Um dos mais fervorosos simpatizantes
da literatura de Graham Greene, que certamente estão espalhados, ainda agora,
pelo mundo todo, foi o escritor Holdemar de Menezes, que muitas vezes lhe fez referência
a amigos em
particular. Não foi nem uma nem duas vezes que o ouvi (nesse
tempo ainda não tinha nenhuma intimidade com Holdemar) referindo-se
elogiosamente a Greene. Outros de seus admiradores é um escritor e ensaísta
pernambucano, com quem, por acaso, fiz amizade faz uns tempos, Fernando
Monteiro, que há pouco me recomendou um livro do autor inglês, “O homem de
muitos nomes”, que considera uma obra prima.
- Um dia, dizia-me Monteiro numa
troca de cartas, se reconhecerá a grandeza de Greene.
Devo adiantar que não sou doutor em Greene. Falta-me
muito ainda para sê-lo. Ou para estar à altura dos conhecimentos que Holdemar
tinha e que Monteiro tem sobre o escritor. Li alguns poucos livros dele. E
talvez o maior de todos, que é sua obra prima consumada e assim reconhecida
pela crítica, é referente ao padre perseguido pela polícia mexicana, que traz o
título de “O poder e a glória”, que adquiri num restaurante de beira-de-estrada
, em Registro, numa viagem a São Paulo. Havia numa estante muitos livros e,
dentre todos, este me aguçou especialmente a curiosidade.
Eis algumas obras de Greene: “Fim de
caso”, que virou fita de cinema e das melhores, que narra a história de um trio
amoroso, em que Henry
trái seu melhor amigo com a mulher deste; “Expresso do Oriente”, que é uma bela
narrativa, envolvendo uma aventura de vários personagens numa viagem através da
Europa de trem. Há nesse livro um momento em que, para o personagem Savory, é
feita a seguinte pergunta:
- Qual sua opinião sobre a
literatura moderna, Joyce, Lawrence, tudo isso?
- Passará – disse o Sr. Savory,
prontamente, com o efeito de um epigrama.
Na opinião de Greene a literatura moderna
tenderia também a passar e autores como os citados não resistiriam a erosão do
tempo?
Bem, Joyce e Lawrence estão ainda
vivos e bem vivos, resistindo a todos os solavancos das mudanças de nosso tempo
para melhor ou pior.
Outro romance de Greene, “O
americano tranquilo”, não tem o mesmo peso dos dois precedentes, embora seja
uma história, para os admiradores de Greene, de bom teor literário.
Perdi esse livro em tantas mudanças
que fiz no curso da minha vida, como por igual razão outras obras primas se
extraviaram. Nunca mais pus os olhos nelas. Entre essas estava a novela referida.
Andei a sua cata, até porque um resenhista de jornal fez um trabalho excelente
em cima dela. Finalmente, encontrei-a em um sebo. Isso me causou uma grande
alegria (a recuperação de um livro muito estimado sempre é um motivo de euforia
para ledores) e voltei a lê-lo com o mesmo prazer da primeira vez.
Um livro um pouco (ou bastante) fora
da linha de clássicos do autor é “Dr. Fischer de Genebra ou a festa da bomba”,
muito ruim.
Numa livraria de uma cidadezinha do
interior encontrei “Monsenhor Quixote”, que me possibilitou algum deleite. Esse
Monsenhor tem algo de D. Quixote, de Cervantes, daí sua alcunha. Também achei
meio fraco “O terceiro homem”, que Orson Wells levou ao cinema, com ele e
Joseph Cotten, dando um bom filme. E de Greene foi só.
Quanto à vida pessoal de Greene, foi
um homem que viajou pelos quatro cantos do planeta. Todo mundo sabe, ou ao
menos quem lida com literatura, que Greene, quando moço, tentou matar-se.
Converteu-se ao catolicismo e, talvez, por isso, tenha escapado de dar fim à
própria vida. Era um mulherengo incorrigível.
Há quem diga que “Fim de caso” é
nada mais que uma história vivida por ele mesmo e que o personagem Henry é seu
alter-ego. Mas Greene, que eu saiba, nunca se referiu a isso. Ou nunca lhe foi
perguntado.
Foi jornalista ou correspondente de
jornais londrinos durante grande parte de sua existência. Com essa experiência
jornalística, adquiriu os instrumentos necessários para se lançar como
novelista. Greene foi também crítico de cinema. Viajando para o México como
repórter, colheu o tema para escrever “O poder e a glória”, que, na contra
capa, da minha edição, lê-se o seguinte comentário: “Durante um expurgo
anticlerical num dos estados meridionais do México, ele é caçado como uma
lebre. Humano demais para ser um herói, humilde demais para ser um mártir, o
pequeno e mundano “padre beberrão” é, no entanto, impelido em direção ao seu
esquálido calvário tanto por sua compaixão pela humanidade quanto pelos
esforços de seus perseguidores. Um abutre maléfico paira sobre esta moderna
história de crucificação, mas acima do abutre voa uma águia – a inevitabilidade
do triunfo da igreja”.
Greene pertenceu ao serviço secreto
inglês, o Foreign Office, durante certo tempo. Esteve, nessa condição, na Serra
Leoa, onde colheu dois temas para novas histórias (O Ministério do medo e o Centro
da Questão). Seus resenhistas dizem que, em sua obra, Greene buscou como uma
paixão as sendas misteriosas do pecado, do demônio e do inferno e das graças do
amor cristão.
Esperou sempre pelo Nobel, embora
haja quem diga que isso nunca esteve nas suas cogitações.
Outros escritores, com menor bagagem
ou até com menor importância, abiscoitaram o cobiçado prêmio. A Academia da
Suécia tem critérios estranhos. As três eminências pardas da literatura, Joyce,
Kafka e Proust também não foram lembrados. Proust talvez não pudesse recebê-lo
pelo fato de, a sua época, o prêmio não ter ainda sido instituído.
Dentre toda a obra de Greene,
avulta, sem dúvida, “O poder e a glória”. Garcia Marques foi lembrado para
ganhador do Nobel por causa de “Cem anos de solidão”. Teria sido o caso de José
Saramago com “O dia da morte de Ricardo Reis”. Juan Rulfo bem o merecia com
“Pedro Páramo”. Também foi muito estranho que a Academia não tivesse jamais
cogitado de conferir a láurea a Guimarães Rosa, cuja obra é, sem dúvida, da
mesma grandeza (ou superior) a de Garcia Marques. Borges também passou ao longe
na consideração do Nobel.
Tivesse ou não esperado pela
premiação, Greene a justificaria pelo conjunto de sua obra, mas principalmente
por seu romance “O poder e a glória”, que é um clássico em toda a linha.
Greene morou na suíça nos fins de
seus dias e ali encerrou sua trajetória. Há algumas biografias sobre sua vida
e, claro, obra. Não li nenhuma. O que sei dele é suficiente. Fiz duas leituras
de “Fim de caso”, um de seus melhores romances. O filme equivale ao livro.
Embora prefira o livro.
Ainda que sem ser contemplado com o
Nobel, Greene está colocado entre os maiores autores de todos os tempos. Em
2004, comemorou-se seu centenário de nascimento.
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