Há
uma idéia corrente entre professores de literatura ou críticos literários
segundo a qual a narração convencional de início, meio e fim acabou.
Há dias, precisei consultar a novela
de Balzac, “O Pai Goriot”, e me deliciei com a leitura de uma dezena de páginas,
pronto para reencetá-la, tratando-se de um dos grandes momentos das letras do
século XIX e de Honoré de Balzac como escritor.
Que
delícia rever ou reencontrar os pensionistas da sra.Vauquer, na rue Sainte
Genovève, entre o Quartier Latin e o
Faubourg Saint-Marceau, com os inesquecíveis personagens, Vautrin, Poiret,
Rastignac, o próprio Goriot, cujo quarto é amplamente descrito por Balzac. Quanto
daria para morar num quarto assim!
Os
especialistas em literatura aludem que a descrição de ambientes ou de
personagens acabou na modernidade literária.
Exatamente
por isso, por essa específica qualidade dessa obra de Balzac e de outras tantas
de sua autoria, é que recorri a ela num desses dias para me certificar de cada
detalhe da pensão Vauquer, das pessoas que ocupavam o primeiro, o segundo e o
terceiro pisos e dos pensionistas eventuais, como era o caso de Bianchon, que a
esse tempo era estudante de medicina, e que veio a ser um dos figurantes de
maior projeção da obra balzaquiana.
Dizer-se,
por isso, que essa literatura narrativa e descritiva não tem mais lugar em nosso
tempo é uma tolice. Quem gostaria ou sequer admitiria que Balzac contasse sua
história - a de “O Pai Goriot” - diferente do que é?
Faça-se
essa pergunta para qualquer ledor contumaz, aos amantes de literatura, aos seus
apaixonados, para ver-se a opinião de cada qual. Notar-se-á que será predominante
ou quase unânime a opinião de que não haverá um só dentre os admiradores da
obra balzaquiana ou dessa novela, em especial, que jamais admitirá que tivesse
seguido a linha ou os moldes da atual literatura, que abandonou a descrição ou
os detalhes necessários para que o leitor entre na intimidade ou até mesmo no
convívio de personagens e ambientes de uma história.
No
meu caso, me sentiria profundamente descontente que fossem de tratamento
diferente as novelas consagradas, entre as quais se inclui essa, ou ainda
outras como “Madame Bovary”, “Ana Karenina”, para citar-se as maiores e de
maior projeção nas letras universais, que seguem o mesmo padrão descritivo ou
narrativo.
A
descrição é elemento altamente de valor em “O Pai Goriot”, sem o que como se
entrar naquele mundo único e extraordinário em que conviviam esses personagens
que marcaram para sempre a literatura mundial?
Os
escritores modernos primam pela escassez de descrição e de narração, entendendo
que a literatura deva seguir por uma linha de abstração ou predominantemente
literária, no sentido de que a história ou narração ou mesmo a descrição não
tenham mais lugar. Quem é que tem idéia de como era, por exemplo, Leopold
Bloom, personagem de Joyce, em “Ulissses”?
“Não
se pode mais regredir no tempo, à literatura passadista, de séculos atrás” – é
o refrão que constantemente se ouve.
Como
Balzac desmente essa teoria, atendendo aos pormenores, às coisas miúdas, de
como era a pensão da sra. Vauquer ou desenhando as figuras de um Vautrin, de um
Rastignac, de um Poiret e outros!
É
de tal forma fascinante o início dessa novela que me considero de novo
convocado a repassar essas mais de duzentas páginas de meu exemplar já tão
castigado pelo uso. E que a crítica vá plantar batata.
(agosto/08)
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