Depois de trilhar uma longa
caminhada no jornalismo (exerceu-o desde a adolescência), como cronista,
contista e crítico musical, na condição do que pontifica com artigos no Jornal
do Comércio, do Rio, Ilmar Carvalho vê, por fim, realizado o grande sonho de
editar um livro, “O Bêbado Azul do Desterro”, que, como ele me disse há pouco,
num papo telefônico, reúne suas melhores crônicas e os poucos contos que
escreveu durante seus quase oitenta anos. O forte de sua produção literária são
seus artigos sobre música, desde a popular até a erudita, no que se tornou um
dos poucos especialistas. Agora mesmo brindou esta folha com um trabalho sobre
o violoncelista Antonio meneses, que, além de outras execuções famosas, vem de
gravar as seis suítes de Bach, no que foi tão bem sucedido (segundo Ilmar)
quanto Pablo Casals, o maior violoncelista conhecido até hoje no mundo e
reconhecidamente o que conseguiu a melhor execução da obra referida.
Poucos cronistas têm ou escreveram
uma crônica referencial. Ou aquela que todo mundo cita porque de alguma forma
entrou até no folclore popular. Apesar de não ser muito prolífero na qualidade
de cronista, perpetrou uma sobre a qual, em conversas literárias, vem sempre à
baila: “Da vantagem de ser jovem no Estreito”, que foi um marco na obra de
Ilmar. A outra não precisa nem mencionar, pertence a Rubem Braga, “Eu e bebú na
hora neutra da madrugada”, que, igual à de Ilmar, todo mundo conhece, cita e é
capaz de conhecer trechos de cor, como foi o meu caso, há algum tempo, quando
os dizia para amigos.
O
volume, que deverá ser lançado no próximo dia 21, em Joinville (terra natal de
Ilmar e onde viveu, como não poderia deixar de ser, os momentos culminantes ou
marcantes de sua existência quase octogenária), tem oitenta páginas e foi
editado pela editora “Letradágua”, de Joinville. Quem a dirige é Joel Gehlen,
que não faz muito editou o “Anexo”, encarte cultural do jornal “A Notícia”, que
teve, com ele, sem dúvida, seu melhor período. Amigo de Ilmar, quando soube que
este reunia as crônicas e contos para uma futura publicação, propôs-se a
fazê-lo, com o que Ilmar concordou. Mas até que a obra fosse concluída
decorreram alguns anos. Nos contatos com Ilmar lhe cobrava a edição de seu
livro. Vinha com a mesma lenga-lenga de que tinha entregue os originais para o
Gehlen e o Alemão (apelido de Gehlen) não dera ainda o ar de sua graça, de tal
modo que nem mesmo ele saberia dizer quando se dariam por editados.
Soube
de amigos íntimos de Ilmar sua pouca ligação com projetos de divulgação do que
faz. A editora da UFSC, em certo período, colocou-se à disposição para editar o
livro que ora será lançado. Ou até o que havia escrito em jornais sobre música.
Tem uma vastíssima produção sobre esse tema. E das mais preciosas, como o
reconhecem pessoas que privam de sua amizade, inclusive Salim Miguel, que
conhece mais de perto o problema do Ilmar de editar ou não ser editado, de
tomar ou não a iniciativa para a levar a bom termo a publicação do que escreve.
Não obstante receber aprovação, por antecipação, da edição desse material,
Ilmar nunca o enviou à editora da UFSC. Por que? Ninguém sabe. É de seu
temperamento. É um escritor que produz com até relativa facilidade. Mas é
complicado chegar ao livro impresso. Há quem tenha um convívio mais próximo de
Ilmar (como é o caso citado de Salim Miguel, que com ele conviveu no Rio
durante a temporada em que lá morou) e o que comenta, entre amigos, é essa
inclinação do Ilmar, não muito bem explicada, para não comer o bolo qunado lhe
foi dado de mão beijada.
O
primeiro a receber (também prefaciou-o) “O Bêbado Azul do Desterro” foi seu
velho amigo Salim. Em seguida, mandou-lhe o recado de que as crônicas e os
contos lhe tinham impressionado favoravelmente. Não era a crítica do amigo, mas
o comentário do crítico.
Dos
trabalhos editados, conheço apenas dois, o já mencionado “Da vantagem de ser
jovem no Estreito”, que é inegavelmente uma página e meia antológica, e outro,
publicado no “Anexo”, de também duas páginas, que tenho guardado em arquivo,
que já quis publicar com sua antologia de contos, com a autorização prévia do
Ilmar (consultado antes de qualquer outro dos integrantes dessa eventual
antologia), “Joinville dos 40”, que se refere a reminiscências do escritor da
época de ouro em que viveu em Joinville, ali cresceu e conheceu as primeiras
experiências da vida.
Falei
com ele há dias sobre o livro. Brincalhonamente, disse-lhe:
-
Até que por fim o pariste?
-
Vou lançá-lo em Joinville, mas farei, sem data ainda marcada, lançamentos em
Florianópolis e Rio.
-
Quantos exemplares são?
-
Mil.
Deu-me
detralhes gráficos do livro. A ilustração de capa foi feita por Luis Gustavo
Meneghin. Ilmar considerou-a muito boa. A capa é em branco com a ilustração em
azul tomando 2/3 dela. Fez-me lembrar a primeira edição de Ulisses, de Joyce,
que tinha as mesmas cores (referência de Sylvia Beach, em seu livro, há pouco
editado pela “Casa da Palavra”, “Shakespeare & Companhia – uma livraria na
Paris do entreguerras”.
Houve
um momento que Ilmar mostrou-se desanimado quanto às possibilidades de edição
do livro. O Alemão não lhe dava notícias da edição. Passou um bom tempo sem a
menor informação do andamento ou a fase em que se encontrava. Até que há pouco
surpreendeu-o com a notícia de que a fase final estava concluída, recebendo
quatro exemplares, um dos quais presenteou ao Salim, o que foi facilitado pela
presença desse escritor no Rio, onde foi participar da Bienal do Livro e para
outros fins.
Cobrei
o meu.
-
O teu tens que esperar um pouco, pois os quatro que o Alemão me mandou sumiram.
Só fiquei com um.
Não
é preciso dizer que, ainda que não possua o livro, nem possa por isso ainda
julgá-lo, “O Bêbado Azul do Desterro”, título de uma das crônicas, vem
chancelado com a reconhecida qualidade do texto de Ilmar. Tanto na sua obra
literária quanto na crítica musical, a marca do Ilmar é a do esmerado
tratamento de seu trabalho (ainda agora tivemos oportunidade de verificar isso
no artigo sobre Antonio Meneses, que é rigorosamente bem realizado).
O
título do livro dispensa comentário e revela também seu bom gosto.
A
estréia de Ilmar (e ele o faz um pouco tarde, quando, como dito, vai beirando a
casa dos oitenta) deve ser, por tudo isso, muito bem acolhida e acredito no
êxito antecipado do lançamento do livro nas praças referidas (Joinville,
Florianópolis e Rio), onde, não fosse pelo bom nível das crônicas e contos, já
conhecidas algumas delas, seria pelo fato de que tem uma legião de amigos, que
certamente vão prestigiá-lo em todos esses eventos (palavra que, diga-se “en
passant”, ele detesta).
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