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Tuesday, January 31, 2017

UM LIVRO DE RECEITAS MASTURBATÓRIAS DE TREVISAN (“Rita Ritinha Ritona”, com dezessete contos do “Vampiro de Curitiba”, é o seu mais novo lançamento) (por Hamilton Alves)*



            Tenho de longa data uma pinimba  com Dalton Trevisan. Não conheço sua obra toda, mas poucas (três ou quatro), não me animei a ir ao resto, se é que o fato de ter lido essas seria suficiente indicação do que eram as demais.
            Conheço leitores que são entusiastas de Dalton. Na verdade, o que escreve não é só pornografia. Ou erotismo do mais deslavado.
            Um desses leitores me recomendou um livro dele, “O cemitério de elefantes”, onde tem um conto que é muito referido pela crítica, “Uma vela para Dario”, que foi eleito como uma obra prima do gênero.
            Dario é um personagem que cai morto na rua e, em vez de solidariedade de seus semelhantes, o que lhe vem a ocorrer é o despojamento de todos os seus pertences. Só um lembrou-se, quando exalava o último suspiro, de pôr-lhe uma vela junto ao corpo. Daí o título do conto.
            O mesmo amigo, assíduo e apaixonado admirador da obra de Trevisan, há pouco, me sugeriu a aquisição de outro de seus livros, que considerou muito bom: “O grande deflorador”, (LP&M, 98 págs.), com vinte e uma histórias. Não há que duvidar: o título fala pelo conteúdo. São contos na linha habitual ou conhecida do escritor, de um picante sabor erótico.
            O lançamento mais recente “Rita Ritinha Ritona” abre-se com um conto de treze páginas, sob o título “Maria, sua criada”. De que se trata? Uma adolescente, de treze anos, que vem do nordeste (área conflagrada, como sabido, pela miséria) à procura de emprego. Encontra-o numa casa em que o marido, por deveres profissionais, passa mais tempo fora do lar, e a mulher o trai sem cerimonia. A história da moça nordestina (semelhante à desdita de Dorotéa, em “A hora da estrela” de Clarice Lispector), segue até o fim conhecendo ou vivendo as mais escabrosas experiências pelas quais possa passar uma criatura, até que ela própria se vê envolvida em atos concupiscentes que jamais sonhara. Mas à parte o tema erótico (o livro é recheado de ponta a ponta por tais episódios), o conto torna-se fastidioso até porque a narrativa é de caráter tão grotesco que se sai dela meio entorpecido. E o que é pior: a linguagem é pobre, o conto mal estruturado, - e o leitor fica se perguntando a que se deve todo o prestígio que desfruta Trevisan como contista.
            Há três outros contos (um dos quais beira simplesmente a obscenidade, “O mestre e a aluna”) que não mudam o tom, na mesma linha de baixezas morais ou sexuais, como se isso fosse do agrado geral do público ledor. Se há quem necessite de excitações, o livro de Trevisan é uma boa receita.
            Não é apenas isso, no entanto, que há de se ressaltar nesse livro “Rita Ritinha Ritona”, mas também a qualidade literária, que, em poucos contos, alcança um bom nível, não obstante a apelação que os caracteriza.
            Devemos admitir literariamente o erotismo? Por que não? Mas há erotismo e erotismo. O conto de Machado de Assis “Missa do galo” é um conto erótico, sutilmente erótico, sem parecer erótico. O jovem que vai passar a noite de natal na casa de Conceição e seu marido e que, por ela, a certa altura, é advertido de que o amigo que prometera vir ao encontro dele o chama à rua para assistirem à missa do galo, vive momentos de relacionamento que bem revelam o desejo que um sente pelo outro (ou a atração física ou libidinosa), sem, contudo, deixar transparecê-lo. O fato é mais acentuado porque Conceição sabe que o marido a trai. E o moço é uma oportunidade excelente para que se vingue da infidelidade do esposo.
            Nos contos de Trevisan, porém, o adultério, a lascívia, a concupiscência são reveladas sem qualquer pudor. Não chegam, nem de longe, à extrema e rara habilidade machadiana para insinuar o que se passa, não nos atos, mas na mente de seus personagens, que mal são esboçados nos gestos ou na fala.
            Mas nem sempre o erótico tem sido a marca dos contos de Trevisan, embora lhes seja o traço peculiar.
            Numa antologia de contos de Natal, editada pela “Relume Dumará”, 1996, Trevisan tem um conto com o título “Onde estão os natais de antanho”, que considero não apenas uma obra prima no gênero, mas o incluo entre os melhores que já li. É, na verdade, um instante excepcional na sua carreira de contista. Não conheço outro de sua autoria que o supere.
            Há outro, “A testemunha”, de igual nível, mas ainda fico com o primeiro como podendo ser referido como esse momento único que todo o escritor tem em sua trajetória. Trevisan não dá entrevista. Houve uma tentativa apócrifa, por ele devidamente repudiada, de obter-lhe respostas a algumas perguntas que muitos de seus leitores gostariam de formular-lhe. Mas se esconde de jornalistas. Ou de entrevistadores. A justificativa é de que tudo que tem a dizer está contido na sua obra.
            Mas se o conhecesse ou privasse com ele, gostaria que me revelasse porque sua preferência manifesta pelo erotismo de bas-fond.
            Isso deve ter uma explicação, pelo menos a nível psicanalítico.
            “Rita Ritinha Ritona” – para voltar mais uma vez a esse último lançamento – é de uma escabrosidade que não conhece barreiras. O conto já referido “O mestre e a aluna” é uma série infindável de situações das mais degradantes concebíveis, em que todas as experiências da libido são descritas com a mais intensa e fria crueza. Trata-se de um professor que pretende analisar o trabalho de uma aluna sobre a personagem machadiana Capitu. É conhecida a posição de Trevisan quanto ao caso Bentinho, Capitu, Escobar, de acordo com a qual Capitu traiu inapelavelmente o marido com Escobar. A maior prova disso, segundo a teoria de Trevisan e a de quem lhe segue a opinião, é que Ezequiel, suposto filho do casal, é a cara de Escobar.
            Em vez de sabatinada sobre o tema, a jovem e esbelta aluna é levada às mais diabólicas práticas sexuais com o mestre.
            O livro não choca apenas por isso (o que não seria de menos) mas é que, no conjunto, deixa muito a desejar e segue por uma mesmice e lugares comuns que enchem de tédio o mais tolerante leitor. Cito, como modelo, um conto de duas páginas, sob o título “Em família”. Não há nada mais desinteressante, de baixo nível, de má estrutura literária do que esse conto.
Não vou perder tempo em resumi-lo.
            Não duvido que Trevisan seja um bom escritor (tem coisas ótimas em sua já volumosa obra) mas “Rita Ritinha Ritona” é revelador, antes de tudo, de que, no mínimo, ele precisa se recauchutar para nova empreitada literária.


