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Friday, December 30, 2016

O DECADENTE TEATRO DE IBSEN (a voz geral - que ressoa no mundo todo - é que o teatro de Ibsen, (de que se comemora este ano o centenário de morte) para o nosso tempo, está ultrapassado) (por Hamilton Alves) *



Li há pouco, em “As obras primas que poucos leram”, que vem sendo editado pela Record com bastante sucesso, um trabalho de Otto Maria Carpeaux, envolvendo o teatro de Henrik Ibsen, dramaturgo norueguês, em que faz a apologia desse teatro,  entendendo que não está assim tão fora de época como quer uma certa crítica, tanto é que, só para citar um exemplo, “Casa de Bonecas” marcou época no teatro mundial e, neste país, consagrou-se com a interpretação de Tônia Carrero da personagem Nora, o que também marcou grande êxito na carreira dessa atriz.
Por coincidência, foi a única peça de Ibsen que li. Sua obra prima teria sido “Hedda Glaber” e, também, com igual repercussão, “Peer Gynt”. Ibsen, em seu tempo, foi um autor que atingiu o maior destaque internacional, seguindo de perto a linha das tragédias shakespeareanas. Embora, evidentemente, o teatro de Shakespeare esteja, em múltiplos sentidos, num nível de maior grandeza em relação ao de Ibsen. 
A história de “Casa de Bonecas” foi um despertar da consciência feminina de uma espécie de condição de serva do lar ou doméstica, no desempenho estrito desse papel, submetida às ordens tirânicas do marido, na forma como até então era (e é) concebido o casamento de tipo burguês. Nora casou-se e foi infeliz. Essa história pretende ser uma repetição de muitos outros casos semelhantes de mulheres que não conseguiram se realizar no casamento ou para as quais a vida conjugal, a partir de certo momento, começa a ser um pesadelo, não restando outra saída, devido à pressão social (reinante naquela época), do que a sujeição à ordem das coisas.
Foi a partir dessa consciência que se iniciou, em toda parte, o “Women Lib” (ou o movimento de libertação da mulher), que preconizava e preconiza, ainda agora, a insubmissão da mulher a um estado de coisas que não mais se compraz com seus sonhos de ser emancipada.
Carpeaux cita que, num bar de Munique, na Alemanha, para onde se mudou, depois de viver um largo período em seu país natal, onde só colheu fracassos no início de sua carreira de dramaturgo, Ibsen se recolhia a um canto e ali ficava a colher o noticiário dos jornais, notoriamente o que se referia a problemas de toda ordem  no âmbito da sociedade, colhendo farto material para compor suas peças. Morto Ibsen, o lugar passou a se constituir atração turística. Um velhinho muito parecido com ele fora contratado para ficar no mesmo canto por quatro horas diárias para atrair a atenção de curiosos.
O repertório de peças de Ibsen é bastante numeroso, destacando-se a que Carpeaux refere com um dos seus grandes momentos, “Espectros”, que, no dizer dele, se constitui de personagens secundárias, que aparecem imprevistamente no palco e muitas vezes representam o traço de suas tragédias, trazendo à tona seu passado terrível, que se projetam como sombras macabras em suas vidas.
De Ibsen vi uma única peça encenada: “O construtor Solness”, que Carpeaux diz ser um título equívoco, pois o correto é “O arquiteto Solness”. Não vejo grande diferença entre “Construtor” e “Arquiteto”. Daí não entender muito o motivo porque destacou o fato. O personagem principal foi interpretado por Paulo Autran. Não gostei da peça. Pareceu-me monótona, tendo Autran se esforçado para torná-la interessante.
Passado por essa experiência com o teatro de Ibsen, com uma peça lida e outra assistida, adquiri um livro contendo suas peças, com exceção das mais famosas, “Edda Glaber” e “Peer Gynt”. Mas as duas conhecidas me foram suficientes para concluir que o teatro de Ibsen não corresponde mais à estética destes tempos. É um teatro que é feito em cima da realidade social, daí chamar-se de realista, que Carpeaux considera que “não é tão realista assim”.
Um pouco depois do desaparecimento de Ibsen, cuja morte ocorreu em 1906, quando já se esboçava na Europa o movimento modernista, surgiu o teatro do absurdo (como consequência da guerra de 40), com nomes de vanguarda no teatro, como Albert Camus, Eugène Ionesco, Samuel Beckett, Harold Pinter (este um pouco mais tarde), entre outros, que mudaram completamente o estilo e as características do teatro.
A partir de então, embora surjam aqui e ali (ou ainda apareçam ainda hoje em alguns palcos do mundo), as peças de Ibsen contêm, como não poderia deixar de ser, um teor meio bolorento ou francamente superado. Para alguns diretores tem sido um verdadeiro suplício encená-las. Mesmo tratando-se de uma obra consagrada em todos os tempos como “Casa de bonecas”. Apesar de tudo, conserva um bom traço de reflexão sobre a tragédia da família moderna, ainda agora atingida pelos mesmos problemas que são ali retratados. Os dramas conjugais continuam praticamente os mesmos da época em que Ibsen criou seus personagens.
Particularmente, achei o tema de “Casa de bonecas” meio insípido ou inverossímil. Carpeaux tem, por essa peça, ao que parece, especial simpatia, tendo sido ele, na sua performance na imprensa, um indisfarçável adepto de todos os movimentos libertários.
Mas mesmo esse valor emancipatório, que empreende Nora (a personagem de “Casa de bonecas”), me parece meio ilusório e até superficial, pois afinal de contas não se descobriu a fórmula da felicidade absoluta. Dizia Tolstoi – no romance Ana Karenina, que trata de questão semelhante – que “é um eterno equívoco se julgar que a felicidade  é a satisfação de todos os desejos”. Embora seja válida a forma pela qual Nora se bate pelos direitos da mulher. Porém, no plano filosófico puro, a discussão fica em aberto. Toda a peça, em suma, repousa, a meu ver, em falsas premissas e acaba, no fim, se tornando uma expectativa fraudada para quem espera colher dela uma receita infalível para vencer todas as dificuldades da existência, mesmo que tais dificuldades se restrinjam especificamente ao âmbito da família.
Não pretendo dizer que o teatro de Ibsen (como qualquer outro autor de seu ou de outros tempos, Bernard Shaw, Gorki, Pirandello, Gogol, Tennessee Williams, Arthur Miller e outros de escolas parecidas), esteja acabado. Há público para tudo.
Quem não gostaria de ver, nos palcos, novamente, Tonia Carrero interpretando Nora com sua classe, maestria e versatilidade de grande atriz? Não se perderia um tal espetáculo, embora as restrições que se lhe pudessem fazer de ser datado ou de não corresponder mais à linha desta época.
O teatro do absurdo, por sua vez, vai caminhando para o mesmo destino, não obstante Ionesco e Beckett serem ainda sucesso em qualquer palco do mundo, com foi o caso recente da encenação de “Fim de partida”, no teatro do CIC, com Edson Celulari e Cacá Carvalho revezando-se no papel de Clov e Hamm, num espetáculo de rara beleza cênica. 
Há quem pense que, dentro de mais algum tempo, o teatro será uma linguagem esgotada (como, de resto, a de outras expressões de arte). Ou a profecia da morte da arte é dada como certa. Mas a arte reagirá a todas as crises, renascendo das próprias cinzas como uma nova fênix.

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