Deolindo
era um gato. Ou, para ser mais preciso, era um gato velho desses que estão meio
cansados de bancar caçadores (ratos, pássaros ou outra coisa qualquer). Na
velhice, que se arrastava já por cerca de trinta anos, dava nítida mostra de
gostar de velhos cantos solitários ou então deitar-se perto de um fogão à lenha.
Seus
donos tinham por ele uma grande afeição, tanto é que Deolindo tinha liberdade de
andar por onde quisesse.
Era
um gato desses comuns, sem raça definida.
Comia
o restolho do almoço ou da janta. Que era posto num alguidar pequeno (era o
tempo ainda dos alguidares de barro). Deolindo tinha um que fora adquirido só
para ser depositada sua comezaima.
Deolindo
se mostrava particularmente feliz quando pintava restos de churrasco, que, nos
fins de semana, em geral, eram feitos por seus donos, trazendo amigos de longe.
Formava-se um grupo numeroso em torno de um assador. Deolindo ficava de longe,
só de olho, esperando a vez que bons pedaços sobrantes lhe fossem colocados no prato.
Os
garotos da casa lhe dedicavam muito carinho.
Deolindo
acostumou-se aos bons tratos.
No
fim das tardes (principalmente no inverno) recolhia-se próximo do fogão e dali
não se afastava, a não ser que fosse chamado para coisa muito especial.
Tirava
longas sonecas.
O
inesperado também acontece na vida de um gato.
Depois
de trinta anos bem vividos, houve um dia em que chegara à casa dos donos uma
legião de parentes, vindos não sei de onde, no meio dos quais havia uma petizada
que pintava o caneco e que logo pôs as unhas de fora, promovendo uma mudança
brusca nos hábitos da casa.
Deolindo
não viu aquilo com bons olhos. Esperava que os donos acabassem com aquela
algazarra.
Mas
qual!
Deolindo
sentiu em perigo sua incolumidade. Até deitar-se perto do fogão, durante as
tardes ou no começo da noite, evitava.
Nesse
período, perguntava-se por onde andava Deolindo. Com medo dos peraltas escondera-se.
Fora para um galpão, recolhendo-se a um canto qualquer. Ali estava não só
seguro, mas em paz.
Caiu
na desgraça de ocupar certa tarde seu canto predileto. Agarrou-o, de-repente,
um moleque daqueles. Jogou-o no meio da cachorrada.
Deolindo
sentiu-se perdido.
Evitou
o ataque dos cães enfurecidos.
Mas
foi dominado facilmente por dois ou três, que o estraçalharam.
E
assim, nesse dia fatídico, Deolindo apareceu hirto, com um filete de sangue na
boca, para desconsolo de seus donos, que lamentaram muito o fato.
Chegava
ao fim a história de um velho gato, que era pacífico de natureza. Tanto amava ficar,
nas noites frias, ao lado de um fogãozinho à lenha. Termina
aqui esta triste história.
Quem
quiser que conte outra.
(junho/08).
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