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Monday, October 31, 2016

DERCY - Hamilton Alves


Tem uma frase de Dercy que é a revelação de seu caráter ou do ser humano excepcional que foi:         “A gente precisa ser feliz nem que seja na porrada”. Uma frase dessa meu ver, vale por todo um compêndio de psicologia.
Todos deveriam torná-la sua propriedade ou levá-la por toda a parte como um talismã precioso.
Dercy, tal como era vista nos palcos, transmitia exatamente essa energia contida nessa frase às pessoas. Seus palavrões não eram outra coisa que a fórmula de uma espécie de “abre-te césamo” em direção à alegria de viver. Ou de superar os problemas menores ou maiores, que tantas vezes nos surgem como fantasmas, no dia a dia.
Nunca tive com ela contato pessoal. Uma única vez assisti a um de seus shows, sempre na base da improvisação. Creio que inventava tudo, até mesmo sua maneira de viver. Imagine-se que, no dia em que veio a falecer, com 101 anos, fora a um bingo. Quem na sua idade se abalançaria a frequentar uma casa de jogos semelhante? O que seria mais lógico e até mais previsível é que uma pessoa tão longeva assim ficasse em casa, deitada numa cama ou sentada numa long-chaise curtindo algum entretenimento caseiro. Dercy era feita de outra massa. Com ela a barra era diferente, Travava com a vida um duelo permanente, que tirava de letra. Tinha que ser feliz, não obstante arrostar a velhice. Mantinha o alto astral sempre, como contam pessoas que lhe eram íntimas ou como acabou por revelar sua filha, que contou os últimos momentos de sua existência. Dercy voltara do bingo com uma dor no tórax. Constatou-se que apresentava problemas respiratórios, que evoluíram e a mataram, Pediu que fosse cantado em seu enterro o samba enredo da Escola de Samba Viradouro, que num desses últimos anos a homenageou e, com ela, fossem também todas as suas perucas. Oh, perucas – dir-se-á –que gosto extravagante! Mas é bem típico de Dercy.
Quando Chaplin morreu comentei para amigos:
“Perdemos o maior gênio do cinema. O homem que fez o mundo melhor e mais humano”.
Agora, com a morte de Dercy, posso dizer coisa parecida. Dercy fez rir durante os seus 101 anos de vida. Nasceu predestinada, embora pertencente a uma família pobre. O início de vida, contado por ela, foi uma sucessão de sofrimentos. Até que o destino revelou-lhe o caminho que deveria trilhar: o palco. Foi nesse momento que Dercy descobriu Dercy ou o papel que lhe incumbia neste mundo.
Foi sempre irreverente com tudo e todos. Não seguia slogans. Seguia uma única filosofia de vida – a que inventara. O resto não batia com sua cabeça.
No auge da discussão sobre o aborto, lembro-me que pôs a mão no ventre, virou-se para o público e proferiu essas palavras, expressando sua liberdade: “aqui quem manda sou eu”.
Pode ser meio grotesco. Mas era a forma de ser e de agir de uma criatura que sempre primou por ser livre.
Agora a perdemos.
Quem a substituirá nos palcos com a mesma irreverência ou a mesma arte de fazer rir ou de tornar as pessoas mais felizes nem que seja na porrada?
Dercy, por tudo que você foi e fez para tornar a vida mais amena, obrigado.

Tuesday, October 25, 2016

DEOLINDO - Hamilton Alves



                                   Deolindo era um gato. Ou, para ser mais preciso, era um gato velho desses que estão meio cansados de bancar caçadores (ratos, pássaros ou outra coisa qualquer). Na velhice, que se arrastava já por cerca de trinta anos, dava nítida mostra de gostar de velhos cantos solitários ou então deitar-se perto de um fogão à lenha.
                                   Seus donos tinham por ele uma grande afeição, tanto é que Deolindo tinha liberdade de andar por onde quisesse.
                                   Era um gato desses comuns, sem raça definida.
                                   Comia o restolho do almoço ou da janta. Que era posto num alguidar pequeno (era o tempo ainda dos alguidares de barro). Deolindo tinha um que fora adquirido só para ser depositada sua comezaima.
                                   Deolindo se mostrava particularmente feliz quando pintava restos de churrasco, que, nos fins de semana, em geral, eram feitos por seus donos, trazendo amigos de longe. Formava-se um grupo numeroso em torno de um assador. Deolindo ficava de longe, só de olho, esperando a vez que bons pedaços sobrantes lhe fossem colocados no prato.
                                   Os garotos da casa lhe dedicavam muito carinho.
                                   Deolindo acostumou-se aos bons tratos.
                                   No fim das tardes (principalmente no inverno) recolhia-se próximo do fogão e dali não se afastava, a não ser que fosse chamado para coisa muito especial.
                                   Tirava longas sonecas.
                                   O inesperado também acontece na vida de um gato.
                                   Depois de trinta anos bem vividos, houve um dia em que chegara à casa dos donos uma legião de parentes, vindos não sei de onde, no meio dos quais havia uma petizada que pintava o caneco e que logo pôs as unhas de fora, promovendo uma mudança brusca nos hábitos da casa.
                                   Deolindo não viu aquilo com bons olhos. Esperava que os donos acabassem com aquela algazarra.
                                   Mas qual!
                                   Deolindo sentiu em perigo sua incolumidade. Até deitar-se perto do fogão, durante as tardes ou no começo da noite, evitava.
                                   Nesse período, perguntava-se por onde andava Deolindo. Com medo dos peraltas escondera-se. Fora para um galpão, recolhendo-se a um canto qualquer. Ali estava não só seguro, mas em paz.
                                   Caiu na desgraça de ocupar certa tarde seu canto predileto. Agarrou-o, de-repente, um moleque daqueles. Jogou-o no meio da cachorrada.
                                   Deolindo sentiu-se perdido.
                                   Evitou o ataque dos cães enfurecidos.  
                                   Mas foi dominado facilmente por dois ou três, que o estraçalharam.
                                   E assim, nesse dia fatídico, Deolindo apareceu hirto, com um filete de sangue na boca, para desconsolo de seus donos, que lamentaram muito o fato.
                                   Chegava ao fim a história de um velho gato, que era pacífico de natureza. Tanto amava ficar, nas noites frias, ao lado de um fogãozinho à lenha.                                                 Termina aqui esta triste história.
                                   Quem quiser que conte outra.

