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Wednesday, February 8, 2017

UMA ANTOLOGIA DE POESIA SOSSOBRA INAPELAVELMENTE (de “Veneno antimonotonia – os melhores poemas e canções contra o tédio”, organizado por Eucanãa Ferraz, o efeito é supinamente pífio).- (por Hamilton Alves)*




            Eucanãa Ferraz organizou uma antologia com nomes festejadíssimos na poesia e em letras de música popular, enfileirando-se Ferreira Gullar, Chico, Caetano, João Cabral, Cazuza, Manuel Bandeira, Aldir Blanc, Mário Quintana, Gilberto Gil, Murilo Mendes, Noel Rosa, Vinícius de Moraes, Waly Salomão, Oswald de Andrade, Francisco Alvim, Adriana Calcanhoto, Antonio Cícero, Armando Freitas Filho e, por último, Ana Cristina César.
            No entanto, o resultado é pífio. Para não ser muito rigoroso, incluiria dois poemas que fogem ao ritmo da vulgaridade geral: um de Noel e outro de Murilo. Mas os outros, na presunção de se constituírem remédio antimonotonia, produziram justamente uma reação contrária. Ao menos neste plumitivo.
            Não tinha informação prévia de que a antologia com esse time estava à venda. O aspecto gráfico é excelente. Quer dizer, a casca é ótima e tenta o leitor pela bela aparência, mas o miolo não vale nada. O amante de poesia, que gostaria ou julgaria que, com essa gente da pesada, poderia colher ao menos um poema que valesse a pena, não tanto como antídoto do tédio, mas que levasse algum estímulo à alma, sai da leitura absolutamente frustrado, e, pior, arrependido de ter investido 34 paus por coisa tão ruim.
            Mas o leitor, incrédulo, por certo, me interpelará?
            Nem Bandeira lhe presenteou com uns bons versos? Nem Cabral? Nem Vinícius? Nem Murilo? Nem Quintana, tão celebrados?
            Não esperaria nada de letristas de música popular, que sei serem autores de letras antológicas, como é o caso de Chico ou de Caetano ou mesmo de Gil ou Noel ou Aldir. Tudo pode servir à letra de samba mas não à poesia. De poetas tão badalados e consagrados tipo Bandeira, Cabral, Drummond, Vinícius, Murilo, etc., era exigível alguma coisa que bem representasse sua poesia. No entanto, o fracasso sob esse aspecto (ou essa expectativa) foi (ou é) a marca do livro. Quem sabe Eucanãa é despido de bom gosto? Não o conheço. Nunca lhe ouvi a menor referência.
            Francamente, se reunir uma dúzia de nossos poetas locais, tenho certeza de que faria uma antologia de melhor qualidade.
            Tive a pachorra de ler toda a antologia (editada pela Objetiva) de uma assentada. Inicia-se com um poema de Drummond.

            “Admirável espírito de moços
            a vida te pertence. Os alvoroços,
            as iras e os entusiasmos que cultivas
            são as rosas do tempo, inquietas, vivas.
            Erra e procura e sofre e indaga e ama,
            que nas cinzas do amor perdura a flama”.

            Bem ruinzinho, não é?
            Mas como é do Drummond, nossomeglior fabbro”, há quem queira redimi-lo da ruindade.
            Óbvio que a qualidade de um poema não se pode ver pelo seu autor, mas pelo exame frio de seu teor. Se presta ou não. E esse poemeto drummoniano é de lascar.
            Recorri ao Bandeira, em desespero, por não encontrar nada interessante na dita antologia. Foi outra decepção. Eis um de sua autoria com o título “Na boca”:

            “Sempre tristíssimas estas cantigas de carnaval
            Paixão
            Ciúme
            Dor daquilo que não se pode dizer
            Felizmente existe o álcool na vida
            E nos três dias de carnaval
            Quem me dera ser como o rapaz desvairado!
            O ano passado ele parava diante das mulheres bonitas
            e gritava pedindo o esguicho de cloretilo:
            - Na boca! Na boca!
            Umas davam-lhe as costas com repugnância
            outras porém faziam-lhe a vontade.
            Ainda existem mulheres bastante puras para fazer
            vontade aos viciados
            Dorinha meu amor...
            Se ela fosse bastante pura eu iria agora gritar-lhe
            como o outro:
            - Na boca! Na boca!”

            O leitor sente-se de alguma forma curado da monotonia com esse poema do Bandeira, o grande Bandeira, que tenho em boa conta como poeta?
            No meu caso, o tédio se aprofundou a partir da leitura de tais poemas.
            Mas tentei Quintana.
            Quem sabe Quintana, com sua voz caracteristicamente simples e despojada, salvaria a antologia?
            Colhe-se à página 159:
            “Convite” – (é o título)
            “Basta de poemas para depois...
            Ó Vida, e se nós dois
            vivêssemos juntos?”

            Ou então Gullar? Eis um poema dele, com o título “Muitas Vozes”, reduzido à metade:

            “Meu poema
            é um tumulto:
            a fala
            que nele fala
            outras vozes
            arrasta em alarido.

            (Estamos todos nós
            cheios de vozes
            que o mais das vezes
            mal cabem em nossa voz:

            se dizes pêra
            acende-se um clarão
            um rastilho
            de tardes e açucares
            ou
            se azul disseres,
            pode ser que se agite
            o Egeu
            em tuas glândulas)”.

            Você conseguiu entender alguma coisa desse poema leitor? Nem o entendi nem muito menos espantou a monotonia, que, muito diferente do esperado, cresceu-me de forma desmesurada.
            A antologia, que traz esse títuloVeneno Antimonotonia”, é uma supina droga. Não se consegue colher um único poema que a redima da total mediocridade.
           

                                                                    

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