Numa
resenha que escrevi para um jornal local sobre a poesia de C. Ronald, com base
em alguns poemas que publicou com seu livro “Ocasional Glup”, do qual recolhi
um poema que considero meu preferido, entre todos, que logo a seguir o
transcreverei aqui, disse que sua poesia é uma espécie de delírio. Acho que
essa palavra a define bem.
Também
me lembro de ter dito que, esgotado o repertório do dizer (ou dos dizeres), em
poesia, parece ter optado por uma via em que todas as coisas são ditas num
verso só, numa abrangência (digamos assim) cósmica. Como se pretendesse
encerrar tudo nele. Ou todas as coisas dizíveis ou indizíveis.
Para
se ter uma idéia dessa linguagem (ou nova linguagem) poética, segue o poema a
que me referi:
“o
destino deve encontrar o homem
para ser a alegria da festa
o banquete é servido
e dessa cena conhecida
o repetitivo alimento às vezes
concentra o inesperado
o sabor quebra a boca
e torna-se arrependimento
na noite que nos condena
mas nem tudo é
erro da cozinheira”.
Mandei esse poema (o Carlinhos não sabe disso),
junto com o de outro poeta pouco conhecido, de cujo poema gosto muito também,
para um crítico de arte, em Recife (Fernando Monteiro), com um senso agudíssimo
para crítica de poesia. Respondeu-me assim: “há duendes nesse poema”
(referindo-se a esse ora transcrito de Ronald).
Em seu mais recente livro, “Um lugar para os
dias” (título condigno de uma obra poética), Carlinhos volta a bisar (aliás,
não é novidade nenhuma) essa fórmula de abarcar um universo de coisas num só poema
e às vezes num único verso, como nesse que segue:
“Com mágica não se desmonta um camelo.
Reservei o sentido mais liso que possuo
para o teu sonho descer, tu que és leve,
que rejeitas o sinal da cruz na minha
maré, tu, sobra de arroz lançada
sobre Febo.
Na casa velha, apostando
na surpresa de muitas direções,
o sonho na pele de um astro mais ousado
estoura a sombra com pompa.
Tudo fica atrás do meu humor;
ele traz as labaredas se ficarem acesas,
hoje
rio ou choro nas paredes brancas do luar.
Há turno de esquecimento,
é preciso tirar a vida das gavetas.”
Quem se arrisca a uma fórmula poética tão
ousada, na tentativa de alcançar, através de sucessivas abstrações, níveis de
dizeres que estão inteiramente fora do alcance da lógica ou da razão?
Se o objeto do poema é justamente o de
devassar novos mundos de significados (ou de não significados), C. Ronald é um
dos poucos poetas que, sem dúvida, está (ou segue) nesse caminho desbravador.
(set/08)
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