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Monday, May 20, 2013

A ESFINGE - Hamilton Alves


 

            Quando adolescente, nunca fui dado a abordar moças. Cheguei à puberdade sem dominar a arte de envolvimento do sexo feminino. Tive tentativas malogradas. Sofri desde cedo o problema da rejeição das meninas pelas quais tomava-me de paixão. O primeiro amor, por exemplo, foi um fracasso e alguns outros também. Não era dotado de beleza física. Esta qualidade prepondera para a escolha de parceiros ou namorados que as moças fazem. Mas também houve casos, poucos, em que a rejeição partiu de mim. Algumas delas eram até moças bonitas.
            Nas lembranças de minhas aventuras e desventuras amorosas há um episódio que me marcou por toda a vida. Não era sócio de clubes e, por isso, só de quando em quando, com a ajuda de outros amigos, conseguia frequentá-los. Foi assim numa noite de uma “soirée” num clube local, levado por um velho amigo, que conversou o porteiro e ambos conseguimos ingresso.
            Meu amigo era mais voltado ao bar, onde rapidamente se embebedava com a ingestão de cuba-libres, do que propriamente a dançar. Eu também não era ainda perito em dança. Estava dando meus primeiros passos muito a medo. Encostado à parede, ficava observando os pares saindo ao salão. Meu medo era invencível de não saber dançar, de não encontrar uma parceira com paciência de me ensinar os passos.
            Quando todos haviam saído para o espaço de dança, quando só uma moçoila sobrava a uma mesa, triste, como se sofresse o problema de não ter recebido um convite para dançar, disse de mim para mim:
- Eis aí uma oportunidade que não devo perder.
Tratava-se de uma menina feinha, baixinha, magrela, metida num vestidinho azul. Morena, de cabelos encaracolados. Havia a dificuldade de sua mesa se localizar do outro lado do salão. Teria que atravessá-lo de lado a lado, à vista de todos, para propor-lhe a dança. E isso equivaleria, para mim, uma espécie de travessia do “Rubicão”.
Mas enchi-me de ânimo e dei a partida. Naquele momento em que me encorajava a essa suprema aventura, me sentia o alvo de todos. Já meio caminho, senti um calafrio dominar-me dos pés à cabeça.
- Agora não há como voltar.
Segui impávido, desse no que desse.
Quando me aproximava das cercanias onde a moça estava instalada, olhou-me com um olhar frio, como se dissesse consigo mesma:
- Lá vem um chato.
Percebi seu olhar gélido e tive ímpetos de mudar de direção, simulando que ia a outro qualquer lugar e não a sua mesa.
Mas alguma coisa, mais forte do que eu fez-me prosseguir e avançar. Não estava só; havia mais outra moçoila à mesa, mais magra e mais feia do que ela.
Quando parti para tirá-la, considerei a circunstância de que só ela não merecera de ninguém o convite para dançar. Deduzi que, por isso mesmo, meu empreendimento estaria a salvo de qualquer fracasso. Se ninguém saíra para dançar com ela era sinal evidente de que não era tão requisitada, que era, na minha visão, um refugo. E, como tal, era bem o que para um dançarino neófito servia.
Já diante dela, arrostando a sua fisionomia onde se desenhava uma expressão pouco simpática e acolhedora, disse:
- Vamos dançar?
A princípio, ela me olhou bem nos olhos como se me analisasse a alma, como se primeiro julgasse se eu a merecia. A seguir, notei que ela olhou para a companheira de mesa e deu um risinho mofento.
Enquanto isso acontecia, eu ficara feito uma esfinge silenciosa diante dela.
Fez uma cara de poucos amigos, franziu a boca num muxoxo e proferiu a sentença acachapante:
- Não, não posso.
Fiquei paralisado, sem saber que rumo tomar, se voltava sobre meus próprios pés, se permanecia feito idiota diante dela ou se seguia outro qualquer caminho. Fiquei assim indeciso por alguns momentos. Atrás de mim, ouvi espoucarem risos.
Como não havia outro jeito e desde que senti que já podia despregar os pés do chão, com força suficiente para me mover, enfiei em direção à porta de saída do clube, desci três ou quatro lances de escada com a celeridade de um raio e, quando me vi lá fora, por fim livre do vexame, tomei fôlego e saí feito louco pelas ruas. 

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