             

Monday, January 30, 2017

UM HOMEM EM DIA COM OS NOVOS TEMPOS – Hamilton Alves





                                               Posso dizer, finalmente, que sou um homem ajustado a seu tempo. Não tão ajustado que não deva aprofundar minha inserção nesse mundo em que vivemos de alta tecnologia. Ainda me falta muito para chegar lá. Mas para quem supunha ter inteira ojeriza pelo computador (nunca julguei que um dia capitularia a tantos apelos feitos por filhos e amigos), até que estou me saindo razoavelmente bem. Nos primeiros momentos (é como quem começa a aprender a dirigir automóvel) dizia-me:
                                               - Nunca vou aprender a lidar com esse troço.
                                               A princípio, atendendo a conselhos dos que já tinham avançado bastante nos mistérios da computação, aceitei contratar uma professora. Uma senhora até muito simpática, bem falante. Além do mais, paciente com as minhas mancadas iniciais. Certo dia, na terceira ou quarta aula, fui-lhe sincero:
                                               - Acho que a senhora está perdendo tempo comigo. Não vou aprender jamais a lidar com essa máquina.
                                               Foi quando amavelmente replicou:
                                               - Todos dizem a mesma coisa. Outros alunos meus, que hoje são feras, me confessaram no início que teriam a mesma dificuldade.  E no entanto...
                                               Mas fui fundo em minha descrença:
                                               - Mas comigo é diferente. A senhora está tratando com alguém que, de velha data, tem especial ojeriza por máquina seja de que tipo for. Nem sei como aprendi a datilografar as máquinas comuns.
                                               Mas ela não se convenceu com meus argumentos e declarou, alto e bom som, que eu levava jeito. E não apenas isso, mas que em pouco tempo, com mais algumas aulinhas, aprenderia o necessário.
                                               Continuei cético.
                                               O problema todo é que jamais me imaginaria fazendo aquelas diabruras que fazia no teclado ou nas referências inúmeras do computador. Coloquei-lhe tal questão. Mas sempre animada disse:
                                               - Tem gente que aprende sozinha sem auxílio de professor de tão fácil e simples é o manejo do computador.
                                               - Mas aí trata-se de um caso de genialidade e não me tenho na conta de gênio.
                                               Ela deu uma ampla risada.
                                               Os dias se passaram. Como me pareceu invencível aprender a lidar com o tal aparelho, expliquei para a professora que ia dar um tempo para fazer uma avaliação, que me desculpasse, etc.
                                               Parece ter se conformado com minhas alegações. Prometi-lhe que, se voltasse atrás na minha decisão e quisesse reiniciar um novo período de aulas, contratá-la-ia de novo.
                                               Não sou o que se pode chamar de um craque. Longe disso. Mas aprendi o que, para mim, é o essencial: mandar recados, abrir a página do e-mail. Isso passou a constituir uma atração. Já digito meus textos e os remeto. Parece-me o suficiente. Para que ir mais adiante?
                                               Para quem temia não conseguir nada, acredito que avancei bastante.  
                                               O pior de tudo é que me tornei um dependente da computação. Esse é o grande mal que aguarda a cada um dos que se propuserem a descobrir os pequenos e grandes mistérios dessa tralha.
                                               Woody Allen afirmou outro dia que continua fiel a sua máquina de escrever convencional, com a qual redige seus roteiros. Antonio Callado foi outro que recuou depois de algumas tentativas frustradas de lidar com computador. Outros agiram da mesma maneira.
                                               Por que traí esses companheiros no repúdio a essa máquina?                         


