Falou-se em cinema é comigo mesmo.
Não tenho a paixão de um Darci Costa, que sabe tudo sobre a sétima arte, mas
como outros críticos iguais afastou-se das salas ou dos vídeos caseiros porque
entende que o cinema baixou de qualidade. Hoje, impera o lixo, com algumas
raras exceções.
Na verdade, não é só o cinema que
passa por uma grande crise de qualidade, mas tudo em geral, a literatura, a
música, a pintura, etc.
Esse livro a que me refiro, “Os
grandes diretores de cinema”, enfileira vinte nomes alguns dos quais não
pontificam entre os mais badalados ou mais consagrados. Tem alguns expoentes. Bernardo Bertolucci,
Martin Scorsese, Almodóvar, Win Wenders, Sydney Pollack, Lars Von Trier,
Jean-Luc Godard e Woody Allen são os destaques entre os restantes.
A
contracapa traz uma frase (ou pensamento) de alguns desses diretores sobre direção.
Mas a meu ver Jean-Luc Godard matou a cobra e mostrou o pau (epa!).
Diz ele: “Você quer fazer cinema?
Pegue uma câmera”.
Quase empatou com a linha de
pensamento de Glauber Rocha, ou seja, “uma máquina na mão e uma idéia na
cabeça”, que Anselmo Duarte traduziu, ironicamente, para “uma máquina na mão e
merda na cabeça”, referindo-se especificamente ao cinema feito por Glauber.
Nenhuma das definições dos cineastas
que esboçaram a linha de ação no cinema que fazem disse coisa mais acertada, numa
síntese que explica tudo. Já não convence muito o que diz, por exemplo, Woody
Allen (para ficarmos só no que vem dito na contracapa do livro): “Quando chego
ao set, não sei de nada”. Isso, no mínimo, não passa de “boutade”. Um diretor,
quando chega ao set, sabe de tudo ou pelo menos deve saber. Ou será verdadeiro que
ele improvisa tudo? Já Scorcese explica: “Tudo se resume a uma pergunta: você
tem algo a dizer?”.
Bem, um diretor pode não ter nada a
dizer e nem por isso deixar de fazer um bom filme. Um filme não depende de
dizer alguma coisa. Os melhores filmes, nos últimos tempos, são os que não
dizem nada, na linha de Godard ou Alain Resnais, que em vários momentos
exercitaram essa função de não dizer nada dizendo tudo ou o necessário.
Já Win Wenders me pareceu simplório
ou não tão arguto, quando afirmou: “O dever do diretor é ter o desejo de
contar”. Não vai ao fundo da questão.
Outro que bateu com a bola na trave
foi David Lynch, quando asseverou: “Um diretor deve pensar ao mesmo tempo com o
cérebro e o coração”. Bobagem.
Takeshi Kitano (para mim um ilustre
desconhecido) repetiu quase essa mesma tolice: “Um filme é uma caixa de
brinquedos”.
Bernardo Bertolucci não teve
reproduzido seu pensamento na contracapa, mas o texto que escreveu vale o
livro.
Uma vez estava num espaço aberto.
Súbito, uma câmera projetou um grupo de pessoas numa tela. A câmera deu um
largo passeio pelo local, até que me flagrou num papo animado. Comentei para um
amigo: “Cinema é isso”. Coincidente com a opinião de Godard de que, para fazer
cinema, basta uma câmera na mão, tirante a idéia de Glauber de ter uma idéia na
cabeça. Nem precisa de idéia porque, em última análise, cinema é imagem. Se
seguirmos o princípio do “ready-made” duchampiano, cinema não passa de projeção
de imagens. História (ou idéia) para que? Os melhores filmes que vi não tinham
história. Mário Peixoto, com “Limite”, seguiu esse modelo. “Limite” é cinema
puro. Ou pura imagem.
Há um negócio chamado roteiro.
Houve grandes roteiristas.
O roteirista de “De olhos bem fechados”, de Kubrick, brigou com este porque
não seguiu o roteiro. Li o livro em que conta pormenorizadamente essa história.
Não chegou jamais a entender (ou pelo menos não o revelou nesse livro)
que o roteiro e o cinema são duas linguagens, uma é literária, a outra não tem
nada a ver com literatura. Quanto mais o cinema se afasta da literatura tanto
mais se torna cinema. Kubrick fugiu ao roteiro. Ou não o seguiu. Evidentemente,
tratando-se de duas linguagens, uma é independente em relação à outra. O roteirista
não quis aceitar isso. Brigou com Kubrick. Houve estremecimentos recíprocos.
No caso de “Casablanca”, no fim, o roteiro teve que se dobrar à
conveniência do desfecho. O dilema foi saber com quem ficaria Ilse (Ingrid
Bergman): com Bogart ou Paul Henreid? O roteiro tem que ceder às conveniências
do diretor. Ou nunca se fará um bom filme. O melhor é o filme que não tem
roteiro nenhum, como penso seja o caso de Godard: só trabalha com a imagem e,
vez que outra, segue algum encadeamento.
Os diretores são diferentes entre si, assim como, em outra arte qualquer,
um artista é diferente de outro. Cada qual tem uma linguagem própria.
Seria o caso de mencionar Chaplin, Fellini, que faziam
o roteiro de suas fitas, Orson Welles, com Cidadão Kane, que mudou os rumos do
cinema (segundo opinam alguns críticos), John Ford (com “No tempo das
diligências”, que Welles assistiu dez vezes para aprender técnica de cinema), Hitchcock
e tantos outros.
Woody Allen acha que um diretor nasce feito. Direção não se aprende em escola. Pode ser esta
uma idéia falsa. Fellini aprendeu direção com Rossellini. Nunca fez segredo
disso.
Para os amantes da sétima arte “Os grandes Diretores de Cinema” é um
prato cheio, embora seja falto de alguns renomados diretores, que bem poderiam
constar da lista.
Não digo que seja uma leitura obrigatória para quem quer tomar umas aulas
de direção, mas vale a pena percorrer-se as 250 páginas, na edição da “Nova
Fronteira”.
Confesso que fui levado a adquirir o livro por causa de dois grandes
cineastas, Godard e Bertolucci. Os outros não fazem tanto a minha cabeça.
Vi alguns bons filmes de ambos.
Considero “O último tango em Paris”, com Marlon Brando e Maria Schneider,
um momento apoteótico do cinema. A cena de Brando dançando com Schneider num
salão em que se realizava um concurso de que participavam dançarinos de tango, em que Brando exibe as nádegas para os presentes, é uma das mais
antológicas do cinema de todos os tempos. Vou provocar muxoxos entre alguns
leitores. Que fazer?
Godard nos deu “Alphaville” e “O demônio das onze horas” (ou Pierrot, le
Fou), duas obras primas.
Quem tiver ambição de ser diretor, está aí um livro que pode ser o
primeiro passo para seguir-se tal carreira.
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