(junho/08).                             


                        

Monday, October 24, 2016

DELÍRIO – Hamilton Alves



pouca coisa agora
resta para dizer
da folia da noite,

das trevas que o delírio
trouxe rápido à tona
e então emudecemos;

nada, porém, foi inútil,
algo sobreviveu à ira,
lampejos de fogo

descobri na máscara
que era o reflexo
da dor ou da decepção;

julguei que tudo fosse
baldado mas ainda
sobraram esperanças

sobre a reconciliação,
o impossível amor,
a infinita tristeza.





(poema de Hamilton Alves escrito em agosto de 2006 sob o pseudônimo de Max Hohl).


Obs.: esse poema foi publicado na revista “continente”, de recife, pe, de janeiro/07, com dois outros, “nem dei pela noite” e “nada, nada!”.

Sunday, October 23, 2016

DECORAÇÕES NATALINAS - Hamilton Alves



                                               A decoração de Natal que o sr. Dario Berger (ou alguém a mando dele) imprime novamente à cidade é de um ridículo atroz (para não dizer coisa pior). Ano passado, por essa mesma época, fizemos aqui reparo ao que nos pareceu total falta de imaginação dos que têm a responsabilidade de dar uma feição bonita ao que, de si, já tem beleza de sobra, dando um novo encanto à paisagem ilhoa. No entanto, nova decepção (e pior ainda que a do ano passado) ocorre. Uma decoração que peca, sobretudo, não apenas pela falta absoluta de imaginação, de um mínimo senso estético, mas pela revelação mais total de grotesquerie. Ia deixar passar o fato em brancas nuvens, mas o caso agride de tal forma as pessoas que têm senso crítico ou que estavam na expectativa de um tratamento melhor no que diz respeito a esse item de beleza, de senso de proporcionalidade, de bom gosto, que não houve maneira de evitar de novamente comparecer a esta folha para exprimir nossa mais forte decepção quanto à forma como foi conduzido esse processo de decoração de Natal.
                                               Definitivamente, o prefeito (ou o órgão por ele designado a concretizar esse empreendimento) não revela a menor aptidão para esse papel de promover um projeto bem realizado de enfeitar a cidade de forma agradável à vista do menos exigente cidadão comum, mesmo àquele que nem esteja aí para o fato dessa escandalosa fórmula de opção pelo pior ou pelo mais atentatório a uma festa que tem ressonância universal, levando os povos de todos os quadrantes da terra a lançarem mão dos meios mais simples, mas ao mesmo tempo mais belos de expressá-la.
                                               Não vou citar o caso eminente do Rio de Janeiro, onde essa decoração sempre prima pelo mais alto nível de qualidade. Nem o exemplo que nos vem de Paris com uma árvore de Natal organizada e estruturada de forma exponencial, com materiais que lhe dão um aspecto condizente com a majestática expressão urbana dessa portentosa cidade. Não chego a tanto.
                                               Mas sem poder ostentar tal padrão, podíamos ao menos seguir solução menos grosseira. Seria suficiente convocar pessoas do ramo. Mas o sr. Berger, pelo visto,  dando mostras claras de não dar a mínima para a questão, adotou solução que afronta a todos sem exceção, que se mostram perplexos diante de tanta prova escandalosa de mau gosto.
                                               Contei o episódio que, nesse período, no ano passado, esteve em visita à cidade um amigo residente no Rio. Quando se deparou com uma estrela (e que estrela!), sob a ponte Hercílio Luz, que era o tipo da coisa sem graça, perfidamente molesta a quem nutre algum sentimento de civilidade urbana, expressou-se com as palavras seguintes:
                                               - Não suporto mais tanta burrice. Ainda bem que amanhã volto ao Rio.
                                               No dia seguinte, pegou a mala e se mandou, levando com ele, de certo, a lamentável imagem de uma estrela (e de uma cidade) terrivelmente feia.
                                                              


Saturday, October 22, 2016

O VÉU DA NOITE Hamilton Alves



Fecha-se sobre as coisas
O véu da noite

Enclausurando-as
Em seus limites

Por toda a parte
Nas mais recônditas

Expande-se algo
De difuso

Ou de indefinível
Corporeidade

Como um ser
Estranho e inóspito

Que vive na sombra
Ou na efemeridade

Para lá da vida
Retumba o vago



(poema de Hamilton Alves escrito em setembro de 2008 sob o pseudônimo de Otto Nul).

