Comenta-se
que um crítico de arte, em
Nova York ou outra cidade dessas, quando “O grande vidro”, de
Duchamp, foi exibido num de seus museus, teria sido perguntado sobre essa
discutida obra e respondeu:
-
É um enigma. E todo o enigma é instigante.
Não
sou crítico de arte, embora seja colecionador há alguns bons anos e leia muito
sobre arte, que, a partir de certo tempo, ainda no início da minha maturidade, começou
a me interessar. Desde que, num quarto alugado por Hugo Mund Jr., numa casa
fantasmagórica que existia na Av. Hercílio Luz, perto do Albergue Noturno ou da
Escola do Comércio, descobri, ali, num dia em que o visitei, um quadro de Henry
Rousseau, envolvendo a retratação de uma família dentro de uma caleça, com o
diabo de permeio. Era uma mera reprodução de revista. Pouco sabia eu, a essa
altura, de pintura e de seus grandes nomes. Esse quadro, porém, me encantou de tal
modo que Hugo mo deu de presente. Trago-o até hoje comigo.
Por
isso, a minha opinião sobre arte tem a sustentação desses anos que lido com
pintores e quadros ou obras de arte de qualquer gênero, sem me ter na conta de
crítico.
O
que teria dito, nas mesmas circunstâncias do crítico em face de “O grande
vidro”, de Duchamp. Diria, simplesmente, sem rebuços:
-
Trata-se de uma grande porcaria.
É
o caso do rei que está nu e por medo ou outra razão qualquer todos se inibem ou
se constrangem de dizer puramente a verdade.
O
que é “O grande vidro”, afinal de contas? Segue a teoria duchampiana do “ready
made”. Sua obra não prescinde de definição, desde que se adote a sua teoria de
que a forma é tudo. Nada mais que a forma. A forma, e só a forma, é a síntese
de tudo. Ou da arte. Ou arte é puramente forma. Então qualquer coisa que tenha
forma é arte. “O grande vidro”, por isso mesmo, não precisa de maior explicação.
Tem forma e isso lhe garante um lugar no mundo da arte. A forma vive de si
mesma. Nem precisa ser bela. Como “O grande vidro” não tem nada de beleza.
Assim
como é o caso de outras obras de Duchamp, como “Nu descendo uma escada”, em que
ele teve a intenção de lhe imprimir idêntico movimento à de uma pessoa. Se
qualquer outro pessoa tivesse produzido esse quadro, que não levasse a assinatura
de Duchamp, depois de consagrado mundialmente, estaria reservada, para ele,
certamente, uma grande rejeição. Todos o considerariam uma obra risível. Ou lhe
voltariam as costas.
George
Steiner, em seu livro “Gramáticas da criação”, (Ed. Globo) disse bem quando se referiu à arte
contemporânea como produto da era de Duchamp. Ou de suas concepções ou teorias.
Diz ele, com suas próprias palavras: “Sempre que encontramos num museu ou em alguma
galeria de arte contemporânea aqueles tijolos no chão, os bezerros eviscerados,
a roupa de cama suja, os sacos de estopa pendurados em ganchos retorcidos ou a
explosão de esterco de elefante em telas brancas (um motivo já conhecido no
dadaísmo), estamos entrando no reino de Marcel Duchamp (op. cit. pg. 347).
As
instalações (a que me referi já) é o símbolo que expressa bem o espírito
duchampiano. Ou sua teoria de “objeto pronto”. O penico, que ocupa um lugar,
hoje, no Museu do Louvre, em Paris, é sua consagração máxima e reflete esse
tempo, como disse Steiner, pelo qual a “arte” transita triunfalmente.
(agosto/08)
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