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Sunday, July 24, 2016

A ENTREVISTA DE KARL - Hamilton Alves


                                    Fernando Karl apresentou uma entrevista que é digna de figurar neste blog Lesma-Lerda, do Vinícius, (ia dizer que é digna de figurar nas grandes revistas e jornais, mas que diabo!, que diferença abismal existe entre um e outros?). A imprensa convencional tem suas regras. Lesma-Lerda (não sei se vocês já notaram) segue outro caminho, abrindo espaço para gente de talento, que, em geral, está fora de circuito ou das ditas regras.
                                   Karl entrevistou em 2002, como ele conta a escritora Hilda Hilst, detentora de vários prêmios literários. Mas danem-se os prêmios, que nem sempre contemplam os bons escritores. Não vou falar da qualidade da entrevista. Seria supérfluo dizer que se trata de uma entrevista dessas que se guarda num relicário para  a ler sempre, que levanta em cada um de nós, leitores, algo que jaz fenecido ou que nos faz de alguma forma estremecer ou deslumbrar pelas palavras que se captam aqui e ali, cheias de alguma coisa nova e luminosa, que uma mulher com sua experiência de vida (e a liberdade pessoal de viver) consegue nos tocar, como o fato, por exemplo, de ter procurado Marlon Brando em Paris para conhecê-lo. Bem, depois de “O último tango em Paris”, de Bertolucci, em que Brando excedeu-se na arte de representar, com uma espontaneidade incomparável, quem não desejaria encontrá-lo um dia ao acaso para lhe apertar a mão simplesmente ou lhe dar um abraço ou idiotamente ficar admirando-o a sua passagem, com aquele jeito meio moleque de andar?
                                   Talvez não tivesse sido a melhor resposta, mas registrei a seguinte a uma pergunta do Karl: “Há momentos que você viveu a perfeição, a beleza, e existe uma nostalgia dentro de cada um de nós, que seria Deus, o inominado. Penso que o homem tem a nostalgia da santidade, da perfeição, da luz”.
                                   Não digo que essas palavras soem novas aos meus ouvidos, pois esse tema tem sido objeto de minha busca no significado das coisas todas que nos cercam, numa flor, num por de sol, na sombra, numa folha, num pássaro, num peixe, enfim, em tudo que compõe a vida para apurar minha percepção do mundo, numa espécie de culto à noese.
                                   Agora mesmo, leio esse homem também perseguido por essa obsessão de procurar a beleza que se entranha em tudo, que é um reflexo de uma beleza original, a beleza suprema – Ernesto Sábato, com seu livro há pouco lançado  – “Resistência” – em que, em certos momentos, algo parecido com o que Hilst diz descobre-se em alguns trechos dessa pequena obra.
                                   Qual é a criatura despojada de ânimo e de sentimentos, como Hilst o revela que ouse dizer que, quando encontrou Brando, em Paris (recebeu-a muito bem, trocaram algumas poucas palavras), pretendia dormir com ele. Marlon (diz ela muito frustrada) teve outra opção, estranha para ela, mas afinal era uma opção e opções não se discutem, por mais absurdas que possam nos parecer.
                                   Como Fernando deixa perceber nessa entrevista, Hilst era uma mulher belíssima a esse tempo. Era mais uma no vasto acervo de Brando. E mais uma, menos uma pouca diferença fazem.
                                   Nunca a li, o que sem dúvida é uma perda para mim.
                                   Uma que outra vez me defronto com seu rosto envelhecidamente bonito, que revela uma vida interior intensa.
                                   Nas poucas coisas que diz nessa entrevista descobre-se com muita clareza o ser humano Hilda Hilst, que pauta sua vida por padrões e códigos que, no primeiro momento, surpreendem, mas que revelam sua distinção. 
                                   O que se sente é que procura acender uma luz para que sintamos “a nostalgia da santidade e da perfeição”.
                                                                      
   (maio/08)


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