Thursday, October 20, 2016

DARCI COSTA - Hamilton Alves




                                   É conhecidíssimo, entre nós, o fato de Darci Costa ser uma enciclopédia ambulante de cinema. Afora o cinema que vem sendo feito de dez ou quinze anos para cá do qual sabe muito pouco ou nada. Até porque, sob muitos aspectos, a decadência foi tal que não se justifica o interesse que se tinha por ele. Fato relevante disso é que um dos maiores críticos de cinema deste país, Moniz Vianna, que tinha uma coluna de cinema permanente no extinto “Correio da Manhã”, de conhecida trajetória na imprensa brasileira, tê-la abandonado há anos pela mesma razão, ou seja, a coisa baixou de qualidade de tal modo que não tem mais sentido a crítica. E, além do mais, a época dos grandes clássicos acabou. Provavelmente, não se repetirá mais. Um renascimento do cinema é coisa vista com muito pessimismo. Mas as perspectivas, de qualquer modo, nesse sentido, não são nada alentadoras. A crise que afeta o cinema alcança todas as artes, sem exceção. Vive-se das glórias do passado. A música popular brasileira deu um salto qualitativo com a bossa nova. Mas no momento não se nota nenhum movimento criativo.
                                   Tentei fazer uma entrevista com Darci sobre suas preferências. É sempre interessante se conhecer quais são as escolhas de um crítico de cinema dos clássicos conhecidos, que são bastante numerosos, se nos dermos ao trabalho de citar todos.
                                   Darci é muito cuidadoso com tais preferências.
                                   Vacilou. Gaguejou. E acabou não dizendo quais eram.
                                   Simplesmente respondeu, no seu jeito de ser:
                                   - Escolha de melhores é muito difícil
                                   Eu que não sou assim tão ponderado tenho minha lista dos doze filmes que me fizeram a cabeça. Não vou mencioná-los porque não interessa ao leitor saber quais são.
                                   Seria capaz de citar pelo menos meia dúzia de filmes que o Darci incluiria, com toda a certeza, no rol de doze.
                                   Vou tentar:
1) No tempo das diligências; 2) O homem que matou o facínora; 3) Rastros de ódio (para ficarmos nos faroestes); 4) Um corpo que cai; 5) Casablanca; 6) Crepúsculo dos Deuses.
É meia dúzia, como se vê, da pesada. Creio que Darci não a recusaria de modo algum.
Aliás, qualquer cinéfilo ou crítico a assumiriam sem pestanejar. Sem dúvida, são seis clássicos indiscutíveis do cinema.
                                   Certa vez, tivemos uma discussão acalorada sobre a qualidade de um filme, que pensei que fosse dirigido por John Ford, mas acabei por saber que era de outro diretor, Fred Zinnemann – “Matar ou Morrer”, em que estrelam Gary Cooper e Grace Kelly. Disse-lhe que achara o filme chato e que o desempenho de Gary Cooper me parecia o de um pateta, correndo de Herodes a Pilatos para encontrar quem o apoiasse para enfrentar três bandidos que, quando aparecem em cena, mais se assemelham a três espantalhos do que propriamente a bandidos perigosos, como eram encarados. Ficou fulo.
                                   - O que?! - vociferou num tom de voz de se ouvir a cinco quarteirões, no seu modo muito particular de reagir.
                                   Mas isso não foi tudo. Referi-me a “Um corpo que cai”.
- “Um corpo que cai” é uma droga.
                                   Aí ele virou-me as costas e mandou-me às favas, saindo num passo que parecia deixar fumaça de tanta raiva que expelia de si.
                                   Mas somos grandes amigos até hoje.

(junho/08)




Wednesday, October 19, 2016

DANÇA MACABRA - Hamilton Alves




Há um desatino de cores
À luz da madrugada

O bêbado dança um bailado
Macabro à rua sombria

Prostitutas aguardam à esquina
Uma noite de amor vendido

Tremeluzem faiscantes
Janelas de casarios velhos

O céu é deserto de estrelas
E o vento pressago canta

Nas ruelas estreitas
A cantiga de sempre

A morte se esconde
Na palpitação da vida.



(poema de Hamilton Alves escrito em dezembro de 2006 sob o pseudônimo de Otto Nul).