Wednesday, January 25, 2017

UM ESTRANHO AMIGO - Hamilton Alves

 

            Conheci há muitos anos um homem magro, alto, ralos cabelos, uma testa larga, que era o que mais sobressaia em seu rosto, uns olhos pequenos cobertos de óculos de lentes grossas. Vestia-se de forma imaculada mas simples, sem afetação, como se a roupa acabasse de sair da lavanderia. Encontrávamo-nos de quando em quando em qualquer rua, em qualquer lugar, perdidos ambos em nossas andanças. Tinha sido seminarista e esteve perto de ordenar-se. Soube disso por dados que pouco a pouco foi me fornecendo, porque, a seu respeito, falava pouco ou nada. Era um homem beirando os sessenta anos. O tema que ambos debatíamos era filosófico, ele com conhecimentos muito mais sólidos que os meus. Não era dogmático. Nutria suas convicções, mesmo religiosas, com simplicidade e humildade. Comungava de seus sentimentos e de suas visões das coisas. Éramos espíritos afins. Que, no fundo, guardavam uma grande dúvida sobre tudo.
            Em geral, era na praça que se davam nossos encontros. Ele aparecia de repente, vindo não ei de onde – e não marcávamos encontro; acontecia ao acaso. Falava devagar. Tinha um riso mal esboçado, como se até para rir se mostrasse inibido.
            Sua presença me fazia bem. Era a amizade de um homem maduro para um adolescente que, no fundo de si mesmo, já deparara com tantos mistérios.
-         O que ele via em mim? – me perguntava.
No que poderia eu de alguma forma corresponder a sua erudição, um homem que como revelara, quase se ordenara. Conhecia línguas, filosofia, etc.
Praticamente, a esse tempo, não concluíra o ginásio. Interrompera minha atividade escolar antes de ingressar no clássico (2º grau hoje). Mas lia, lia tudo o que me caísse às mãos. O tema religioso sempre me fascinara. Por esse tempo, andava lendo “Os Thibault”, de Roger Martin Du Gard, um escritor voltado à questão da existência de Deus.
Embebera-me de Du Gard. Não cheguei ao término do livro porque Jacques, um dos personagens, no segundo volume, fizera uma quixotada.
Ao meu amigo nunca revelei minhas leituras. Nem lhe falei que estava lendo “os Thibault”.
Notava que ele não ia diretamente às questões, abordava-as aos poucos, como se tivesse receio de aprofundá-las, sentindo-me certamente inexperiente para avançar mais além do que eu podia. Perdia-se, assim, muitas vezes, em devaneios, esboçando um risinho simpático.
Dizia as coisas pausadamente como se refletisse muito ante de dizê-las. Parecia estar sempre absorvido em i memo.
Certa feita, deu-me a saber que trabalhava no escritório de uma emprea. Era só, morava só, não tinha família, era do interior,, presumivelmente de origem alemã, mas também sobre isso nunca fez qualquer referência. Não falava de si mesmo. Só se interessava em trocar comigo algumas palavras, embora parcas. Nunca abordávamos assunto da hora, para nós ambos sem qualquer atrativo, como se isso estivesse implicitamente acertado.
Nunca referiu que estivesse lendo algum livro, embora fosse homem de muitas leituras.
Era, em suma, um erudito mas não fazia a mínima ostentação dessa erudição.
Era um homem afável, que custava encontrar as palavras para exprimir-se, que, a falar, preferia o silêncio.
Muitas vezes surpreendia-o a fitar um ponto qualquer, como se vagasse por mundos desconhecidos.
Quando voltava à conversa parecia emergir desse vale de sombras ou de uma vertigem qualquer.
Pouco tempo depois nossos encontros e extinguiram.
Era um bom amigo, de quem eu não sabia nada, nem mesmo o nome.


Tuesday, January 17, 2017

UM ENIGMA ENVOLVENDO O ESCRITOR JORGE LUIS BORGES (Inexplicado até agora o motivo pelo qual Borges resolveu morrer fora de seu país) (por Hamilton Alves)




