A pecha
de ser a crônica
gênero menor
é ainda hoje
ouvida de eminentes
figuras das letras.
E não tão
eminentes assim,
como foi o caso
recente de João Carlos Mosimann, que, apoiado em,
Carlos Heitor Cony, que também é partidário
de tal opinião
(embora cuspa no prato
que come, pois
tudo que
faz na Folha de São
Paulo, às sextas-feiras, é crônica – lapidar e acabadamente
crônica)- veio
a sustentar em
seu artigo/resenha neste suplemento
que “A crônica,
como gênero
jornalístico ou
literário seria uma contrafação”.
Seguindo os princípios doutrinários
de literatura de Cony, alude ainda que “...não há jornalismo literário. Há
jornalismo e literatura”.
Tal
opinião é, no mínimo,
muito discutível
(para não dizer coisa pior),
pois sabido que do jornal
tem saído matéria
(inclusive crônicas)
para livros.
Rubem Braga (cito logo um dos maiores
cultores da crônica e, quando saiu dela, o fez muito
rapidamente, para produzir
poemas (poeta
bissexto), mas
com o que
Braga não chegou a perder
tempo, voltando ao gênero
que cultivou como
poucos, chegando à mesma
altura que
Machado de Assis e João do Rio, celebrados também
como grandes
cronistas.
Colhida de jornais
e revistas onde
colaborou durante toda
sua existência,
Braga editou uma dezena de livros, que hoje enchem as estantes
dos admiradores do gênero
(entre os quais
me incluo).
Há outros
grandes nomes
da crônica, que
a tornaram gênero literário
nobre. Podem-se citar
entre esses
Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos,
Antonio Maria, Fernando Sabino, Flávio Cardozo, Silveira
de Souza, Jair Hamms, Luis Fernando Veríssimo, Moacir Scliar, Flávio Rangel,
Cecília Meirelles, Manuel Bandeira e outros.
Até
Olavo Bilac, autor do memorável
poema “Ora,
direis ouvir estrelas”,
assinou crônicas no jornal
“Gazeta de Notícias”,
do Rio. A “Companhia
das Letras” vem de publicar
uma antologia, reunindo crônicas
de gente conhecida
e não tão
conhecida assim,
num livro sob
o título “Boa Companhia”,
em que
desfilam grandes ases da crônica e, especialmente,
uma de Bilac, que, com
Veríssimo, compõe as melhores.
E, ao que
se deduz dessa crônica, com o título de
“Moléstia da época”,
Bilac narra um episódio
relativo aos cinematógrafos.
Durante uma tarde
inteira acompanhou um
amigo amante
do “dolce far niente”, freqüentando quatro
deles e quase compromete sua colaboração
diária com
o jornal, a ponto
de o editor pedi-la encarecidamente,
pois estava para ser fechada a página
da crônica.
Voltando ao Cony, tenho ainda o recorte de um
artigo de sua
autoria (publicado na folha às sextas),
de uns poucos anos
passados, em
que incide no equívoco
de considerar a crônica
gênero datado
e que não
tem mais espaço
no jornalismo moderno.
Caí de pau, na mesma
ocasião, em
cima dele, recorrendo a outro grande
cronista/articulista, que, no mesmo jornal, expendeu a opinião
consagradora segundo a qual “A crônica
que é uma espécie
de baldeação entre o trem expresso
do jornalismo e o trem
de luxo da poesia”.
Não precisa,
diante de tal
categorizada opinião de um dos maiores escritores deste país,
acrescentar-se mais nada.
Quem a assinou foi ninguém
menos que
Antonio Callado. Numa crônica que publiquei neste jornal,
substituindo Flávio Cardozo, em curta temporada
de interinidade, reproduzi esse tema, aproveitando-me da abalizada
palavra de Callado, com
o que fechei a boca
de Cony,que, de quando
em quando,
em vários
temas, anda
mal inspirado.
Recorrendo aos meus
“Arquivos Implacáveis”,
informo a quem interessar
que a crônica
referida traz o título de “Definição da Crônica”,
publicada em 8 de agosto
de 1994. o que não
sei é se possuo o artigo de Callado de que extraí esse
comentário, revelador de seu
alto apreço
pela crônica.
Ter dito o Sr. Mosimann que
“não há confluência
entre jornalismo
e literatura”, adotando ainda
o esdrúxulo pensamento
de Cony de que “há jornalismo
e literatura”, parece-me trazer
antolhos.
Jornalismo
também é literatura.
E tanto isso
é verdade que
muita coisa (inclusive a crônica e
a resenha) publicada em
jornal vira
livro. Isso
prova cabalmente
a procedência da assertiva.
A resenha
primeiro sai em
jornal para depois vir a figurar
em livros.
É o caso eminente
de dois ou três bons
resenhistas de nosso tempo, Sérgio Augusto,
Ruy Castro e Arnaldo Jabor, para não mencionar outros.
Agora
mesmo, adquiri os dois
volumes da “As obras primas que poucos leram”, resenhas
publicadas por grandes
nomes do jornalismo,
a maioria (ou
quase todas) recolhida da revista “Manchete”,
onde despontam trabalhos
de Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos,
Ruy Castro, Josué Monteiro, Ledo Ivo e tantos outros,
tornando-se, para leitores
e escritores de hoje
e de sempre, um
livro de informação
literária de valor
inestimável.
Então
por que
essa pinimba com o jornalismo
literário? Há pouco
Sérgio Augusto falava de jornalismo cultural, que,
praticamente, a ver-se pela pouca freqüência
dessa espécie de jornalismo
em nossas folhas,
parece ter perdido a primazia
de uns poucos anos
atrás. E isso,
segundo Augusto,
não é um
fenômeno restrito ao nosso
país, onde
realmente as coisas,
a tal respeito,
estão indo de mal a pior,
mas é generalizado, que
alcança países do nível
cultural da França ou dos Estados Unidos.
Considero, particularmente,
uma falta total
de visão mais
crítica ou
mais aguda
ou mais
abrangente ou até,
se se quiser, mais rica
essa de perfilhar-se a opinião de que a crônica é
um gênero
menor ou
está condenada ao dia a dia do jornal sem maior fôlego para resistir ao tempo.
Não preciso
me valer de melhores argumentos.
Creio que o que
disse sobre o assunto
é suficientemente claro
e convincente para
mostrar não
só a perenidade do gênero
como também
sua validade
ou sua
honrosa categoria
de gênero literário
– e dos mais belos.
Afirmo-o não
porque seja também
cronista. E quero puxar a brasa
para o meu peixe. Mas porque o fato
se revela por si
mesmo. Ou
pela evidência
da consagração da crônica
na literatura brasileira.
Isso é de uma evidência
que só
os cegos na vêem. Ou
não querem ver.
Borges dizia que
se dedicara ao conto porque achava a novela
e o romance algo
exagerado ou de dimensões
inúteis, pois tudo,
ao ver dele, podia ser resumido ao conto.
Seguindo essa teoria,
diria que tudo
caberia numa crônica. Ou tudo até poderia caber num “haicai”.
Sou um
ledor inveterado de crônicas.
Agora
mesmo adquiri a antologia
a que já
referi em outra
parte desta resenha,
“Boa Companhia”, com
crônicas de gente
da pesada, Rubem Braga, F. Sabino, Veríssimo
(e até Veríssimo incluo, eu que andava
às turras com
algumas de sua produção,
mas rendo-me, finalmente,
à boa qualidade – até
à excelente – qualidade
da crônica que
escreveu nessa antologia, “Velho
Edgar”) e outros.
Se a crônica
não é gênero
literário, então
temos que admitir
que a roda
é quadrada.