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Wednesday, November 23, 2016

ENIGMAS - Hamilton Alves



                                    Dizia Shakespeare numa de suas peças (se não me engano em Macbeth): “há mais mistérios entre o céu e a terra que julga nossa vã filosofia”.
                                   Já falei de meu amigo Frank noutra ocasião. Certa vez, depois de não vê-lo por meio século, procurou-me em meu escritório. Como o achou, como se lembrou de meu nome, com quem obteve o endereço, não sei dizer.
                                   Durante o pouco tempo em que entretivemos um papo, evocamos os tempos do ginásio, em que, entre os demais alunos, se destacava pelo pormenor de ter uma cabeça enorme, por não ser muito aplicado, com o dado de que vezes sem conta o encontrei perdido em conjecturas, como se se recolhesse a si mesmo e nisso encontrasse qualquer fascínio que o tornava indiferente a tudo o que se passava a sua volta.
                                   Vez ou outra, perguntava-me que destino levara na vida, com seu tipo desengonçado e com seu pouco talento.
                                   Quando me deixou, despedindo-se, de forma muito apagada, enfiou-se pelo corredor e sumiu no elevador.
                                   Embatucado com tal enigma, depois de tantos anos decorridos, resolvi me comunicar com outro colega daqueles tempos. Contei-lhe resumidamente o episódio da visita de Frank. Perguntou-me:
                                   - Quando se deu esse encontro?
                                   Disse-lhe mais ou menos a data aproximada.
                                   Comentou:
                                   - A esse tempo, Frank tinha já morrido.
                                   Galhofando, acrescentou:
                                   - Você deve ter sido visitado pelo fantasma do Frank.
                                   Notei que, para confirmar os dados em que tinha morrido, consultou à esposa, que os confirmou.
                                   Até hoje, esse fato deixa-me com a pulga atrás da orelha, sem saber se admito a aparição de um fantasma ou de uma pessoa viva. O que continua a me intrigar é como me achou ou me descobriu decorrido meio século em que não mais nos víramos.
                                   Outra ocorrência semelhante sucedeu com um colega de trabalho, que não via há mais de vinte anos. Fôramos bons camaradas. Jogávamos no mesmo time de futebol da repartição. Era um craque, invertendo-se então nossos papéis, pois era ele que me comandava como capitão do time.
                                   Uma bela tarde, sem saber por que nem como, cruzei uma rua (não tinha a menor necessidade de passar por ela). Que fui fazer ali? – perguntara-me depois do ocorrido.
                                   Quando o encontrei à porta de um prédio, sem revelar a menor surpresa com a minha presença, ao contrário do que me sucedia, disse-me:
                                   - Estava aqui a sua espera. Tinha certeza que passaria por esta rua.
                                   Falamos dos tempos idos e vividos. Ofereci-lhe minha casa quando voltasse de novo à cidade. Fiquei feliz de reencontrá-lo.
                                   De novo, assaltou-me a dúvida sobre se se tratava de um morto ou de um vivo, igual à mesma que tive com respeito ao encontro com Frank.
                                   Boa razão teve Shakespeare para ter dito o que disse.


(março/08).

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