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Wednesday, August 3, 2016

A MERITÓRIA TRADUÇÃO DE "O CORVO" - Hamilton Alves



            Às vezes, um artista provinciano, desconhecido, alcança a glória com um pequeno e insuperável feito: a tradução de uma obra prima. Coincidentemente, trata-se de uma obra de poesia, o que a valoriza ainda mais. Porque traduzir já é uma pedreira, agora traduzir poesia envolve todo um artesanato mais apurado, maior sensibilidade, redobrado trabalho, cultura da língua original, etc.
            Várias personalidades literárias, em nossa língua, tentaram a tradução do grande e inexcedível poema de Edgar Allan Poe, mas nenhum logrou alcançar a perfeição e a beleza da de Milton Amado, um homem de província, colaborador de jornais e nem sei se tem obra publicada.
            Certamente, Milton (não o conheço pessoalmente) teve uma paixão à primeira vista por esse poema, conhecia (ou conhece) perfeitamente o inglês e para traduzi-lo, da forma como o fez, é evidente que deve Ter sido, para ele, um deslumbramento o primeiro contato com "O Corvo".
            Nada se sabe em torno da figura de Milton Amado. Há uma pequena referência numa antologia de traduções de Ivo Barroso, que resume todas as traduções, até as francesas de Mallarmé de Charles Baudelaire (que rezava todas as noites por Poe), a sua pessoa, feita num pequeno preâmbulo por Carlos Heitor Cony. Nada mais. Ninguém sabe se vive em minas, seu Estado natal, ou se já se foi desta para melhor. Viveu assim sempre ignorado de sua façanha misteriosa: a de Ter vertido para o português, melhor que qualquer outro, "O Corvo", essa maravilha metrificada e rimada, sobre a qual o autor escreveu uma "Teoria da Composição", em que amplamente fornece pormenores de como o conheceu e estruturou.
            É o maior poema de todos os tempos?
            Não conheço outro que reúna tanta beleza no que quer que se queira examiná-lo: ritmo, profundidade, perfeição e mais o que se queira acrescentar.
            Sabe-se que outros famosos autores de nossa língua tentaram traduzi-lo, entre os quais Machado de Assis, Gondim da Fonseca, Fernando Pessoa e mais dois outros, cujos nomes não me ocorrem.
            Mas a tradução de Milton ultrapassa a dos demais.
            E como explicar isto?
            Não há simplesmente explicação.
            A não ser que, como já dito, tratam-se dessas paixões avassaladoras de uma pessoa por um trabalho literário, por uma joia rara da poesia mundial, que sobre ele se aprofundou até ao máximo de suas possibilidades, colhendo toda a transcendência, grandeza, fulgurância, que poucos o igualam. Ou nenhum outro o iguala.
            Esta glória cabe a um homem de província, que, em seu anonimato ou em sua pouca importância, trabalhou nessa maravilhosa tradução com o esmero, o carinho e a delicadeza exigida de um ourives.


Setembro/02. 

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