Há
uma frase de Edmund White, que escreveu uma pequena biografia de Proust, que
diz o seguinte: “O amor de Swann por Odette não era um tributo à alma dela; a
alma dela era banal”.
Acho
que Proust não endossaria essa frase.
À
margem desse pensamento, anotei: “a grande paixão é uma doença, ignora tudo,
passa por cima de tudo. Dane-se a alma; que seja banal pouco importa”.
Quando
uma pessoa ama ou se apaixona, não há outra consideração a fazer ou outra
qualquer coisa a ser levada em linha de conta que
não seja exclusivamente o objeto dessa paixão (ou a pessoa envolvida).
Psicólogos
já o afirmaram, com muita razão, que a paixão é uma espécie de patologia da
alma, que cega, a tal ponto que tudo é deixado de lado, seja o que for, para
dar lugar unicamente a esse sentimento avassalador.
O
caso de Swann em relação a Odette de Crécy não é único nem mesmo em termos
literários. A paixão mais obsessiva de um homem por uma mulher foi de Phillip
por Mildred na magnífica novela “Servidão Humana”, de Sommerset Maughan, em que
um homem altamente qualificado, estudante de medicina, amante das artes, de uma
alta linhagem, empolga-se por uma balconista de um “pub” londrino. No primeiro
encontro que teve com ela, admirou-se que um amigo, que o levara a esse “pub”,
tivesse enamorado dela. Ou revelasse simpatia por ela. Achou-a sem encanto algum
que justificasse o interesse do amigo por ela. Pouco tempo depois, cai no mesmo
alçapão, atraído não por Mildred, mas pelo local, que lhe pareceu aprazível.
Nessa ocasião é ela que lhe vem atender. A partir de então se estabelece uma
relação com Mildred da qual Phillip consegue se desvencilhar, mas a que preço!
Os
atos de baixeza moral que Phillip incorre nessa relação são incompatíveis com
qualquer criatura que tenha o mínimo senso de dignidade. Ou de amor próprio.
Mas se submete a todas as exigências, a todas as provas de vilania de Mildred.
Sentia que, sem ela, não era capaz de continuar a existir. Chegou a ponto de
querer se suicidar, como forma de escapar aos seus tormentos.
Submeteu-se
até ao patrocínio de uma viagem que faria com outro amante, sabendo que não sentia
nada por ele. Esse amante (ou presumido tal) vinha a ser amigo de Phillip. Fora
por intermédio deste que veio a ter contato com Mildred.
Quem
é que vai cogitar se Mildred ou Odette eram portadoras de almas banais?
Que
fossem banais. E daí?
Até
o detalhe de uma mulher ser possuidora de uma alma banal piora o quadro do
homem que se apaixonou por ela. A paixão torna-se, parece, ainda mais
incontrolável.
Ao
apaixonado o aspecto da banalidade de uma mulher lhe é tão indiferente quanto
sua própria sombra.
Odette
de Crécy e Mildred retratam bem até onde uma mulher pode levar um homem à loucura.
(maio/08)
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