Monday, October 17, 2016

CRONISTA SEM ASSUNTO - Hamilton Alves



                                   Sobre esse tema (que, afinal não é verdadeiramente um tema) José Carlos Oliveira escreveu talvez uma de suas melhores crônicas num livro de sua autoria, que guardo com muito carinho, a atestar minha admiração por sua grande qualidade de cronista.
                                   Carlinhos conta que, sem assunto para a crônica diária, por várias vezes enfiou o papel na máquina de escrever. Chegou a compor três ou quatro frases e não conseguia ir adiante. Tirava o papel do rolo da máquina, amassava-o e o jogava pela janela.
                                   Resolveu sair    à rua, na direção dos bares, onde o esperavam as garrafas (no dizer dele).
                                   Saiu andando de espírito vazio pela orla do mar, a fim de espairecer ou, quem sabe, à procura de assunto.
                                   Encontrou amigos, viu as gaivotas em seu canto estridente, numerosas, flutuando no mar ou esvoaçando pelo ar, mas nada do assunto aflorar.
                                   Escrevia diariamente para o Jornal do Brasil nessa época. Nada pode ser mais terrível do que a necessidade de redigir uma lauda e meia e não encontrar um mísero tema.
                                   Quem, cronista profissional, não passou já por tal tipo de crise?
                                   Quando o assunto não quer dar presença de si não adianta persegui-lo. O jeito é fazer como Carlinhos. Sair à rua, tomar o ar fundo, deixar as coisas acontecerem, até que a luz se faça ou não se faça.
                                   A solução é voltar à redação ainda de espírito vazio, sem nenhuma possibilidade, a mais remota, de achar o tema para desenvolvê-lo.
                                   O jeito que há, em tal circunstância, é encher lingüiça, como certamente fez nessa crônica, conduzindo-a até com certa maestria, finalizando assim:
                                   “Fiz outra bolinha de papel, joguei pela janela, fechei a máquina... Fechei a porta, fechei a garganta, fui andando pela beira do mar, mais certo do que nunca de que nada sucede na beira do mar”.
                                   Essa crônica, que finda dessa maneira tão deplorável, narrada por Carlinhos, tem o titulo de “A fera em liberdade”, colhida das paginas 37/38 de seu livro “A revolução das bonecas”.
                                   Não posso me queixar como o fez Carlinhos sobre falta de assunto. A última experiência vivida por mim como cronista diário foi num jornal local, substituindo seu titular, cronista de boa cepa, Flávio Cardozo. Aceitei o desafio que me foi proposto de substituí-lo por um período de tempo considerável. E, agora, no “lesma”, me pespegaram o título de “cronista diário”. Nada mais tenho feito que mal traçadas croniquetas, que não chegam a ser diárias.
                                   Se tivesse que arrostar uma coluna num grande jornal (ou mesmo modesto), diariamente, talvez me afligisse o drama de Carlinhos, que se viu alcançado num belo dia pela falta de assunto.
                                   E, para um cronista, que se vê na obrigação de cumprir seu ofício não há, na verdade, suplício maior.
                                   Faria também, certamente, uma bolinha de papel, atiraria pela janela, fecharia a máquina, e seguiria pela beira do mar...


(agosto/08).                                       

Sunday, October 16, 2016

CRÔNICA, GÊNERO LITERÁRIO POR EXCELÊNCIA (a polêmica em torno da validade da crônica como gênero literário está superada, a confirmar-se por autores consagrados até hoje)- (por Hamilton Alves)