Até agora, vinte anos após a morte de Borges, que escolheu a Suíça (Genebra) para ser o local de sua última morada, a intelectualidade de seu país,  perplexa, se pergunta por que o escritor teria tomado tal decisão.
Muitas especulações se fazem em torno desse assunto, uns aludindo ao fato de que Borges nunca foi considerado por seu povo como o grande escritor que acabou sendo reconhecido mundialmente, outros referindo-se   à influência de Maria Kodama,  que, por razões também desconhecidas, levou-o a optar pela Suíça para lá acabar seus dias.
Vivendo  sempre em Buenos Aires, tendo ali iniciado sua vida
e sua atividade literária, cercado sempre de grandes amigos e amigas, como Bioy Casares, que foi o mais dileto de todos,  Macedonio Fernandes, com o qual reservava as tardes de sábado para um longo papo, Maria Esther Vasquez, Stela Ocanto, que o trouxe para a revista Sur, que durante anos editou, vivendo com sua mãe, por último, num apartamento de um prédio na rua Maipu, no centro da cidade, é estranhável que, no fim da vida, fizesse tal opção, que pegou todos desprevenidos, não só o povo argentino mas as  pessoas que mais de perto com ele privavam.
Um repórter de jornal disse que Kodama é que o teria levado a escolher a Suíça para morrer, revelando que se queixou a sua empregada que não queria deixar seu país, que ela interferisse de alguma maneira para impedi-lo ou impedir a mulher que o levasse a esse ato meio extravagante.
A ligação que, na adolescência, teve com a cidade de Genebra, onde freqüentou escolas e passou boa parte desse período de sua vida, ao ver de uma certa corrente, não é argumento suficiente que projete luz sobre a atitude do escritor.
Algo muito mais profundo e mais ponderável deve ter influído nisso, como, por exemplo, o período em que sofreu sob a tirania de Perón, que o afastou de sua condição de diretor da Biblioteca Pública de Buenos Aires para torná-lo fiscal de mercado,   contando as  aves que ali entravam e saiam, o que foi sumamente desonroso para sua condição de escritor e de uma pessoa que exercia um cargo digno como o que então ocupava, o que o levou a demitir-se dele.
A notícia que circula, mesmo na Argentina, é que, embora ali nascido, nunca,  na verdade, sentiu-se em casa,  recolhendo fora de seu país mais aplausos e admiração por sua obra, o  que atestam os prêmios que recebeu de inúmeras universidades e convites constantes para realizar palestras em várias cidades do mundo.
Em Genebra, ao tentar se hospedar num hotel, ao que se propala, foi barrado pelo gerente, que não quis que a triste fama de Borges  morrer ali servisse de mau agouro para outros hóspedes, tão ou mais velhos do que ele.
Conta-se que Borges teve que polemizar com o gerente, explicando-lhe que esse tipo de fama para o hotel tinha um aspecto altamente positivo, pois isso resultaria em publicidade ou notoriedade. Não ignorava que era uma figura célebre. E o gerente certamente também não.
Borges aludiu a outros escritores, tão ou mais famosos do que ele, como fora o caso de Oscar Wilde, que morrera, em Paris, no Hotel d,Alsace. Até hoje, esse hotel é procurado por turistas desejosos de conhecer algo a respeito da vida do poeta, que ali viveu seus derradeiros dias, exilado ou foragido de Londres, onde fora condenado por homossexualismo.
Mas o que transpirou, ao sabor de resenhistas de jornal, é que o gerente nem assim se deixou convencer.  Borges, diante de tal resistência, já pensava em capitular ou cantar noutra freguesia, não tivesse sido a interferência de Kodama, que aludiu à condição de pessoa idosa do marido (?) para que acabasse por ser nele instalado. São essas, às vezes, as vicissitudes da fama. Ou tudo isso não passa de diz que me diz.
Como se sabe, a essa altura, Borges contava 86 anos. Portanto, era um candidato muito próximo a empacotar. De certo modo, o hotel de Genebra (ou seu gerente) tinha razões ponderáveis de que um morto, ainda que ilustre, ficasse ali com seu nome marcado para sempre. Seria o tipo de coisa não desejável, na visão de uma pessoa que tinha por dever preservar o prestígio ou a boa fama do hotel, ainda que isso, para alguns, possa parecer absurdo. Mas“amigos, amigos, negócios à parte”, é o princípio que norteia a visão de um hotel ou de um eventual gerente aferrado a seus preconceitos.
Felizmente, para o casal Borges, o conflito foi sanado. Eis que, poucos meses depois de ali hospedado, veio a falecer, sepultando-se (e lá está até hoje) num cemitério de Genebra. A exemplo de outro escritor, tão ou mais ilustre, James Joyce, que está enterrado no cemitério Flutern, em Zurique.
Poder-se-ia avançar, sem base em fatos concretos, que Borges teria sido de certo modo influenciado por Joyce quanto a pretender morrer fora de seu país natal. Joyce tinha um sério conflito de ordem intelectual e artístico com seu país. Ou uma pinimba insanável com a mediocridade e o atraso de Dublin, cidade, no dizer dele, da infelicidade e do fracasso.
Isso, obviamente, teria apenas valor de especulação.  Nada leva a admitir que fosse esse o desiderato de Borges. Dois dos mais renomados biógrafos do escritor, James Woodwall e Maria Esther Vasquez, passam por cima de tal assunto sem lhe fazer a mínima referência, o que leva a supor que, se Borges algum dia acalentou o desejo de ser enterrado em solo estranho ao de sua pátria, guardou-o em seu foro íntimo.
Paira, portanto, até hoje, embora muito se busquem levantar dados a tal respeito, que elucidem de uma vez por todas tal enigma, uma sombra de dúvida sobre suas verdadeiras causas.
Não há nenhum informe elucidativo. Nem muito menos a mais leve insinuação de Borges a amigos mais diletos de que esse seria seu projeto de fim de vida.
Maria Kodama tem a chave do mistério. Ela está aí bem viva. E só ela detém a verdadeira versão dessa história. Mas quem conseguirá fazer com que a revele? Já que, para ela, a memória de Borges será mantida em inviolável sigilo.
Estive uma única vez em Buenos Aires. Tentei me entrevistar com o escritor Ernesto Sábato, tão famoso quanto seu conterrâneo ilustre, com quem cheguei a trocar algumas palavras por telefone, alegando que não podia me receber em sua casa (tanto gostaria de travar com ele e conhecê-lo), pois estava, naquele momento, aguardando a vinda de um médico para tratar de sua esposa doente.  Não era um despistamento de um repórter abelhudo. Era um fato que, depois de alguns meses, se comprovou verdadeiro, com o anunciado falecimento de sua mulher.
Utilizei a entrevista com Sábato para uma novela que, depois de meu retorno, escrevi, sobre uma história que inventei de um suposto furto de um romance escrito por Borges, ele que declaradamente sempre fora inimigo desse gênero. Nessa altura, Borges já estava morto. Num encontro com Sábato, talvez tivéssemos trazido à baila esse assunto. Sábato, com sua discrição, talvez não quisesse abordá-lo. Mas poderia levantar levemente a cortina do mistério. Encontrei nas bancas de jornais uma revista, “La Maga”, em que os dois, através de um mediador, haviam se formulado perguntas sobre vários temas, preponderando os literários. É possível que nem mesmo Sábato pudesse explicar porque seu amigo (há notícia de que não se queriam bem)  foi morrer na Suiça.
Afinal de contas, fosse qual fosse o motivo, não custaria nada revelá-lo. Cada qual tem o direito de morrer e ser enterrado onde bem entender. Mas no caso de um escritor do nível de grandeza de Borges, essa questão continua suscitando curiosidade.







