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Tuesday, October 25, 2016

DEOLINDO - Hamilton Alves



                                   Deolindo era um gato. Ou, para ser mais preciso, era um gato velho desses que estão meio cansados de bancar caçadores (ratos, pássaros ou outra coisa qualquer). Na velhice, que se arrastava já por cerca de trinta anos, dava nítida mostra de gostar de velhos cantos solitários ou então deitar-se perto de um fogão à lenha.
                                   Seus donos tinham por ele uma grande afeição, tanto é que Deolindo tinha liberdade de andar por onde quisesse.
                                   Era um gato desses comuns, sem raça definida.
                                   Comia o restolho do almoço ou da janta. Que era posto num alguidar pequeno (era o tempo ainda dos alguidares de barro). Deolindo tinha um que fora adquirido só para ser depositada sua comezaima.
                                   Deolindo se mostrava particularmente feliz quando pintava restos de churrasco, que, nos fins de semana, em geral, eram feitos por seus donos, trazendo amigos de longe. Formava-se um grupo numeroso em torno de um assador. Deolindo ficava de longe, só de olho, esperando a vez que bons pedaços sobrantes lhe fossem colocados no prato.
                                   Os garotos da casa lhe dedicavam muito carinho.
                                   Deolindo acostumou-se aos bons tratos.
                                   No fim das tardes (principalmente no inverno) recolhia-se próximo do fogão e dali não se afastava, a não ser que fosse chamado para coisa muito especial.
                                   Tirava longas sonecas.
                                   O inesperado também acontece na vida de um gato.
                                   Depois de trinta anos bem vividos, houve um dia em que chegara à casa dos donos uma legião de parentes, vindos não sei de onde, no meio dos quais havia uma petizada que pintava o caneco e que logo pôs as unhas de fora, promovendo uma mudança brusca nos hábitos da casa.
                                   Deolindo não viu aquilo com bons olhos. Esperava que os donos acabassem com aquela algazarra.
                                   Mas qual!
                                   Deolindo sentiu em perigo sua incolumidade. Até deitar-se perto do fogão, durante as tardes ou no começo da noite, evitava.
                                   Nesse período, perguntava-se por onde andava Deolindo. Com medo dos peraltas escondera-se. Fora para um galpão, recolhendo-se a um canto qualquer. Ali estava não só seguro, mas em paz.
                                   Caiu na desgraça de ocupar certa tarde seu canto predileto. Agarrou-o, de-repente, um moleque daqueles. Jogou-o no meio da cachorrada.
                                   Deolindo sentiu-se perdido.
                                   Evitou o ataque dos cães enfurecidos.  
                                   Mas foi dominado facilmente por dois ou três, que o estraçalharam.
                                   E assim, nesse dia fatídico, Deolindo apareceu hirto, com um filete de sangue na boca, para desconsolo de seus donos, que lamentaram muito o fato.
                                   Chegava ao fim a história de um velho gato, que era pacífico de natureza. Tanto amava ficar, nas noites frias, ao lado de um fogãozinho à lenha.                                                 Termina aqui esta triste história.
                                   Quem quiser que conte outra.

(junho/08).                             


                        

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