            A pecha de ser a crônica gênero menor é ainda hoje ouvida de eminentes figuras das letras. E não tão eminentes assim, como foi o caso recente de João Carlos Mosimann, que, apoiado em, Carlos Heitor Cony, que também é partidário de tal opinião (embora cuspa no prato que come, pois tudo que faz na Folha de São Paulo, às sextas-feiras, é crônicalapidar e acabadamente crônica)- veio a sustentar em seu artigo/resenha neste suplemento que “A crônica, como gênero jornalístico ou literário seria uma contrafação”.
            Seguindo os princípios doutrinários de literatura de Cony, alude ainda que “...não há jornalismo literário. Há jornalismo e literatura”.
            Tal opinião é, no mínimo, muito discutível (para não dizer coisa pior), pois sabido que do jornal tem saído matéria (inclusive crônicas) para livros. Rubem Braga (cito logo um dos maiores cultores da crônica e, quando saiu dela, o fez muito rapidamente, para produzir poemas (poeta bissexto), mas com o que Braga não chegou a perder tempo, voltando ao gênero que cultivou como poucos, chegando à mesma altura que Machado de Assis e João do Rio, celebrados também como grandes cronistas.
            Colhida de jornais e revistas onde colaborou durante toda sua existência, Braga editou uma dezena de livros, que hoje enchem as estantes dos admiradores do gênero (entre os quais me incluo).
            Há outros grandes nomes da crônica, que a tornaram gênero literário nobre. Podem-se citar entre esses Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Antonio Maria, Fernando Sabino, Flávio Cardozo, Silveira de Souza, Jair Hamms, Luis Fernando Veríssimo, Moacir Scliar, Flávio Rangel, Cecília Meirelles, Manuel Bandeira e outros.
            Até Olavo Bilac, autor do memorável poemaOra, direis ouvir estrelas”, assinou crônicas no jornalGazeta de Notícias”, do Rio. A “Companhia das Letras” vem de publicar uma antologia, reunindo crônicas de gente conhecida e não tão conhecida assim, num livro sob o título “Boa Companhia”, em que desfilam grandes ases da crônica e, especialmente, uma de Bilac, que, com Veríssimo, compõe as melhores.
            E, ao que se deduz dessa crônica, com o título de “Moléstia da época”, Bilac narra um episódio relativo aos cinematógrafos. Durante uma tarde inteira acompanhou um amigo amante do “dolce far niente”, freqüentando quatro deles e quase compromete sua colaboração diária com o jornal, a ponto de o editor pedi-la encarecidamente, pois estava para ser fechada a página da crônica.
            Voltando ao Cony, tenho ainda o recorte de um artigo de sua autoria (publicado na folha às sextas), de uns poucos anos passados, em que incide no equívoco de considerar a crônica gênero datado e que não tem mais espaço no jornalismo moderno. Caí de pau, na mesma ocasião, em cima dele, recorrendo a outro grande cronista/articulista, que, no mesmo jornal, expendeu a opinião consagradora segundo a qual “A crônica que é uma espécie de baldeação entre o trem expresso do jornalismo e o trem de luxo da poesia”. Não precisa, diante de tal categorizada opinião de um dos maiores escritores deste país, acrescentar-se mais nada. Quem a assinou foi ninguém menos que Antonio Callado. Numa crônica que publiquei neste jornal, substituindo Flávio Cardozo, em curta temporada de interinidade, reproduzi esse tema, aproveitando-me da abalizada palavra de Callado, com o que fechei a boca de Cony,que, de quando em quando, em vários temas, anda mal inspirado.
            Recorrendo aos meusArquivos Implacáveis”, informo a quem interessar que a crônica referida traz o título de “Definição da Crônica”, publicada em 8 de agosto de 1994. o que não sei é se possuo o artigo de Callado de que extraí esse comentário, revelador de seu alto apreço pela crônica.
            Ter dito o Sr. Mosimann quenãoconfluência entre jornalismo e literatura”, adotando ainda o esdrúxulo pensamento de Cony de que “há jornalismo e literatura”, parece-me trazer antolhos.
            Jornalismo também é literatura. E tanto isso é verdade que muita coisa (inclusive a crônica e a resenha) publicada em jornal vira livro. Isso prova cabalmente a procedência da assertiva.
            A resenha primeiro sai em jornal para depois vir a figurar em livros. É o caso eminente de dois ou três bons resenhistas de nosso tempo, Sérgio Augusto, Ruy Castro e Arnaldo Jabor, para não mencionar outros.
            Agora mesmo, adquiri os dois volumes da “As obras primas que poucos leram”, resenhas publicadas por grandes nomes do jornalismo, a maioria (ou quase todas) recolhida da revistaManchete”, onde despontam trabalhos de Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos, Ruy Castro, Josué Monteiro, Ledo Ivo e tantos outros, tornando-se, para leitores e escritores de hoje e de sempre, um livro de informação literária de valor inestimável.
            Então por que essa pinimba com o jornalismo literário? Há pouco Sérgio Augusto falava de jornalismo cultural, que, praticamente, a ver-se pela pouca freqüência dessa espécie de jornalismo em nossas folhas, parece ter perdido a primazia de uns poucos anos atrás. E isso, segundo Augusto, não é um fenômeno restrito ao nosso país, onde realmente as coisas, a tal respeito, estão indo de mal a pior, mas é generalizado, que alcança países do nível cultural da França ou dos Estados Unidos.
            Considero, particularmente, uma falta total de visão mais crítica ou mais aguda ou mais abrangente ou até, se se quiser, mais rica essa de perfilhar-se a opinião de que a crônica é um gênero menor ou está condenada ao dia a dia do jornal sem maior fôlego para resistir ao tempo. Não preciso me valer de melhores argumentos. Creio que o que disse sobre o assunto é suficientemente claro e convincente para mostrar não a perenidade do gênero como também sua validade ou sua honrosa categoria de gênero literário – e dos mais belos.
            Afirmo-o não porque seja também cronista. E quero puxar a brasa para o meu peixe. Mas porque o fato se revela por si mesmo. Ou pela evidência da consagração da crônica na literatura brasileira. Isso é de uma evidência que os cegos na vêem. Ou não querem ver.
            Borges dizia que se dedicara ao conto porque achava a novela e o romance algo exagerado ou de dimensões inúteis, pois tudo, ao ver dele, podia ser resumido ao conto.
            Seguindo essa teoria, diria que tudo caberia numa crônica. Ou tudo até poderia caber num “haicai”.
            Sou um ledor inveterado de crônicas.
            Agora mesmo adquiri a antologia a que referi em outra parte desta resenha, “Boa Companhia”, com crônicas de gente da pesada, Rubem Braga, F. Sabino, Veríssimo (e até Veríssimo incluo, eu que andava às turras com algumas de sua produção, mas rendo-me, finalmente, à boa qualidadeaté à excelentequalidade da crônica que escreveu nessa antologia, “Velho Edgar”) e outros.