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Sunday, January 15, 2017

TANGO ARGENTINO - Hamilton Alves




o que será mais indicado
pour la maladie de l’âme?

ouço a sugestão do poeta:
assobiar um tango argentino;

não, para tal mal
não há cura;

nem farão efeito
as mezinhas de farmácia;

nem palavras de fé
nem conselhos de pitonisa;

há que suportá-lo,
trata-se de coisa passageira

como uma dor de dente
ou menos dolorosa;

a melhor opção, talvez, será
assobiar um tango argentino.

x x x

(poema de Hamilton Alves escrito em julho de 2006 sob o pseudônimo de Max Hohl).
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Friday, January 13, 2017

QUEM ACHA QUE “DOM CASMURRO” NÃO É UMA OBRA-PRIMA? (um articulista de um jornal paranaense soltou o verbo denegrindo o clássico do maior autor brasileiro, Machado de Assis).- (por Hamilton Alves)


            Um amigo me telefonou outro dia para me informar que um resenhista de um jornal de Curitiba tinha desancado a obra clássica de Machado de Assis, “Dom Casmurro”. Em seguida, foi apontando trechos que ele mesmo ressaltava como sendo absolutamente indignos de um dos maiores romances não apenas da literatura de língua portuguesa mas que alcança fama mundial. Aindapouco, uma escritora americana, Helen Caldwell, escreveu um alentado ensaio, de perto de duzentas páginas, sobre o problema que salta dessa obra referente ao adultério de Capitu, que foi também matéria de julgamento de um tribunal eleito pelaFolha de S. Paulo”, tendo na presidência o Ministro do STF Sepúlveda Pertence, integrado de figuras eminentes das letras nacionais. O resultado é conhecido: Capitu foi inocentada. Mas essa opinião não é pacífica. Há ferrenhos adeptos de que, sem dúvida, ela incorreu na prática da infidelidade em relação ao marido Bentinho, envolvendo-se com seu melhor amigo, Escobar, de quem o filho de ambos era a cara ( ou o retrato).
            Mas afora essa questão, que avulta no enredo e leva tanta gente, até hoje, quase um século da morte de Machado, a discuti-la cada vez com redobrado entusiasmo, agora se nos depara outra: a de um resenhista de jornal, que houve por bem dirigir os maiores ataques à grandeza da novela machadiana, taxando-a de “menorou de não possuir toda a categoria com que é festejada, à unanimidade, por críticos de renome.
            Ao meu informante declarei que, se fosse editor do jornal, vetaria essa matéria, pois, a meu ver, não condiz com a verdade e não faz justiça ao teor incomparável do romance, narrado de uma forma consistente, segura e com rara maestria.
            Foi o bastante para que, entre nós se instalasse uma polêmica, que se resumiu ao fato de meu interlocutor entender que o direito de expressão do pensamento é livre e, agindo como disse que agiria, no caso, estaria praticando um ato de intolerável autoritarismo.
            Levamos esse debate a um ponto inimaginável, pois, a certa altura, quando procurei argumentar que o direito da livre expressão colidia com meu direito de, na qualidade de editor de um jornal de cultura, impugnar a publicação de um tal trabalho, não quis entender assim e bateu-se na tese de que o que eu estava praticando era, inegavelmente, um ato de brutal discriminação ou violência contra uma opinião que podia, eventualmente, ser discutida mas não censurada.
            Após alguns dias, fui ler o artigo, tendo autor inclusive aplaudido a opinião de Millôr Fernandes de que Bentinho tem manifesta característicagay”. Li a entrevista em que o ilustre humorista manifestou esse estranho e infeliz pensamento sobre a personalidade da grande personagem de Machado. A princípio, não quis crer que Millôr fosse capaz de perpetrar  um ato de burrice igual. Mas redimi-o de seu pecado porque, afinal de contas, todos podemos ser levados a equívocos e exageros. Mas que o articulista do jornal curitibano não apenas aplaudisse mas desse seu aval à opinião de Millôr me pareceu uma coisa absurda. Em nenhum momento da história (ou narrativa), Bentinho passa a idéia de ser homossexual. Até pelo contrário, era gamadíssimo por sua Capitu. Tinha um ciúme dela doentio, ciúme que, no dizer de alguns abalizados críticos, levou-o à convicção de que a mulher o havia enganado com o inseparável amigo Escobar, que morrera afogado nas águas do Flamengo e em cujo velório Capitu, no dizer do marido, lança-lhe um olhar envolvente cheio de ternura e dor.
