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Sunday, August 7, 2016

A NARRAÇÃO ACABOU? - Hamilton Alves



                        Há uma idéia corrente entre professores de literatura ou críticos literários segundo a qual a narração convencional de início, meio e fim acabou.
Há dias, precisei consultar a novela de Balzac, “O Pai Goriot”, e me deliciei com a leitura de uma dezena de páginas, pronto para reencetá-la, tratando-se de um dos grandes momentos das letras do século XIX e de Honoré de Balzac como escritor.
                        Que delícia rever ou reencontrar os pensionistas da sra.Vauquer, na rue Sainte Genovève, entre o Quartier Latin  e o Faubourg Saint-Marceau, com os inesquecíveis personagens, Vautrin, Poiret, Rastignac, o próprio Goriot, cujo quarto é amplamente descrito por Balzac. Quanto daria para morar num quarto assim!
                        Os especialistas em literatura aludem que a descrição de ambientes ou de personagens acabou na modernidade literária.
                        Exatamente por isso, por essa específica qualidade dessa obra de Balzac e de outras tantas de sua autoria, é que recorri a ela num desses dias para me certificar de cada detalhe da pensão Vauquer, das pessoas que ocupavam o primeiro, o segundo e o terceiro pisos e dos pensionistas eventuais, como era o caso de Bianchon, que a esse tempo era estudante de medicina, e que veio a ser um dos figurantes de maior projeção da obra balzaquiana.
                        Dizer-se, por isso, que essa literatura narrativa e descritiva não tem mais lugar em nosso tempo é uma tolice. Quem gostaria ou sequer admitiria que Balzac contasse sua história - a de “O Pai Goriot” - diferente do que é?
                        Faça-se essa pergunta para qualquer ledor contumaz, aos amantes de literatura, aos seus apaixonados, para ver-se a opinião de cada qual. Notar-se-á que será predominante ou quase unânime a opinião de que não haverá um só dentre os admiradores da obra balzaquiana ou dessa novela, em especial, que jamais admitirá que tivesse seguido a linha ou os moldes da atual literatura, que abandonou a descrição ou os detalhes necessários para que o leitor entre na intimidade ou até mesmo no convívio de personagens e ambientes de uma história.
                        No meu caso, me sentiria profundamente descontente que fossem de tratamento diferente as novelas consagradas, entre as quais se inclui essa, ou ainda outras como “Madame Bovary”, “Ana Karenina”, para citar-se as maiores e de maior projeção nas letras universais, que seguem o mesmo padrão descritivo ou narrativo.
                        A descrição é elemento altamente de valor em “O Pai Goriot”, sem o que como se entrar naquele mundo único e extraordinário em que conviviam esses personagens que marcaram para sempre a literatura mundial?
                        Os escritores modernos primam pela escassez de descrição e de narração, entendendo que a literatura deva seguir por uma linha de abstração ou predominantemente literária, no sentido de que a história ou narração ou mesmo a descrição não tenham mais lugar. Quem é que tem idéia de como era, por exemplo, Leopold Bloom, personagem de Joyce, em “Ulissses”?
                        “Não se pode mais regredir no tempo, à literatura passadista, de séculos atrás” – é o refrão que constantemente se ouve.                     
                        Como Balzac desmente essa teoria, atendendo aos pormenores, às coisas miúdas, de como era a pensão da sra. Vauquer ou desenhando as figuras de um Vautrin, de um Rastignac, de um Poiret e outros!
                        É de tal forma fascinante o início dessa novela que me considero de novo convocado a repassar essas mais de duzentas páginas de meu exemplar já tão castigado pelo uso. E que a crítica vá plantar batata.


(agosto/08)

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