            Se a crônica não é gênero literário, então temos que admitir que a roda é quadrada.

Friday, October 14, 2016

CRISE CAPITALISTA - Hamilton Alves





                                   Não vou pretender, nestas rápidas linhas, explicar a crise capitalista, que está, certamente, na raiz mesma de suas históricas contradições, já tão fartamente reveladas por Marx.
                                   Conheço precariamente as idéias do filósofo alemão. Essencialmente, para Marx, a sociedade capitalista, tal qual se estrutura, chegará mais cedo ou mais tarde ao próprio fim. Trata-se, segundo ele, de um processo, que tem seu limite, ou seja, seu fim bem demarcado, que assinalará o começo de nova era histórica, com a necessária e irremediável abolição do capitalismo como forma de organização da economia.
                                   Não vou muito menos desfilar aqui o quanto tem de nefasta a sociedade burguesa, sob a qual se estrutura o capitalismo. É reconhecidamente um sistema desagregador e instaura entre as pessoas a sociedade de classes, o que, por si mesmo, é algo absolutamente absurdo, estabelecendo níveis de inserção social ou de oportunidades para uns e para outros. Trava-se, silenciosamente, uma luta de foice no escuro entre os agentes sociais, em que, no dizer popular, quem pode mais chora menos.
                                   Tudo bem. Reconheçamos tudo isso de nefasto no sistema capitalista.
                                   Não ouso defendê-lo em qualquer instância,
                                   Mas pergunto: a solução seria a adoção do comunismo, na pureza da teoria de Marx, que equivaleria à abolição do Estado burguês?
                                   Isso não seria utópico?
                                   Historicamente, o Estado, como o entendemos cientificamente, em nosso tempo, está fadado, mais dia, menos dia, a desaparecer até pela contingência mesmo do processo a que se aludiu há pouco.
                                   Mas desaparecido, admitindo-se para argumentar, o Estado, seguindo-se a ditadura do proletariado (como ocorreu de certo modo em período histórico conhecido na URSS), isso equivaleria à emergência de uma sociedade uniforme, que não admite contrafação ou por cuja cartilha todos têm que rezar, queiram ou não.
                                   Trata-se de uma sociedade fechada e dogmática, que não abre espaço à dissidência ou a idéias antagônicas, que impõe o estabelecimento de verdades definitivas e absolutas que todos têm que seguir e acatar.
                                   Como preconizava Marx em “O capital”: “de cada um segundo suas possibilidades, a cada um segundo suas necessidades”.
                                   Tudo seria público, nada privado.
                                   Teoricamente, tudo isso é, sem dúvida, ao primeiro exame, o reino da racionalidade, superando-se as contradições capitalistas, o processo burguês de produção e outros males de tal regime.
                                   Não deu certo na URSS, que implodiu depois de 70 anos de adoção de tal regime (se bem que não muito dentro dos moldes marxistas) nem em Cuba, onde até hoje a sociedade se debate com os maiores problemas.
                                   Cícero, o grande mestre grego, tinha uma frase que poderia trazer consideráveis lições para todos nós. Dizia ele: não há governos ideais.
                                   Acho que Cícero tem lá suas boas razões para dizer o que disse.
                                   Está para ser ainda criada uma doutrina que resolva satisfatoriamente a constituição de uma sociedade impecavelmente organizada, em que, por fim, se alcance a meta tão sonhada de estabelecer, entre os homens, o ideal da igualdade e da justiça.
                                   Creio que o mais sábio seria aceitar-se uma sociedade em termos relativos, abandonando-se o sonho do absoluto. Até porque, neste mundo, não há absolutos.
                       
                                  
                       




