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Friday, December 2, 2016

ENCONTRO COM VIRGÍNIA WOOLF - Hamilton Alves




                                                           Sempre alimentei a esperança de um dia conversar com Virgínia Woolf, objetivo impossível porque é sabido que, em l94l, ela matou-se.
Como, pois, conversar com uma pessoa que não existe mais? Os mediuns alegam que esse não é um objetivo impossível. Sempre há uma forma de estabelecer contato com pessoas que já se foram. Mas também em sonhos pode acontecer isso. Foi exatamente o que me ocorreu na última noite em que, súbito, encontrei em Londres com a grande escritora, que é uma das minhas favoritas. Li uma série de livros dela, e, por último, o que é tido como sua obra prima (embora se lhe reputem outros livros como sendo também suas obras primas), “O quarto de Jacob”. A tal respeito não há um consenso da crítica. Pelos livros que li dela, parece-me difícil apontar qual me agradou mais. “O quarto de Jacob” foi o que mais me marcou pelo personagem fascinante que é Jacob, um homem que se dá pouca ou nenhuma importância, uma espécie de “primus inter pares” entre os outros homens de seu tempo. Em uma palavra, um poeta sem versos. Que encara a vida e as circunstâncias dela decorrentes de uma maneira muito “sui-generis”.
Quando todos esperam uma reação de Jacob diante de algum problema grave, eis que enfia as mãos no bolso e se perde olhando por uma janela.
                                                           Bem, voltemos ao encontro com Virgínia. Como se deu? Foi por via de um sonho, como dito. Nem se espere que possa ter sido de outro modo.
                                                           Ela vinha cabisbaixa, com as mãos cheias de   pacotes pequenos,  óculos escuros, o que me dificultou de reconhecê-la.
Mas o que ajudou nisso foi que lhe perguntei pelo nome de uma livraria. Foi então que falamos sobre literatura, que interessava a nós ambos.
                                                           - O que é que você lê?
                                                           Não me lembro o que lhe respondi.
Mas tal pergunta nos levou a aprofundar o papo.
Foi daí que veio a se identificar. Lá pelas tantas, na medida em que percebia que, ao perdê-la no burburinho londrino, nunca me surgiria outra chance de lhe formular a pergunta que sempre aguçou meu espírito, sapequei-a mesmo antevendo todas as conseqüências possíveis de tal indiscrição:
                                                           - Por que você se matou, Virgínia?
                                                           Ela olhou-me com a expressão de uma gata assustada. Ou quase em pânico. Logo se refez da impertinência  inesperada. Fixou-me os olhos muito expressivos.
                                                           - Todo mundo me faz a mesma pergunta. Não tenho simplesmente resposta. É uma coisa que não se explica. Qualquer suicida poderia dizer a mesma coisa.
                                                           Em seguida, calou-se. Dava-me a impressão de não querer voltar ao assunto. Mas, não. Continuou:
                                                           - É uma decisão tomada num átimo. Um minuto depois talvez a crise passasse. E tudo que a originou se esfumasse.
Aproximava-se um ônibus. Virgínia tomou-o.
Acenou-me a mão, despedindo-se, carregando com
dificuldade seus embrulhos.
                                                           Foi então que me acordei. Pouco a pouco,  consegui recompor o sonho. Tudo que me pareceu, pelo ar de Virgínia, é que a verdade, a dura verdade, que a teria levado ao suicídio, jamais a revelaria a quem quer que fosse, muito menos a um abelhudo que casualmente a encontrou nos arredores de uma praça de Londres.

                                               

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