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Thursday, February 9, 2017

UMA GRANDE NOVELA – Hamilton Alves






            Tenho o hábito de dizer que, para se escrever uma novela ou qualquer coisa, mesmo uma história curta, é preciso ter, de início, uma boa frase, que tenha balanço, que marque o início do que virá depois.
            Uma das maiores novelas já escritas em todos os tempos tem a seguinte frase de abertura:
            "O perfume capitoso das rosas impregnava o estúdio; e quando a leve aragem do estio começou a sussurrar por entre as árvores do jardim, o aroma forte dos lilases entrou pela porta aberta, de mistura com o olor mais suave das flores róseas do pinheiro".
Duvido que se descubra o autor destas palavras. A não ser que se trate de um ledor tão competente ou que conheça tão profundamente literatura ou ainda tenha uma paixão especial por esse autor ou por essa novela, fatalmente não terá dificuldade em identificá-lo. Eu próprio, que a elejo como uma das minhas novelas preferidas, não bateria com a autoria dessa frase de abertura, se isso algum dia me fosse questionado.
Sempre mantive a opinião que uma novela, um romance, um conto, até mesmo uma crônica, ou ainda um poema, tem que ter uma abertura que revele seu conteúdo. Ou a sua grandeza. Antes de ter uma frase boa, um escritor não deve se abalançar à tarefa de compor uma obra. Deve, por isso, esperar o momento de ter essa frase inicial, por onde se enredará por páginas a fio.
A frase citada é de Oscar Wilde. É o começo de uma extraordinária novela, que é responsável pela grande notoriedade de Wilde no cenário das letras mundiais. O tema é um achado, que poucos escritores teriam chegado. Ou teriam descoberto. O retrato de um artista, que reflete uma pessoa viva, e, ambos, retrato e retratado, assumem papéis inversos na vida, no sentido de que, enquanto um envelhece, o outro mantém perene juventude. O tema, Wilde, segundo vem informado no prefácio, colheu-o no atelier de um pintor, quando esta questão foi aflorada.
Mas voltemos à questão de fundo desta crônica. A frase de abertura de "O Retrato de Dorian Gray" leva a supor a grande obra que se seguirá? Adivinhar-se-ia que Wilde, com ela, iniciaria sua obra prima? Não, de modo algum; trata-se de uma frase medíocre e até certo ponto vazada num estilo rococó.
Qualquer escritor menor poderia compô-la. É possível que alguém que tenha batido com sua feiúra supôs que o restante seria impregnado de uma banalidade mortal e certamente parou aí, não se atrevendo a ir adiante.
Bem verdade que, na frase seguinte, o leitor é já levado a outro patamar psicológico e, desde então, não largará mais até a página derradeira esta inexcedível história, tão bem trabalhada pelo gênio de Wilde.
Curioso que, como sou um leitor atípico, no sentido de que não me situo entre os devoradores de livros, que caracterizam seu feitio por lerem tudo o que lhes cai às mãos até o fim, só muito mais tarde de ter adquirido esse livro (quando amigos meus lhe fizeram os mais rasgados elogios e até ensaios críticos o assinalavam como obra extraordinária) é que resolvi penetrar nas duzentas páginas do meu exemplar.
Claro, nem é preciso dizer, foi um dos maiores deslumbramentos de leitor que já tive.
Mas a frase "overture" ( e este é o tema da crônica) não é de modo algum daquelas que façam, desde logo, presumir que ter-se-á pela frente uma obra fadada à imortalidade.
Segue vitoriosa a noção de que todo o grande livro deverá ter necessariamente uma boa frase inicial para ganhar a celebridade.
"O retrato de Dorian Gray" desmente essa tese.


Novembro/02.

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