Thursday, October 13, 2016

CONVÍVIO CULTURAL - Hamilton Alves





                                   Toninho Vaz, que conheço de pouco, travei com ele pela primeira vez numa palestra que deu sobre Paulo Leminski, está de volta à Ilha, solicitado de novo a falar-nos em torno da obra ou da pessoa do poeta paranaense e de seu recente livro, lançado pela Editora Record, “O rei do cinema”, que versa sobre a vida de Luiz Severiano Ribeiro, que, nascido numa cidadezinha do Ceará , tornou-se o maior exibidor de cinema deste país, passando um dos descendentes do primeiro Luiz Severiano Ribeiro a ser produtor de cinema, com a extinta e histórica Atlântida, que foi praticamente produtora de todos os filmes de Oscarito, Grande Otelo, Cil Farney, Fada Santoro e outros artistas conhecidos à época.
                                   O que logo se destaca num contato rápido com Toninho é sua versatilidade cultural, revelando-se informado não apenas de cinema, mas especialmente de literatura, que é, afinal, o seu grande mote para empreender viagens a tantas cidades brasileiras para dar palestras.
                                   Dois temas foram lançados em nosso papo nesse primeiro contato de agora: “o espírito” do Fantasma Voador, que é imortal (com isso Toninho queria referir-se justamente ao fato da descendência dos Luiz Severiano Ribeiro, que se sucederam em três gerações, eliminando o “Jr.” ou “Filho” para negá-la, parecendo aos pouco informados que Luiz Severiano Ribeiro foi uma só personalidade, que criou sozinho a fama de exibidor e produtor de cinema). O outro foi sobre “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, que, na palestra que fez há pouco, em Tubarão, para universitários, lançou duas perguntas iniciais ao público presente para medir até onde ia seu conhecimento dos temas que se propunha abordar. Isso teria que ser feito necessariamente, sob pena de falar de abstrações que só provocariam tédio. Ou o ouviriam apenas por curiosidade, ignorando inteiramente o assunto ventilado.
                                   Disse-me que, quando se referiu à obra de Euclides da Cunha, o silêncio seguiu-se de forma preocupante. Ou seja, nenhum dos presentes jamais lhe ouvira sequer a menor referência, o que num primeiro momento poderia levá-lo ao pânico. Como falaria de um tema sobre o qual as pessoas nunca ouviram uma referência?
                                   O que o salvou foi que uma dessas pessoas disse que não tinha lido Euclides, mas lera Madame Bovary. Nessa altura, abria-se, para Toninho, uma brecha. Alguém sabia da existência de uma obra como a de Flaubert. E isso seria, no mínimo, uma boa provocação.
                                   Não sei se surpreendi Toninho quando lhe disse que fiz uma tentativa infrutífera de ler “Os Sertões”, derrubado nessa pretensão pelas 50 primeiras páginas, que derrotam qualquer um desavisado de que, além delas, abre-se um horizonte de beleza literária pouco comum em nossa literatura.
                                   Não me lembrava mais nada referente ao “espírito” imortal do Fantasma Voador (figura das mais famosas das histórias em quadrinhos) nem lera ainda “Os Sertões”, uma dívida que tenho com a literatura brasileira e com Euclides da Cunha, que versa sobre a saga de Canudos.
                                   No pouco contato com Toninho Vaz afloraram dois temas que, de imediato, colocavam em xeque minha cultura.  
                                   A questão inicial sobre detalhe essencial da história desse personagem fascinante, o Fantasma Voador, revelei desconhecer. E pior: ignorava o romance de Euclides da Cunha, que se notabilizou dentro e fora do país, como sendo um momento grandioso de nossas letras.
                                   O pouco contato com esse homem de letras (Toninho Vaz) revelava meus flancos abertos quanto a aspectos culturais importantes.
                                   O convívio com pessoas bem informadas é, de certo modo, o estímulo permanente ao trato com a cultura vista de um plano mais abrangente.



(set/08)

Wednesday, October 12, 2016

PÃO, PÃO - Hamilton Alves




Seria o ocaso
Do acaso
Caso se casassem
Casos ocasionados
Por ocasiões
Diferentes.

Nenhuma opinião
Seria pão, pão,
Se cada quinhão
Não fosse partilhado
De coração
Com ou sem razão.

Todo o obstáculo
Estaria no cálculo
Do animálculo
Minúsculo
Conhecido por
Molusco.

Desdobrando tudo
Sobraria mudo
E quedo o homem
Desprezível tartamudo
Neste mundo
Vagabundo.


(poema de Hamilton Alves escrito em fevereiro de 2007 sob o pseudônimo de Otto Nul).





Tuesday, October 11, 2016

CONFLITO - Hamilton Alves




no auge do conflito
armado que ocorre
agora no Iraque
um soldado americano
depois de dar com os corpos
de alguns companheiros
trucidados por um homem-bomba
viu logo em seguida próximo
passar um gato
naquele momento
teve inveja do gato
e lamentou a sorte
de não ter nascido
simplesmente um gato.



(poema de Hamilton Alves escrito em dezembro de 2006 sob o pseudônimo de Otto Nul). 

Monday, October 10, 2016

COMO VAI A PERFOMANCE CULTURAL ? (embora sem dados estatísticos - ou com estatísticas grosseiras – pode-se dizer que não é nada animador o quadro atual da cultura em âmbito mundial) (por Hamilton Alves).