            A certa altura, num dos capítulos finais, Bentinho declara: “Capitu tinha meia dúzia de gestos únicos na terra”. E, ao olhá-la, desvaneceu-se a tal ponto que lhe cobriu o rosto de beijos.
            Isso é, por acaso, atitude que leve alguém a supor que se trate de um homossexual. Ademais, Machado não o retrataria jamais como tal. No fim da vida, Bentinho era um casmurro, apelido que granjeou com os amigos próximos e com o companheiro do bonde que o levava um dia para a casa, que lhe mostrou seus poemas. Bentinho pegou no sono. O outro percebeu o gesto de indiferença, esquivou-se de mostrar-lhe os poemas, quando Bentinho despertando de rápida sonolência, lhe diz: “Continue, continue...” Mas não ânimo de voltar a lê-los. Ficou, desde então, a alcunha de “Casmurro”. Daí o título do livro, que Machado justifica por esse incidente. “Se até o fim deste livro não achar outro título, que fique esse mesmo” – diz ele.
            Umcasmurroem geral, não tem nenhuma tendência à homossexualidade.
            Não insisto mais nesse ponto, até porque não me repugna o tratamento desse problema, como do mesmo passo o considero absolutamente fora de propósito.
            Mas o que salta das páginas (ou da crítica) do jornalista referido, que mete o pau na obra de Machado (trata-se, volto a dizer, de um indiscutível clássico de nossa literatura), são outros fatos, como, por exemplo, a falta de consistência do personagem ou de sua flagrante pusilanimidade. Ora age de uma forma, ora de outra. No fundo, é um indivíduo sem caráter sólido, deixando-se levar pela mãe, por José Dias, por Capitu, tornando-se um joguete nas mãos desses três.
            Ainda que se admita que Bentinho seja uma personalidade conflituosa ou cheio de indecisões ou até mesmo portador de uma lama frágil, sem muita força de caráter, no sentido de não saber se determinar em momentos decisivos, isso absolutamente não o denigre ou compromete. Todas as criaturas são assim. O conflito nasce e morre com o homem. Todos temos conflitos, menores ou maiores. Bentinho era filho único, muito preso à mãe, a quem venerava mais que tudo. Mas não perde, por isso, sua grandeza humana ou de grande personagem, talvez um dos maiores de toda a literatura daqui d’além mar.
            Para tirar minhas dúvidas sobre a crítica do jornalista curitibano, fui relerDom Casmurro”.
            o tinha lido certa feita (ou relido) para fazer julgamento do adultério de Capitu. Cheguei ao cabo e ao fim sem poder tomar partido. Dei a edição em que fiz esse cuidadoso exame ao amigo com o qual discutira o direito do articulista de emitir sua infeliz opinião sobre a obra.
            Sobre o adultério a dúvida se instala no espírito do leitor mais atento. Numa passagem final da obra, quando Capitu e o filho Ezequiel se preparam para ir à missa, o menino vem de uma sala, dirigindo-se ao pai. Bentinho e Capitu espantados notam a semelhança com Escobar, que pareceu avultar nessa ocasião mais que em outra qualquer.
            Bentinho comenta: “Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura”.
            Esse, porém, não é o caso fulcral desta resenha, como sabe o leitor. E, sim, o de necessário reparo que se há de fazer às aleivosias de um crítico que se comprazeu em menoscabar uma obra que, sem favor, é um dos ápices de nossas letras. Talvez seja por isso que tenha tantos detratores que, sem a necessária bagagem ou instrumentos para tal, querem subir à montanha. Mas esta se encontra a uma distância incomensurável de seu despreparo. Ou incompetência.

            

Thursday, January 12, 2017

Q U I M E R A - Hamilton Alves




no auge da quimera
surge esse remorso
feito de enigmas

que outra ordem
se pretende que
não a da morte?

nada se explica
o tempo não se finda
o espaço se eterniza

há uma vaga idéia
que empolga a mente
resumida a sonhos

quantas vezes irei à janela
a contemplar a rua
mas sem te descobrir?

