Em seu livro
“Waaal – Dicionário da Corte”, Paulo Francis diz que “como rápido, bebo rápido,
vivo rápido, escrevo rápido”. Não é à toa que tinha o apelido de “metralhadora
giratória”. É que todos os que conviviam na sua intimidade sabiam que produzia
textos para o jornal (ou para sua coluna) com uma velocidade espantosa. Nesse
ponto, somos parecidos. Ou faço (ou escrevo) as coisas às pressas ou não sai
nada que preste. Quando levo tempo para produzir uma crônica, um conto ou mesmo
até um poema, sei que não vai sair nada satisfatório. As melhores crônicas que
até hoje escrevi resolvi-as (ou dei-lhes cabo) em pouco tempo, quinze ou vinte
minutos no máximo, não mais que isso. Se ultrapassar esse limite, estarei
condenado. Ou estará sob suspeição o que produzi.
Certa
vez, quando éramos cronistas do extinto “Diário da Tarde”, ao tempo em que era
dirigido por Tito Carvalho (fazendo parte da redação o indefectível Seixas
Netto, de saudosa memória, que me dizia de quando em vez que era perda de tempo
fazer jornalismo para analfabetos), encontrei certa manhã Silveira de Souza a
braços com terrível dificuldade. Ele compunha uma crônica e, quando entrei na
redação, virou-me os olhos, como quem formulasse um pedido de socorro:
“Não
consigo desenvolver esta crônica. Não me dás uma mão?”
O
Silveira é conhecido por sua demora de escrever. Para parir uma lauda leva
tempo. Imagino que seus contos devem envolver uma operação de algumas horas ou
certamente de dias, até que os dê por concluídos. Ou acabados. É um parto
dificílimo. Bem verdade que, no meu caso, depois de redigida a crônica, passo a
examiná-la nos detalhes. Faço reparos
(quando faço) aqui e ali, até que o trabalho seja dado por pronto. Mas isso
mesmo não é freqüente. Em geral não faço muitas alterações no texto. Zé Mauro,
outro saboroso cronista, que apareceu certo tempo aqui na ilha de algum lugar
perdido, era assim também. Só que Zé
mauro era inteiramente anarquista, não só na vida, como em eu texto, que, no
frigir dos ovos, não passava de um palimpsesto. O fraseado dele era livre, com
vírgulas mal colocadas, frases às vezes meio desarrumadas, que, no fim,
tinha-se uma página não de crônica mas de poema.
Mas voltando à
dificuldade tradicional do silveira de Souza, estava ele certa manhã, na redação
do “Diário da tarde”, debruçado sobre a máquina de escrever, sem poder dar
seguimento a sua crônica, quando me viu entrar na companhia do Murilo Pirajá,
que deve se lembrar desse episódio.
A
crônica que ele começara tinha uma ou duas frases apenas. E tinha esse título:
Inês e o pardais.
Nunca
fui de recusar desafio.
Olhei
as duas frases do João Paulo.
Sentei-me
à máquina. Tentei desenvolver o texto. Empaquei também. Não sabia por onde
seguir.
Até
que dei um arranco e devo ter escrito, além das duas frase iniciais, mais uma
três; não mais.
A
crônica, que ambos escrevemos, se resumiu a meia dúzia de frases. E assim foi
publicada.
Outro
dia, falando a esse respeito, evocando aquele momento inesquecível, dois jovens
cronistas produzindo uma única crônica, Silveira me disse que tem ainda essa
crônica entre os seus guardados.
O
trabalho criativo se diferencia de um para outro criador. Para uns trata-se de coisa simples escrever um conto, ou crônica, ou novela (mesmo até um romance).
Já outros têm dificuldade de redigir uma carta. Ou mesmo até um bilhete. Os
cacoetes do ofício, por exemplo. Isso daria certamente um tratado de
curiosidades. De como uns têm de fumar ou beber cafezinho. Ou botar os óculos
em cima do nariz. Ou ficar mordendo a ponta da gravata, como era o caso de
Jorge Cherem, que foi o maior noticiarista de seu tempo (ou de nosso tempo).
Ninguém redigia uma notícia melhor que ele. Enquanto batucava na máquina,
mordia a gravata. Ou se não tinha uma gravata na ocasião, mordia qualquer
coisa. Se não mordesse alguma coisa, não “mordia” o texto.
Tenho
cá, certamente, meus cacoetes. Pertencer ou conviver com jornalistas numa
redação é contemplar justamente os vários tipos, que sofrem horrores no
trabalho de criação. E isso é refletido nas expressões do rosto, que se
transfigura na medida em que o “parto” vai se operando.
Por
isso, redação de jornal deve ser um rico reduto para sociólogos. Ou psicólogos.
Ou antropólogos.
“Inês
e os pardais”!...bom título para um livro de crônicas.
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