Tenho
de longa data uma pinimba com Dalton
Trevisan. Não conheço sua obra toda, mas poucas (três ou quatro), não me animei
a ir ao resto, se é que o fato de ter lido essas seria suficiente indicação do
que eram as demais.
Conheço leitores que são entusiastas
de Dalton. Na verdade, o que escreve não é só pornografia. Ou erotismo do mais
deslavado.
Um desses leitores me recomendou um
livro dele, “O cemitério de elefantes”,
onde tem um conto que é muito referido pela crítica, “Uma vela para Dario”, que foi eleito como uma obra prima do gênero.
Dario é um personagem que cai morto
na rua e, em vez de solidariedade de seus semelhantes, o que lhe vem a ocorrer
é o despojamento de todos os seus pertences. Só um lembrou-se, quando exalava o
último suspiro, de pôr-lhe uma vela junto ao corpo. Daí o título do conto.
O
mesmo amigo, assíduo e apaixonado admirador da obra de Trevisan, há pouco, me
sugeriu a aquisição de outro de seus livros, que considerou muito bom: “O grande deflorador”, (LP&M, 98
págs.), com vinte e uma histórias. Não há que duvidar: o título fala pelo
conteúdo. São contos na linha habitual ou conhecida do escritor, de um picante
sabor erótico.
O lançamento mais recente “Rita Ritinha Ritona” abre-se com um
conto de treze páginas, sob o título “Maria,
sua criada”. De que se trata? Uma adolescente, de treze anos, que vem do
nordeste (área conflagrada, como sabido, pela miséria) à procura de emprego.
Encontra-o numa casa em que o marido, por deveres profissionais, passa mais
tempo fora do lar, e a mulher o trai sem cerimonia. A história da moça
nordestina (semelhante à desdita de Dorotéa, em “A hora da estrela” de Clarice Lispector), segue até o fim
conhecendo ou vivendo as mais escabrosas experiências pelas quais possa passar
uma criatura, até que ela própria se vê envolvida em atos concupiscentes que
jamais sonhara. Mas à parte o tema erótico (o livro é recheado de ponta a ponta
por tais episódios), o conto torna-se fastidioso até porque a narrativa é de
caráter tão grotesco que se sai dela meio entorpecido. E o que é pior: a
linguagem é pobre, o conto mal estruturado, - e o leitor fica se perguntando a
que se deve todo o prestígio que desfruta Trevisan como contista.
Há três outros contos (um dos quais
beira simplesmente a obscenidade, “O
mestre e a aluna”) que não mudam o tom, na mesma linha de baixezas morais
ou sexuais, como se isso fosse do agrado geral do público ledor. Se há quem
necessite de excitações, o livro de Trevisan é uma boa receita.
Não é apenas isso, no entanto, que
há de se ressaltar nesse livro “Rita
Ritinha Ritona”, mas também a qualidade literária, que, em poucos contos,
alcança um bom nível, não obstante a apelação que os caracteriza.
Devemos admitir literariamente o
erotismo? Por que não? Mas há erotismo e erotismo. O conto de Machado de Assis
“Missa do galo” é um conto erótico,
sutilmente erótico, sem parecer erótico. O jovem que vai passar a noite de
natal na casa de Conceição e seu marido e que, por ela, a certa altura, é
advertido de que o amigo que prometera vir ao encontro dele o chama à rua para
assistirem à missa do galo, vive momentos de relacionamento que bem revelam o
desejo que um sente pelo outro (ou a atração física ou libidinosa), sem,
contudo, deixar transparecê-lo. O fato é mais acentuado porque Conceição sabe
que o marido a trai. E o moço é uma oportunidade excelente para que se vingue
da infidelidade do esposo.
Nos contos de Trevisan, porém, o
adultério, a lascívia, a concupiscência são reveladas sem qualquer pudor. Não
chegam, nem de longe, à extrema e rara habilidade machadiana para insinuar o
que se passa, não nos atos, mas na mente de seus personagens, que mal são
esboçados nos gestos ou na fala.
Mas nem sempre o erótico tem sido a
marca dos contos de Trevisan, embora lhes seja o traço peculiar.
Numa antologia de contos de Natal,
editada pela “Relume Dumará”, 1996,
Trevisan tem um conto com o título “Onde
estão os natais de antanho”, que considero não apenas uma obra prima no
gênero, mas o incluo entre os melhores que já li. É, na verdade, um instante
excepcional na sua carreira de contista. Não conheço outro de sua autoria que o
supere.
Há outro, “A testemunha”, de igual nível, mas ainda fico com o primeiro como
podendo ser referido como esse momento único que todo o escritor tem em sua
trajetória. Trevisan não dá entrevista.
Houve uma tentativa apócrifa, por ele devidamente repudiada, de obter-lhe
respostas a algumas perguntas que muitos de seus leitores gostariam de
formular-lhe. Mas se esconde de jornalistas. Ou de entrevistadores. A
justificativa é de que tudo que tem a dizer está contido na sua obra.
Mas se o conhecesse ou privasse com
ele, gostaria que me revelasse porque sua preferência manifesta pelo erotismo
de bas-fond.
Isso
deve ter uma explicação, pelo menos a nível psicanalítico.
“Rita
Ritinha Ritona” – para voltar mais uma vez a esse último lançamento – é de
uma escabrosidade que não conhece barreiras. O conto já referido “O mestre e a aluna” é uma série
infindável de situações das mais degradantes concebíveis, em que todas as
experiências da libido são descritas com a mais intensa e fria crueza. Trata-se
de um professor que pretende analisar o trabalho de uma aluna sobre a
personagem machadiana Capitu. É conhecida a posição de Trevisan quanto ao caso
Bentinho, Capitu, Escobar, de acordo com a qual Capitu traiu inapelavelmente o
marido com Escobar. A maior prova disso, segundo a teoria de Trevisan e a de
quem lhe segue a opinião, é que Ezequiel, suposto filho do casal, é a cara de
Escobar.
Em vez de sabatinada sobre o tema, a
jovem e esbelta aluna é levada às mais diabólicas práticas sexuais com o
mestre.
O livro não choca apenas por isso (o
que não seria de menos) mas é que, no conjunto, deixa muito a desejar e segue
por uma mesmice e lugares comuns que enchem de tédio o mais tolerante leitor.
Cito, como modelo, um conto de duas páginas, sob o título “Em família”. Não há nada mais desinteressante, de baixo nível, de
má estrutura literária do que esse conto.
Não
vou perder tempo em resumi-lo.
Não duvido que Trevisan seja um bom
escritor (tem coisas ótimas em sua já volumosa obra) mas “Rita Ritinha Ritona” é revelador, antes de tudo, de que, no mínimo,
ele precisa se recauchutar para nova empreitada literária.