A história d’O Pasquim, tal como na realidade se deu, isto é, como
começou, quem teve a primeira idéia de lançá-lo, quais foram as dificuldades
iniciais ou quem chegou antes ou depois, quem já estava lá badalando o sino
convocando a moçada que veio a integrar o jornal e formar o grupo que se
tornou, em pouco tempo, o mais famoso jamais reunido neste país, com tanta
gente competente em sua área, entre cartunistas, humoristas e jornalistas, teve
algumas versões já. Jaguar, ex-bancário (do Banco do Brasil), conforme já contou,
foi um dos primeiros que partiram para o ataque. Depois veio, cada um de sua
vez, os outros. A verdade é que essa geração de talentos dificilmente se formará
na imprensa brasileira. Onde buscar, hoje ou em outro tempo ou lugar, gente do
nível do Jaguar, Ziraldo, Millôr, Paulo Francis, Ivan Lessa, Tarso de Castro,
Sérgio Cabral, Luiz Carlos Maciel, Fortuna, Claudius e tantos outros
colaboradores (mesmo os que só esporadicamente assinavam uma matéria).
Difícil, muito difícil.
É como diz o ditado: Deus os criou e o Diabo os juntou.
O fato é que “O Pasquim” foi o maior fenômeno jornalístico já ocorrido
neste país. Nada se lhe assemelha. A não ser, chegando bem perto, “Comício”, de
Rubem Braga e Joel Silveira (que possuía igualmente uma patota respeitável).
E para que isso ocorresse, num momento histórico, em que se instalava a
caretice neste país, foi preciso que eclodisse o movimento golpista de 64, que,
como se sabe, durou duas décadas. As liberdades foram então suprimidas. Baixou
o obscurantismo mais terrível por toda parte. A cultura (notadamente esta) se
viu oprimida. A liberdade de expressão (por isso mesmo) foi pro brejo.
E a reação veio naturalmente.
“O Pasquim” nasceu sob o signo da baixaria.
E para combater a baixaria só a ironia fina. Ou o deboche inteligente,
bem dosado, feito com arte.
Passou a ser o jornal (representativo da imprensa alternativa) mais
vendido, com tiragens que até mesmo os fundadores se babavam.
Estava, de repente, descoberto o caminho para as Índias (ou o mapa da
mina fora revelado à imprensa menor, dita também nanica).
Pela primeira vez um jornaleco de nada (o que corresponde à palavra
“pasquim” nos dicionários) perturbava a ordem instalada.
Era preciso conter a rapaziada.
Não foi à toa que, em determinado momento, o jornal não só passou a ser
censurado como, por igual, os que assinavam artigos ou faziam críticas ao
regime por via de cartuns foram presos. Não ficou ninguém na redação. Mas um
outro grupo solidário veio substituir os titulares, garantindo, assim, a
sobrevivência e a continuidade do jornal. Foi o caso de Vinícius de Moraes,
Chico Buarque, Chico Anísio, Antonio Callado e outros.
Há pouco, foi publicada numa outra revista uma entrevista com o grupo
(Millôr, Jaguar, Ziraldo, Sérgio Cabral e outros) para falar sobre os grandes
dias d’O Pasquim. A história é fragmentada. Mas muita coisa veio à baila. Ou à
luz sobre os primeiros tempos.
Jaguar conta que a administração do “Pasquim” era péssima. Toda a
arrecadação era bebida ou consumida. Até que alguém quis por a casa em ordem. Mas recorrer a
que método se não havia método entre esses menestréis? O jornal, no fim de seu último
período, ficou com uma dívida tamanho família. Como pagá-la? Ou como pagar os
colaboradores, que queriam ver “correr sangue”. Ninguém trabalha de graça, até
porque o jornal estava vendendo bem.
No ultimo round, as dívidas e a desorganização do grupo foram
incontroláveis e, por isso e por outras coisas mais, o jornal faliu.
Ficou a história, única no jornalismo.
Cada um foi cantar noutra freguesia. Ou escrever em outros jornais, mas
levando a fama que tinham adquirido através d’O Pasquim. Bem verdade que alguns
já traziam prestígio de sua larga passagem por outros órgãos de imprensa. Como
foi (e é) o caso de Millôr, que vinha de sua gloriosa passagem por uma seção na
revista “O Cruzeiro”, onde, segundo ele mesmo conta, trabalhou vinte anos com o
“Pif-Paf”, que era então o riso nacional. O colaborador arregimentado ao acaso
típico foi Sérgio Cabral. Encontrou-se não sei com quem que fazia parte da
redação e perguntou se podia assinar uns artigos. Foi logo admitido. Com a
pressão da “redentora” teve que se esconder. Revelou que seu melhor esconderijo
foi na praia de Copacabana, utilizando-se de um chapéu de palha de abas largas.
Quem o reconheceria? Os outros não sei a que recorreram para escapar ao assédio
da polícia da ditadura.
Acabaram todos em cana, como dito. Mas foi por pouco tempo. À época, não
vingava o hábeas corpus. A ordem jurídica fora igualmente suspensa.
Para relembrar esses dias gloriosos e não tão gloriosos assim, Sérgio
Augusto e Jaguar lançaram uma antologia (1° volume) de um período (69 a 71), que, ainda que
talvez não representativo do melhor, dá uma idéia da operatividade desse time
que encantou o público por longo período, constituindo-se praticamente na única
voz discordante do estado de coisas que então vingava.
Não era uma oposição séria.
Nada era sério n’O Pasquim.
Imperava a gozação mais refinada.
Praticado por profissionais de primeira, cujo “pedigree” era de alto
coturno, fez balançar o coreto. A ponto de haver o que houve, ou seja, a
censura e a repressão mais ferozes.
Há bons momentos na antologia, com matérias de Millôr, Jaguar, Paulo
Francis, Fortuna, Ziraldo, Claudius (que esbanjavam talento não apenas
escrevendo mas com seus desenhos e charges), com as colaborações que fizeram a fama do jornal.
Por alguns caraminguás, pode-se adquirir um exemplar e se passar alguns
momentos de bom humor e talento em companhia desse grupo, que não apenas fez o
melhor jornalismo brasileiro de todas as épocas, mas fez principalmente
história.
Com o fechamento do jornal (não podia evidentemente durar sempre até
porque a causa que o justificou, o golpe de 64, tinha também chegado ao fim), a
turma que o escreveu ou produziu se espalhou, voltando cada qual ao seu ninho.
Com a só diferença de Ivan Lessa, que resolveu não agüentar os novos tempos e
foi se esconder em Londres, onde está até hoje e de onde mandou há pouco um
livro de crônicas de seu dia a dia como colaborador da BBC, “O luar e a
rainha”.
Paulo Francis não só mudou de jornal como de linha política. De esquerda
passou à direita, a ponto de Jaguar, certa vez, ter feito o seguinte
comentário:
- O Paulo Francis que anda por aí é um impostor.
De lá para cá o que é que apareceu de interessante na imprensa
tupiniquim?
Nada parecido, nem de longe, com “O Pasquim”.
XXX
Abril/06.-
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