Sempre
me deixei devorar pelo olhar brejeiro ou quirguiz de Clarice (limitei-me a
vê-la nos retratos), como era o olhar de Me. Chauchat, namorada de Hans Castorp
ou por quem este se apaixonou, em “A Montanha Mágica”. Acho que Chauchat e
Clarice tinham a mesma origem eslava. Daí o tipo de olhar que ambas tinham.
Clarice era uma mulher linda. Não admira que tivesse tantos homens que se apaixonaram
por ela em prosa, em verso e em pessoa.
Vinícius
Alves vem de fazer uma entrevista hipotética com ela. Aliás, muito bem feita,
aproveitando-se do que disse em seus livros.
Tudo
que li de Clarice resume-se a crônicas e contos. Fui ler, por sugestão de um
amigo, “A hora da estrela”. Não sei se foi Moacyr Scliar que disse que, se tivesse
que escrever um prefácio, gostaria de fazê-lo sobre esse livro.
Achei
a novela de Clarice uma coisa meio mal bolada.
Não
posso julgá-la como escritora, a não ser pelas crônicas e contos. Não vou falar
de suas novelas ou romances, não lidos por mim. Nem provavelmente vou lê-los. Tem
muita coisa enfileirada no meu interesse de leitura que é provável que não será
suficiente todo o tempo que lhe dedicar para esse fim.
Uma
pergunta que Vinícius lhe fez sobre se tinha medo da morte respondeu: “morrer é
ininterrupto”.
Só
uma pessoa dotada de um intelecto muito especial daria uma resposta dessas.
Outra
que lhe fez envolveu a questão do estranhamento. Disse: “Quando estranho uma pintura
aí é que é pintura; quando estranho a palavra aí é que ela alcança sentido;
quando estranho a vida aí é que começa a vida”. É outra resposta que mostra sua
versatilidade mental. Ou sua observação clara das coisas.
Se
pudesse lhe faria uma pergunta: “Quem é Clarice Lispector?”
Não
imagino sua resposta. Talvez nada dissesse. Ou saísse pela tangente. Daria ma
resposta enviesada. Ou escapista.
Uma
auto-descrição é sempre uma coisa subjetiva. Ou dificílima. Ou envolve grande
risco de faltar-se com a verdade.
Quem
somos?
Não
o sabemos.
As
pessoas de destaque como Clarice ou sem expressão, como a maioria dos seres
anônimos, que atravessam lado a lado por nós nas ruas, nada sabem a seu
respeito. No caso dela, revelava-se no que escrevia, como nessa entrevista
inventada pelo Vinícius.
Artistas
de um modo geral tem uma luz própria. São guiados por alguma forma misteriosa
de ver a vida e o mundo.
Claro,
são pessoas de carne e osso como todo mundo.
Mas
no contato com uma mulher como Clarice deve-se notar toda a diferença.
Suponho
que, mesmo na mais atroz banalidade que dissesse, em algum momento, produziria uma
experiência muito particular em qualquer um.
Toquinho
dizia que conviver com Vinícius de Moraes era uma benção. Certamente, Toquinho
expressava justamente esse deslumbramento de ter essa fonte de beleza
permanente que era Vinícius. Era um ser humano como outro qualquer, mas com
essa marca distinta, que fazia com que fosse único. Assim como devia ser o caso
muito particular de Clarice. A entrevista inventada por Vinícius é uma revelação
de sua maneira muito especial de ser. Ou de reagir ao fenômeno existencial que
nos toca a todos.
(julho/08)
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