
dele, foi o momento mais emocionante. Ivone? Quem era Ivone? Pois Ivone era
ninguém mais nem menos que uma baratinha, à qual o cronista se afeiçoara
durante todo o tempo em que morou nesse local, a quem estava acostumado
encontrar quando, em madrugadas seguidas, chegava ali às vezes bêbado, cansado,
decepcionado e tantos outros estados semelhantes - e a baratinha sempre o
recebia ou o acolhia em seu canto.
Pois, antes de
deixar o apartamento, Carlinhos voltara-se para dentro dele, na intenção de
descobrir por onde andava Ivone para despedir-se condignamente dela. A partir
daquele momento, a separação seria irremediável. E isso lhe trazia um pouco de
tristeza. Não a achou por mais que fiscalizasse os cantos do apartamento.
Mas quando de
novo voltou-se à porta, de malas à mão, sabedor que era seu último momento de
convívio com todas as coisas que ali tinham existido, teve uma última palavra
de despedida: "adeus Ivone".
O fato de,
hoje, reconhecer que não há mais como ler José Carlos Oliveira, que nunca mais
encontrarei em qualquer órgão da imprensa uma crônica escrita por ele, me dá a
íntima convicção de que o mundo, sem dúvida, se empobreceu. Só me resta ainda
um único livro dele, que me foi dado de presente por um amigo, Iaponam Araújo.
O que me permite um reencontro com as belas crônicas do Carlinhos.
Setembro/02.