és essa vaga idéia
és esse remorso
és essa quimera

x x x

(poema de Hamilton Alves escrito em Junho de 2006 sob o pseudônimo de Max Hohl)


Wednesday, January 11, 2017

PORTUGAL - Hamilton Alves




Então é isso Portugal,
De Pessoa, Saramago
E Antero de Quental?

É isso Lisboa,
Que tanto se proclama
Como terra boa?

É esse o Chiado,
Que lembra a passagem
Do grande poeta Bocage?

Sem falar no fado
Que é outro dado
Do país afamado.

Faltaria citar o Eça,
Entre as grandezas
Do país, ora essa!

Gravíssimos senões
Haveria, de certo, se não
Se incluisse Camões.

Ó, querido Portugal,
De poetas e de sábios,
De Pedro Álvares Cabral.

x x x

(poema escrito em agosto de 2006 por Hamilton Alves).


Tuesday, January 10, 2017

OS GRANDES DIRETORES DE CINEMA (Organizado por Laurent Tirard, o livro, que ora circula nas livrarias, tem vinte nomes de cineastas para explicar como se faz cinema) *(por Hamilton Alves)


            Falou-se em cinema é comigo mesmo. Não tenho a paixão de um Darci Costa, que sabe tudo sobre a sétima arte, mas como outros críticos iguais afastou-se das salas ou dos vídeos caseiros porque entende que o cinema baixou de qualidade. Hoje, impera o lixo, com algumas raras exceções.
            Na verdade, não é só o cinema que passa por uma grande crise de qualidade, mas tudo em geral, a literatura, a música, a pintura, etc.
            Esse livro a que me refiro, “Os grandes diretores de cinema”, enfileira vinte nomes alguns dos quais não pontificam entre os mais badalados ou mais consagrados. Tem alguns expoentes. Bernardo Bertolucci, Martin Scorsese, Almodóvar, Win Wenders, Sydney Pollack, Lars Von Trier, Jean-Luc Godard e Woody Allen são os destaques entre os restantes.
            A contracapa traz uma frase (ou pensamento) de alguns desses diretores sobre direção. Mas a meu ver Jean-Luc Godard matou a cobra e mostrou o pau (epa!).
            Diz ele: “Você quer fazer cinema? Pegue uma câmera”.
            Quase empatou com a linha de pensamento de Glauber Rocha, ou seja, “uma máquina na mão e uma idéia na cabeça”, que Anselmo Duarte traduziu, ironicamente, para “uma máquina na mão e merda na cabeça”, referindo-se especificamente ao cinema feito por Glauber.
            Nenhuma das definições dos cineastas que esboçaram a linha de ação no cinema que fazem disse coisa mais acertada, numa síntese que explica tudo. Já não convence muito o que diz, por exemplo, Woody Allen (para ficarmos só no que vem dito na contracapa do livro): “Quando chego ao set, não sei de nada”. Isso, no mínimo, não passa de “boutade”. Um diretor, quando chega ao set, sabe de tudo ou pelo menos deve saber. Ou será verdadeiro que ele improvisa tudo? Já Scorcese explica: “Tudo se resume a uma pergunta: você tem algo a dizer?”.
            Bem, um diretor pode não ter nada a dizer e nem por isso deixar de fazer um bom filme. Um filme não depende de dizer alguma coisa. Os melhores filmes, nos últimos tempos, são os que não dizem nada, na linha de Godard ou Alain Resnais, que em vários momentos exercitaram essa função de não dizer nada dizendo tudo ou o necessário.
            Já Win Wenders me pareceu simplório ou não tão arguto, quando afirmou: “O dever do diretor é ter o desejo de contar”. Não vai ao fundo da questão.
            Outro que bateu com a bola na trave foi David Lynch, quando asseverou: “Um diretor deve pensar ao mesmo tempo com o cérebro e o coração”. Bobagem.
            Takeshi Kitano (para mim um ilustre desconhecido) repetiu quase essa mesma tolice: “Um filme é uma caixa de brinquedos”.
            Bernardo Bertolucci não teve reproduzido seu pensamento na contracapa, mas o texto que escreveu vale o livro.
            Uma vez estava num espaço aberto. Súbito, uma câmera projetou um grupo de pessoas numa tela. A câmera deu um largo passeio pelo local, até que me flagrou num papo animado. Comentei para um amigo: “Cinema é isso”. Coincidente com a opinião de Godard de que, para fazer cinema, basta uma câmera na mão, tirante a idéia de Glauber de ter uma idéia na cabeça. Nem precisa de idéia porque, em última análise, cinema é imagem. Se seguirmos o princípio do “ready-made” duchampiano, cinema não passa de projeção de imagens. História (ou idéia) para que? Os melhores filmes que vi não tinham história. Mário Peixoto, com “Limite”, seguiu esse modelo. “Limite” é cinema puro. Ou pura imagem.
            Há um negócio chamado roteiro.
Houve grandes roteiristas.
O roteirista de “De olhos bem fechados”, de Kubrick, brigou com este porque não seguiu o roteiro. Li o livro em que conta pormenorizadamente essa história.
Não chegou jamais a entender (ou pelo menos não o revelou nesse livro) que o roteiro e o cinema são duas linguagens, uma é literária, a outra não tem nada a ver com literatura. Quanto mais o cinema se afasta da literatura tanto mais se torna cinema. Kubrick fugiu ao roteiro. Ou não o seguiu. Evidentemente, tratando-se de duas linguagens, uma é independente em relação à outra. O roteirista não quis aceitar isso. Brigou com Kubrick. Houve estremecimentos recíprocos.
No caso de “Casablanca”, no fim, o roteiro teve que se dobrar à conveniência do desfecho. O dilema foi saber com quem ficaria Ilse (Ingrid Bergman): com Bogart ou Paul Henreid? O roteiro tem que ceder às conveniências do diretor. Ou nunca se fará um bom filme. O melhor é o filme que não tem roteiro nenhum, como penso seja o caso de Godard: só trabalha com a imagem e, vez que outra, segue algum encadeamento.
Os diretores são diferentes entre si, assim como, em outra arte qualquer, um artista é diferente de outro. Cada qual tem uma linguagem própria.
Seria o caso de mencionar Chaplin, Fellini, que faziam o roteiro de suas fitas, Orson Welles, com Cidadão Kane, que mudou os rumos do cinema (segundo opinam alguns críticos), John Ford (com “No tempo das diligências”, que Welles assistiu dez vezes para aprender técnica de cinema), Hitchcock e tantos outros.
Woody Allen acha que um diretor nasce feito. Direção não se aprende em escola. Pode ser esta uma idéia falsa. Fellini aprendeu direção com Rossellini. Nunca fez segredo disso.
Para os amantes da sétima arte “Os grandes Diretores de Cinema” é um prato cheio, embora seja falto de alguns renomados diretores, que bem poderiam constar da lista.
Não digo que seja uma leitura obrigatória para quem quer tomar umas aulas de direção, mas vale a pena percorrer-se as 250 páginas, na edição da “Nova Fronteira”.
Confesso que fui levado a adquirir o livro por causa de dois grandes cineastas, Godard e Bertolucci. Os outros não fazem tanto a minha cabeça.
Vi alguns bons filmes de ambos.
Considero “O último tango em Paris”, com Marlon Brando e Maria Schneider, um momento apoteótico do cinema. A cena de Brando dançando com Schneider num salão em que se realizava um concurso de que participavam dançarinos de tango, em que Brando exibe   as nádegas para os presentes, é uma das mais antológicas do cinema de todos os tempos. Vou provocar muxoxos entre alguns leitores. Que fazer?
Godard nos deu “Alphaville” e “O demônio das onze horas” (ou Pierrot, le Fou), duas obras primas.
Quem tiver ambição de ser diretor, está aí um livro que pode ser o primeiro passo para seguir-se tal carreira.


