Ontem,
quando o encontrei meio por acaso, atravessando a mesma rua, saindo de uma
livraria (logo de onde, dado seu propósito, que me revelou em seguida), seguimos
juntos até um bom trecho, trocamos algumas palavras, e, ao fim desse encontro
inesperado, confessou-me de bate pronto:
-
Abandonei a literatura.
Havia lhe formulado a
pergunta sobre o que produzira ultimamente.
Não
produzira nada. Acabara se convencendo, embora com uma até admirável obra, sua
disposição irrevogável de não escrever mais nada. Quis uma explicação para tão
surpreendente decisão.
-
Aborreci dos livros, acho tudo isso uma perda de tempo. Até porque...
Passou
próximo de nós um conhecido (ou parente), que lhe tocou no braço. O tal sujeito
segredara-lhe algo ao ouvido, para o que revelou certo espanto. Seguiu caminho
e nos deixou às voltas com a revelação que me acabara de fazer: “abandonar, por
fim, esse maldito ofício das letras” – como se expressou.
-
Mas só agora é que você entende de abandonar o belo ofício?
-
Belo? Não há nada de belo nas letras. O que há, sim, é tortura e decepção.
Dizia-me
que se fosse somar o tempo que despendeu em escrever livros não saberia quantas
horas, dias, meses, anos perdera pacientemente em compor seus contos, suas novelas,
poemas, etc. Decepção porque nunca fora valorizada sua obra. Seus livros sempre
encalharam nas estantes das livrarias. Em casa, continua com numerosos
exemplares de velhas edições. É tanto livro que a mulher vive lhe apoquentando
o juízo.
-
Isso (creio eu) passou a ser uma psicose. É livro por todos os lados. Entro em
casa tropeçando em livros, o que só junta barata e traça.
Tentei
de alguma maneira convencê-lo de que sua obra, embora fosse razoável que dissesse
que ainda não colhera grandes triunfos, era muito considerada. Era citado como
um dos melhores dentre os demais. Citei exemplos de escritores renomados que
nunca receberam um prêmio, nunca tiveram o trabalho reconhecido, mas que hoje
eram lembrados com seus contos publicados em revistas, jornais, até mesmo em
antologias.
-
Não me iludo mais. – disse-me como se quisesse por sobre o assunto uma pá de cal.
Abraçamo-nos
e nos despedimos, não antes que lhe recomendasse que revisse sua posição. As letras
muito perderiam com sua decisão.
Segui
meu caminho refletindo sobre a confissão súbita do amigo escritor. Teria razão para
abandonar, depois de tantos anos, a literatura?
Também
eu não tivera crises semelhantes de mandar tudo às favas? Não escrever nem mais
um bilhete. Por fim a essa carreira mal sucedida de escrevinhador. “Estou
cansado de ser datilógrafo” – disse outro desiludido, Otto Lara Resende.
Bem
pensando, o velho escritor tinha lá seus bons motivos de abominar tudo isso.
Lembrei-me
de Tonio Kroger, personagem de Thomas Mann, que fora também assolado pela mesma
idéia de viver uma vida medíocre, afastado da ambição de tornar-se merecedor
dos aplausos do mundo. Ou “viver despercebido como uma sombra parda”, como
assinalou, ao fim, como sendo seu maior anseio.
(julho/08)
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