Outro dia, numa resenha para um jornal, Sérgio Augusto revelou que os jornalistas de cultura já não são tão requisitados ou sequer considerados com a importância que desfrutavam há uns tempos passados. E não faz tanto tempo assim. De ano para ano, tais profissionais (uma classe bastante numerosa) vêem paulatinamente decair seu prestígio. “A coisa está feia” – diz Sérgio a certa altura de seu artigo. Ele se referia a um encontro desses profissionais recentemente realizado nos Estados Unidos, em que o tema geral dos debates foi exatamente o de saber até que ponto se deteriorava ou perdia prestígio sua presença nos jornais. O certame trazia o nome de National Critics Conference. O encontro teve por local a cidade de Los Angeles, em maio do corrente ano.
O resultado colhido através do depoimento de participantes foi de certo modo acabrunhador, pois todos revelavam que vinham perdendo gradativamente terreno na mídia e o fenômeno é que decaia, a olhos vistos, a busca de informação cultural através da imprensa especializada (ou dos jornalistas que a representavam). Mas nem tudo foram lamentações. Houve pequeno grupo que via como passageiro o fenômeno, embora também reconhecesse que os tempos não são muito favoráveis, tanto é que o espaço de alguns jornais já não contempla matéria cultural.
Daria para sentir algo semelhante na imprensa brasileira? Quem são os jornalistas que ainda assinam artigos ou resenhas de cultura? São muitos, poucos ou uns gatos pingados? Não conheço mais que meia dúzia de nomes dos que formam no primeiro time. Pode ser até que haja outros pintando aqui e ali, mas os grandes nomes conhecidos não são muito numerosos. Formam um pequeno grupo. Nos Estados Unidos, que é incomparavelmente mais rico do ponto de vista de estrelas de primeira grandeza no jornalismo, perderam-se recentemente as figuras exponenciais de Pauline Kael, crítica de cinema, e Susan Sontag, que abrangia uma gama muito grande de áreas culturais, desde a literatura, passando pela pintura, pelo teatro, cinema, etc.
A baixa desses dois nomes foi muito sentida pelos jornais que acolhiam sua opinião com muita freqüência, sem falar em outro monstro sagrado, H.L. Mencken, podendo-se mencionar ainda Clement Greenberg, que foi por vários anos o papa da crítica de artes visuais, além de outros de menor porte, mas que vinham se mantendo inalteradamente no pódio dos nomes mais cotados do jornalismo cultural dos EUA.
Com o desaparecimento de tais figuras, a imprensa viu-se servida por uma casta muito heterogênea, sem alcançar o nível daqueles – o que pode ter sido responsável, em grande parte, pela queda de qualidade dos novos valores.
Podem-se fazer testes locais ou pesquisas pelo índice de venda de nossas livrarias. A bem dizer, temos cinco livrarias de porte considerável. Em contato com seus gerentes, que conhecem bastante bem o volume de vendas, a informação é de que a situação não é das melhores. Seria o caso, por exemplo, de um Kafka, Dostoievski, Tolstoi, Tchecov, Beckett, Hemingway, esses grandes nomes, que, em qualquer época – a mais adversa para livreiros – são bastante procurados.
Que dizer dos escritores regionais ou brasileiros? Quem é que vende mais entre eles? Um primeiro nome assume, desde logo, a liderança. Nem precisa dizer quem é. Ou precisa? Paulo Coelho no topo.
Quem mais dentre os mais conhecidos? Talvez se possam citar Cony, Rubem Fonseca, Lígia Fagundes Telles, Luiz Fernando Veríssimo, Moacir Scliar e alguns outros.
As editoras continuam rejeitando maciçamente nomes novos, com receio de que o mercado, na forma como vem reagindo até com os grandes nomes, não corresponda à menor expectativa.
Qual a solução para o problema?
Não há aqui a realização de uma National Critics Conference como em Los Angeles se fez em maio último, a fim de analisar miudamente a questão.
Há pouco, foi lançada uma coleção de grandes títulos e de autores de fama internacional, com suas obras primas, nem por isso a venda foi um sucesso. Até houve o caso de uma obra das mais festejadas pela crítica mundial, “Morte em Veneza”, de Thomas Mann, que numa banca ficou por três ou quatro meses boiando. Adquiri dois exemplares. Como um terceiro havia sobrado, acabei também adquirindo-o para dar de presente a um amigo.
Trata-se de um clássico internacional e de um escritor premiado com o Nobel.
Imagine-se o que ocorre com quem não alcançou tal notoriedade!
Apesar disso tudo, o livro ainda vende. O quadro não é tão desalentador assim. Há  apaixonados por literatura, que são capazes de atos de loucura para adquirir uma obra literária, que constitua uma raridade. É, claro, um pequeno grupo, que evidentemente não pode mudar muito o panorama.
O jornalismo cultural está intimamente relacionado ao comércio de arte. Quando um acabar ou sentir o abalo de indiferença de público, o outro também cairá pelas beiradas. Um suporta ou depende do outro.
Como o fenômeno da queda de prestígio desses profissionais foi constatado e proclamado no encontro da National Critics Conference, é possível admitir-se que isso tenha fortes reflexos no baixo interesse por arte do público, que prefere entretenimentos por via eletrônica, concentrando a atenção principalmente de jovens. Ou então o fato se explica pela baixa qualidade das pessoas para as quais a literatura ou as artes de um modo geral não têm mais nada a lhes dizer. Ou não constituem, para eles, um atrativo como há tempos passados.
O mundo se deteriora sob vários aspectos, seria o caso de dizer-se?
Sem exageros, o fato é que o mar não está pra peixe.

Mas ainda há quem tenha uma visão animadora diante das piores perspectivas.