             

Monday, January 9, 2017

ÔNIBUS – Hamilton Alves







O ônibus, fantasma de lata,
atravessa, furando a noite,
a Rodovia Haroldo Soares Glavan,
em Cacupé;

Ah, o sortilégio do ônibus!,
quem vem dentro?
quem vai saltar?

As luzes acesas em seu interior;
quem vai abraçado com quem?
e o motorista, pobre coitado,
a essa hora ainda

A exercer seu duro ofício
de condutor de fantasias,
pois o ônibus é um distribuidor
delas, por mais

Que não se creia;
ah, lá vem ele de novo,
feito um ser macabro,

Por dentro do feitiço
da noite, na travessia
da Rodovia Haroldo Soares Glavan.


XXX



(poema de Hamilton Alves escrito em agosto de 2002 sob o pseudônimo de Max Hops).

Sunday, January 8, 2017

O POEMA – Hamilton Alves






O poema? Onde está?
Tenho-o às mãos e
ao mesmo tempo não
o tenho; foge-me

Sem que possa dominá-lo;
é um animal difícil
de ser domesticado;

Está aqui, ali,
acolá, em toda parte -
isto eu o sei bem;

Mas como fazer
para obtê-lo
e, melhor, expressá-lo?

Como o vento, sem
que se possa retê-lo,
eis que vai por toda

Parte, livre como
um pássaro; por onde
segue clama tal liberdade;

Mas ainda conto
que possa domá-lo
e exprimi-lo em toda
sua plena grandeza.

XXX


(poema de Hamilton Alves escrito em agosto de 2002 sob o pseudônimo de Max Hops).



Saturday, January 7, 2017

O NADA E A MOSCA - Hamilton Alves

                                              



No diminuto reduto
o Nada ergueu sua voz:
"Sou o nada,
sou o nada";

Deparando com outros
objetos, de cada um
deles parecia ouvir
a mesma lenga-lenga:
"Sou o nada,
sou o nada";

Resolvi olhar lá fora
a paisagem e a chuva
que caía e o estribilho
reproduzia-se:
"Sou o nada,
sou o nada;

Até que, por último,
uma mosca perdida
invadiu o recinto,
proferindo as palavras:
"eu existo".

Foi então que
sem outra saída
o Nada bateu
em retirada.



XXX



(poema de Hamilton Alves escrito em agosto de 2002 sob o pseudônimo de Max Hops).