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Monday, December 12, 2016

INÊS E OS PARDAIS

 


Em seu livro “Waaal – Dicionário da Corte”, Paulo Francis diz que “como rápido, bebo rápido, vivo rápido, escrevo rápido”. Não é à toa que tinha o apelido de “metralhadora giratória”. É que todos os que conviviam na sua intimidade sabiam que produzia textos para o jornal (ou para sua coluna) com uma velocidade espantosa. Nesse ponto, somos parecidos. Ou faço (ou escrevo) as coisas às pressas ou não sai nada que preste. Quando levo tempo para produzir uma crônica, um conto ou mesmo até um poema, sei que não vai sair nada satisfatório. As melhores crônicas que até hoje escrevi resolvi-as (ou dei-lhes cabo) em pouco tempo, quinze ou vinte minutos no máximo, não mais que isso. Se ultrapassar esse limite, estarei condenado. Ou estará sob suspeição o que produzi.
Certa vez, quando éramos cronistas do extinto “Diário da Tarde”, ao tempo em que era dirigido por Tito Carvalho (fazendo parte da redação o indefectível Seixas Netto, de saudosa memória, que me dizia de quando em vez que era perda de tempo fazer jornalismo para analfabetos), encontrei certa manhã Silveira de Souza a braços com terrível dificuldade. Ele compunha uma crônica e, quando entrei na redação, virou-me os olhos, como quem formulasse um pedido de socorro:
“Não consigo desenvolver esta crônica. Não me dás uma mão?”
O Silveira é conhecido por sua demora de escrever. Para parir uma lauda leva tempo. Imagino que seus contos devem envolver uma operação de algumas horas ou certamente de dias, até que os dê por concluídos. Ou acabados. É um parto dificílimo. Bem verdade que, no meu caso, depois de redigida a crônica, passo a examiná-la nos detalhes.  Faço reparos (quando faço) aqui e ali, até que o trabalho seja dado por pronto. Mas isso mesmo não é freqüente. Em geral não faço muitas alterações no texto. Zé Mauro, outro saboroso cronista, que apareceu certo tempo aqui na ilha de algum lugar perdido, era assim também.  Só que Zé mauro era inteiramente anarquista, não só na vida, como em eu texto, que, no frigir dos ovos, não passava de um palimpsesto. O fraseado dele era livre, com vírgulas mal colocadas, frases às vezes meio desarrumadas, que, no fim, tinha-se uma página não de crônica mas de poema.
Mas voltando à dificuldade tradicional do silveira de Souza, estava ele certa manhã, na redação do “Diário da tarde”, debruçado sobre a máquina de escrever, sem poder dar seguimento a sua crônica, quando me viu entrar na companhia do Murilo Pirajá, que deve se lembrar desse episódio.
A crônica que ele começara tinha uma ou duas frases apenas. E tinha esse título: Inês e o pardais.
Nunca fui de recusar desafio.
Olhei as duas frases do João Paulo.
Sentei-me à máquina. Tentei desenvolver o texto. Empaquei também. Não sabia por onde seguir.
Até que dei um arranco e devo ter escrito, além das duas frase iniciais, mais uma três; não mais.
A crônica, que ambos escrevemos, se resumiu a meia dúzia de frases. E assim foi publicada.
Outro dia, falando a esse respeito, evocando aquele momento inesquecível, dois jovens cronistas produzindo uma única crônica, Silveira me disse que tem ainda essa crônica entre os seus guardados.
O trabalho criativo se diferencia de um para outro criador. Para uns trata-se de coisa simples escrever um conto, ou crônica, ou novela (mesmo até um romance). Já outros têm dificuldade de redigir uma carta. Ou mesmo até um bilhete. Os cacoetes do ofício, por exemplo. Isso daria certamente um tratado de curiosidades. De como uns têm de fumar ou beber cafezinho. Ou botar os óculos em cima do nariz. Ou ficar mordendo a ponta da gravata, como era o caso de Jorge Cherem, que foi o maior noticiarista de seu tempo (ou de nosso tempo). Ninguém redigia uma notícia melhor que ele. Enquanto batucava na máquina, mordia a gravata. Ou se não tinha uma gravata na ocasião, mordia qualquer coisa. Se não mordesse alguma coisa, não “mordia” o texto.
Tenho cá, certamente, meus cacoetes. Pertencer ou conviver com jornalistas numa redação é contemplar justamente os vários tipos, que sofrem horrores no trabalho de criação. E isso é refletido nas expressões do rosto, que se transfigura na medida em que o “parto” vai se operando.
Por isso, redação de jornal deve ser um rico reduto para sociólogos. Ou psicólogos. Ou antropólogos.
“Inês e os pardais”!...bom título para um livro de crônicas.    



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