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Monday, May 27, 2013

DESENHO DE UMA CADEIRA – Hamilton Alves

 

            Num dos contos de Rubem Fonseca, em seu livro “Pequenas Criaturas”, dois personagens se encontram num local chiaroscuro, como ele anota, uma cor meio palescente (como ele diz também), e ali, fugidos de uma festa chata de fim de ano, começam a conversar, ele atraído pela sedução do escuro, alegando que a treva permite a plena lucidez.
            Ela revela-se desenhista industrial. E, por isso, ele lhe pergunta:
- Você já desenhou uma cadeira?
Ela diz que cadeira ainda não, mas já desenhou profissionalmente um relógio, torradeira de pão, calendário eletrônico, coisas mais fáceis.
A pergunta, se o leitor é um pouco sensível às artes gráficas, leva a um aprofundamento da questão estética.
É possível que se julgue que o desenho de uma cadeira seja uma coisa banal, que qualquer um pode fazer. E, no entanto, não é bem assim; há certa sutileza; em todas as coisas deste mundo há sutileza; nós é que temos a mania de simplificar muito as coisas.
Eu não seria capaz de desenhar uma cadeira. Desenhar uma cadeira pode ser uma coisa reles. Uma cadeira qualquer todo mundo desenha, até o mais imbecil dos homens. Mas não se trata apenas de simplesmente desenhar uma cadeira. A cadeira objeto da pergunta envolve certamente uma cadeira original. Porque para desenhar uma cadeira não precisaria existir uma pessoa que tivesse passado anos numa faculdade para se formar na área de desenho industrial. A cadeira em questão ou implícita na pergunta “Você já desenhou uma cadeira?” é algo absolutamente revolucionário, uma cadeira que nunca existiu semelhante, inteiramente nova aos olhos humanos.
Tanto é que à pergunta o personagem de Fonseca responde, como vimos:
- Uma cadeira nunca desenhei.
E passa , a seguir, a nomear coisas mais fáceis.
Não tenho particularmente tendência à tal profissão. Há que ter vocação. Ter jeito para desenhar. Nunca tive esse dom. Lembro-me que deixei de fazer o exame de segunda época, certa ocasião, no curso ginasial, porque além de duas outras matérias tinha rodado em desenho. O professor de desenho botou um vaso em cima de uma coluna (era um cubo) para que os alunos o desenhassem de seu ângulo de visão, incluindo a luz do sol, com a projeção da sombra.
Depois de concluído meu desenho, que levei um tempão para executar, detestei-o e achava que não seria merecedor de uma boa nota. Desenho não devia constar obrigatoriamente de currículo escolar. Nasce-se com certos pendores. Desenhar está entre tais inclinações. Ou se adquire de berço ou não se adquire nunca.
A personagem era formada em desenho industrial e nunca tinha desenhado uma cadeira.

Na verdade, não é nada fácil desenhar uma cadeira.   

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