Dizia Shakespeare numa de suas peças (se não
me engano em Macbeth): “há mais mistérios entre o céu e a terra que julga nossa
vã filosofia”.
Já
falei de meu amigo Frank noutra ocasião. Certa vez, depois de não vê-lo por meio
século, procurou-me em meu escritório. Como o achou, como se lembrou de meu
nome, com quem obteve o endereço, não sei dizer.
Durante
o pouco tempo em que entretivemos um papo, evocamos os tempos do ginásio, em
que, entre os demais alunos, se destacava pelo pormenor de ter uma cabeça
enorme, por não ser muito aplicado, com o dado de que vezes sem conta o encontrei
perdido em conjecturas, como se se recolhesse a si mesmo e nisso encontrasse
qualquer fascínio que o tornava indiferente a tudo o que se passava a sua
volta.
Vez
ou outra, perguntava-me que destino levara na vida, com seu tipo desengonçado e
com seu pouco talento.
Quando
me deixou, despedindo-se, de forma muito apagada, enfiou-se pelo corredor e sumiu
no elevador.
Embatucado
com tal enigma, depois de tantos anos decorridos, resolvi me comunicar com
outro colega daqueles tempos. Contei-lhe resumidamente o episódio da visita de Frank.
Perguntou-me:
-
Quando se deu esse encontro?
Disse-lhe
mais ou menos a data aproximada.
Comentou:
-
A esse tempo, Frank tinha já morrido.
Galhofando,
acrescentou:
-
Você deve ter sido visitado pelo fantasma do Frank.
Notei
que, para confirmar os dados em que tinha morrido, consultou à esposa, que os
confirmou.
Até
hoje, esse fato deixa-me com a pulga atrás da orelha, sem saber se admito a aparição
de um fantasma ou de uma pessoa viva. O que continua a me intrigar é como me
achou ou me descobriu decorrido meio século em que não mais nos víramos.
Outra
ocorrência semelhante sucedeu com um colega de trabalho, que não via há mais de
vinte anos. Fôramos bons camaradas. Jogávamos no mesmo time de futebol da
repartição. Era um craque, invertendo-se então nossos papéis, pois era ele que
me comandava como capitão do time.
Uma
bela tarde, sem saber por que nem como, cruzei uma rua (não tinha a menor
necessidade de passar por ela). Que fui fazer ali? – perguntara-me depois do
ocorrido.
Quando
o encontrei à porta de um prédio, sem revelar a menor surpresa com a minha presença,
ao contrário do que me sucedia, disse-me:
-
Estava aqui a sua espera. Tinha certeza que passaria por esta rua.
Falamos
dos tempos idos e vividos. Ofereci-lhe minha casa quando voltasse de novo à
cidade. Fiquei feliz de reencontrá-lo.
De
novo, assaltou-me a dúvida sobre se se tratava de um morto ou de um vivo, igual
à mesma que tive com respeito ao encontro com Frank.
Boa
razão teve Shakespeare para ter dito o que disse.
(março/08).