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Sunday, December 18, 2016

MÁRIO GENTIL COSTA, UM ARTISTA DE ALTO NÍVEL (trabalhando sozinho e anônimo, Mário produziu uma das obras mais ricas conhecidas entre nós) (por Hamilton Alves)*


            pouco, casualmente, (não me ocorre como nem de que forma) tive acesso à obra plástica de Mário Gentil Costa, que é conhecido médico otorrinolaringologista dos mais conceituados da praça.
            Tudo começou, ao que me parece, de um encontro fortuito entre nós através de um amigo comum. Travamos um rápido papo. Mário tomou-me o endereço eletrônico, desejoso, ao que me disse, de mostrar-me seu trabalho de pintor e entalhista (escultor).
            Nesse encontro, externou sua perplexidade pela forma ou estilo de redação de prestigiado escritor brasileiro, atribuindo-lhe incompreensível desatenção aos sinais de pontuação, notoriamente vírgulas e ponto e vírgulas, que, no dizer dele, eram escassos ou inexistentes em seu texto.
            Pelo que retruquei que pontuação falha decorre às vezes (ou quase sempre) não de desatenção mas de determinação propositada de muitos bons escritores. E que a pontuação nem sempre tem a ver com a qualidade de um texto ou que este pode perfeitamente sobreviver sem um rigoroso respeito às regras de pontuação. Citei como caso típico o final de Ulisses, de Joyce, em que no curso de mais ou menos cinqüenta páginas (monólogo de Molly Bloom) não se nota um único sinal de pontuação. Ainda citei outros exemplos dignos de referência.
            Mas Mário fixou-se rigorosamente a tais regras e não perdoa a quem, de forma proposital ou não, passar por cima delas.
            Não adiantou meus argumentos nem a citação de um caso como o de Joyce, um dos mais eminentes escritores conhecidos e autor de uma obra que até hoje é considerada entre as maiores da literatura universal. Mário não abre mão nem precedente no tocante ao assunto. Não se colocou vírgula ou ponto e vírgula nos lugares devidos, o texto de forma alguma passa por seu crivo.
            Não chegaríamos jamais a um acordo em nossa maneira de visualizar a literatura, eu tendente a mais ampla liberdade na construção da frase, ele conservadoríssimo sob esse aspecto.
            Até hoje, em desacordo total quanto à questão, continuamos, sem parar, a troca de correspondência eletrônica. Creio que vai a um volume respeitável, trocando opiniões ora sobre literatura, ora sobre pintura ou sobre o que pinta eventualmente.
            Até que em certo dia me mandou inúmeras mostras de seu trabalho de pintor e entalhador.
            Não esperava de sentir forte impacto quando o examinei, mesmo no reduzido e pouco propício espaço de uma tela de computador, em que, obviamente, um trabalho plástico fica muito distante de retratar-se em todas as suas nuanças.
            Combinamos uma visita ao local onde mora para vê-las de perto. Fiquei tomado de interesse por seus quadros ou talhas, pois me pareceram bem trabalhados, como se fossem de autoria de um mestre consagrado.
            Informou-me que morava num apartamento no 11º andar de um prédio no centro da cidade. Pelo que, de pronto, descartei a possibilidade de visitá-lo por motivo de minha velha acrofobia. Disse-lhe que padecia do mesmo mal que atacara Scott, o policial de “Um corpo que cai”, de Hitchcock.
            Não chegamos a combinar outro local para o encontro.
            Até que surgiu, inesperadamente, um convite do poeta C. Ronald para um almoço em sua casa de Biguaçu, em que ambos (eu e o Mário) fôramos convidados. Ele levaria um exemplar de um quadro de pintura e outro de entalhe. Eu levaria uma crônica do escritor que ele abomina por não saber, no dizer dele, colocar vírgulas e ponto e vírgulas nos lugares devidos.
            Como me disse depois, levou os dois trabalhos a medo, na suposição de que, vistos sem a intermediação do computador, não os apreciasse. Ou não me mostrasse tão entusiasmado quando os vi pela primeira vez.
            Manifestei-lhe o mesmo receio: “Vai ver, vou examinar de perto os quadros e (decepção das decepções) agora constatarei que não valem um níquel”.
            O impacto agora foi mais forte.
            Simplesmente pela constatação de que, vistos ao vivo, eram, inegavelmente, mais belos, mais expressivos e, como deduzira da primeira vez, revelavam um artista maduro.
            Tomado de paixão por ambos os quadros, como é rotineiro comigo quando me deparo com obras de igual valor, propus-lhe adquirir um ou outro. Mas Mário ouviu-me, primeiro surpreso, depois indiferente, como se o preço que lhe fosse oferecido era insignificante diante do amor que tem por eles. À pintura deu o título de “Amadeus”, em homenagem a Mozart. O quadro, embora de teor abstrato, tem alguma relação com a música, mostrando uma clave de sol e as teclas de um piano, envoltos em traços harmônicos, tão harmônicos como se retratassem uma sinfonia.
            No dia anterior a esse encontro, tive acesso a uma das obras plásticas mais belas nos últimos tempos: um desenho a nanquim de Ismael Nery. Estava já de certo modo consumido pela beleza que colhera desse quadro. Agora, diante dos de Mário, outro jorro de beleza simplesmente me inundou. Senti-me elevado à quintessência do esplendor.
            Talvez haja aí, entre os leitores, quem possa estar murmurando que sou inclinado ao exagero.
            Tenho meus motivos.
            Mário Costa (vou suprimir o Gentil porque acho que seu nome artístico ficaria melhor assim), de repente, sai do anonimato, onde sempre se manteve, por inibição e timidez, como me confessa, para explodir ante meus olhos estupefatos.
            Como não procurar expressar essa emoção com as pobres palavras que me acodem?
            Diante de meu comentário, mostrou-se feliz. Até então não ouvira semelhante referência desse jaez a sua obra.
            Acredito que é desses artistas que não têm verdadeira consciência de seu valor. Ou da importância de seu trabalho. Mário é um vanguardista, se é possível que, em arte, atualmente, ainda possa existir algum vanguardismo, pois, a partir de Duchamp, caímos nesse lixo das instalações, como sendo o “dernier cri” da arte.
Mário, para situá-lo, lembra, por exemplo, Braque ou Kandinsky.
            Nem o próprio Mário me acreditou quando fiz tal crítica a esses dois quadros.
            Mas o afirmo e assino embaixo.
            Mário é um artista feito. Não tenho a mínima dúvida em dizer que se trata de um dos grandes artistas deste país, seja como pintor ou entalhador.    
           
           

            

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