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Wednesday, November 9, 2016

DOIS ESCRITORES FRENTE À CRISE - Hamilton Alves




                                               Imagino como reagiriam neste momento de turbulência econômica internacional dois dos nossos escritores mais conhecidos já mortos – Rubem Braga e Paulo Francis. Este, segundo suponho, se limitaria a deitar falação inócua, posando de entendido, como sempre o fez, das coisas da economia, mas, invariavelmente, nessa matéria, revelando pouco ou nenhum conhecimento. Ou sequer capacidade de análise. Mas estava na sua função de jornalista, que mete o bedelho em qualquer tema, ainda que o faça de maneira competente. Francis sempre primou pelo destempero em momentos como esse, acertando no varejo e errando no atacado.
                                               Já Rubem Braga, que era conhecido homem de esquerda (embora nunca posasse oficialmente como tal), o que diria? Mais ou menos, se não erro, o seguinte:
                                               - Crise? Que crise?
                                               E tanto não a reconheceria (ou passaria por alto em sua crônica de estilo inimitável) que, em vez de abordá-la, como esperado, certamente, por algum leitor (ou leitores), falaria de uma borboleta amarela, que perseguira em seu passeio pelas ruas do Rio em determinada tarde. Até que, por fim, acabasse encoberta entre dois prédios ou em algum arbusto frondoso, deixando-o de olhos suspensos no ar.
                                               Eis aí a diferença essencial entre esses dois escritores, um dando todo o trato à crise ou querendo explicá-la ou bancar o profeta, anunciando sua duração ou sua próxima superação. O outro, cronista de levezas e de coisas pouco sérias ou, digamos, mais amenas, nem se importaria se havia crise aqui e ali, sabedor que tudo neste mundo é episódico. Que mais cedo ou mais tarde, assim como veio, essa crise vai embora – e tudo retomará o curso normal.
                                               Preferível falar de borboleta numa hora dessas do que pretender analisar o que se passa – esse reboliço ou, como dizem os mais informados, essa turbulência que parece levar de roldão a economia dos países por ela assolados.
                                               O leitor, de certo, ficaria preso à trajetória desenvolvida pela borboleta do Braga.
                                               Não faltaria quem telefonasse ou (hoje, com os recursos da cibernética) passasse um recado ao cronista para saber, afinal, que destino coubera à borboleta. Ou se reapareceria numa próxima crônica. Ou se a descobrira em algum  outro lugar depois que a perdeu de vista.
                                               Não sei se algum leitor se interessaria de mandar uma mensagem ao Paulo Francis, querendo saber de como as finanças mundiais se comportarão daqui por diante. Se se vai ou não, por bem ou por mal, sair do atoleiro. O que se prepara com a perspectiva da vitória de Obama, que, a essa altura, parece favas contadas.
                                               Mas entre o tema de um e outro é indiscutível que mais vale saber o destino tomado por uma borboleta amarela, em certa tarde subitamente aparecida numa rua do Rio, acompanhada em suas evoluções pelos olhos muito atentos do maior cronista brasileiro.


(out/08).

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