voltando a expor uma série de quadros de sua última produção, o maior “fauvista” catarinense revela um momento apoteótico de sua arte.
Antes que os trinta (serão trinta ou mais?) quadros que estão sendo apresentados ao público no saguão do Banco do Desenvolvimento do Extremo Sul aparecessem, Tércio me convidou para vê-los numa preliminar, em sua casa, no Caminho dos Açores. Alguns ainda estavam em fase de acabamento. Um deles quis adquirir mas disse que não podia vendê-lo, primeiro porque o lançaria nessa exposição e, segundo, porque não se encontrava ainda concluso.
Foi
então que, admirado, lhe indaguei:
-
O que falta para concluí-lo?
-
Alguns detalhes. – disse-me ele.
-
Esse quadro está pronto, não precisa que se acrescente mais nada nele. Se você
fizer isso acabará por estragá-lo.
Mas
Tércio riu e o fato é que, voltando a ver o quadro na exposição agora, notei
que, em grande parte, tinha razão. Não há dúvida que o melhorou bastante.
Tércio
sempre seguiu uma linha “fauve” (fera em francês). Mas por que “fera”? Porque
os “fauvistas” são exuberantes nas cores. Tércio é o maior colorista dentre
todos os pintores catarinenses. Quem o afirma não sou apenas eu. Harry Laus,
que foi um dos mais catagorizados críticos de arte na imprensa brasileira
(militou por vários anos nos jornais do Rio, mantendo uma coluna apreciadíssima
no extinto “Correio da Manhã”), dizia-o muitas vezes.
A
pintura de Tércio é característica. Ninguém pinta igual a ele, ou seja, no seu
estilo pessoalíssimo. Tem uma marca própria. Ou seria o mesmo que dizer: tem
uma luz só dele.
O
que surpreende nos quadros que ora expõe são os detalhes “supérfluos” e que não
prejudicam, antes tornam-nos mais originais ainda. Por exemplo: a fixação em
reproduzir a imagem na maioria dos seus quadros da “Ponte Hercílio Luz”, que é
a mais bela imagem da ilha. Em sua casa, no primeiro contato com esses mesmos
quadros, lhe disse francamente:
-
Tércio, tira a ponte. Para que essa ponte?
Aí
me deu uma explicação em torno de incluir a ponte em suas telas. E agora,
percebendo-a na mostra, dou-me por convencido que é um detalhe que se casa
muito bem ao restante das imagens, configurando um cenário tipicamente ilhéu.
Cito o caso, por exemplo,
de que nenhum pintor ousaria reproduzir um “surfista” num quadro. Seria de
pronto taxado de superado, obsoleto, decadente, coisas desse tipo. Pois numa
das telas das trinta expostas no BRDE há uma em que reproduziu essa imagem que
muitos haverão de considerar imprópria. Mas até mesmo “o surfista”, na atitude
característica de surfar uma onda, não prejudicou essa tela; pelo contrário,
para repetir um lugar comum, inseriu-se bem no contexto.
Venho
acompanhando há anos a atividade artística de Tércio.
Dir-se-á
que se repete ou que não evoluiu ou que pinta sempre o mesmo quadro.
Digamos
que essa crítica possa Ter alguma procedência. Mas no caso específico de
Tércio, a repetição só prova que não abandona sua linha tradicional, do mesmo
modo como os grandes nomes da pintura brasileira o faziam: Guignard, Pancetti,
Volpi, Di Cavalcanti, Tarsila, etc. Quem olhar para uma tela de um desses
pintores será levado a dizer a mesma coisa. Contudo, em cada quadro, vê-se o
mesmo quadro, sem dúvida, mas outro. Ou seja, uma nova concepção do mesmo trabalho
precedente.
Como
ocorreu com um artista da marca de Aldemir Martins. Certa vez, em São Paulo,
quando entrei numa sapataria na Barão de Itapetininga, vi numa vitrine um
quadro de Aldemir. Tratava-se de um “croquis” figurando uma sapataria, mostrando
o sapateiro com um martelinho batendo no salto de um sapato, com outros
detalhes.
De
pronto, identifiquei-o.
Trazia,
infelizmente, uma parte coberta, (mas transparente) com um pano. E, no rodapé
da tela, lia-se a assinatura do pintor.
Há
outros detalhes envolvendo esse episódio mas não é hora de narrá-los. Atenho-me
ao fato de, com Tércio, a mesma coisa ocorre: para reconhecer-lhe a autoria de
um quadro é simples. É a tal luz própria a que me referi.
Comparecendo
a sua “vernissage”, disse-me que tem um convite para levar essa exposição a
“Manhattan”, em Nova York. Acredito que é hora de os pintores cantarem noutra
freguesia. Em geral, as pessoas aqui não têm cacife para bancar a aquisição de
uma obra de arte. Os americanos são apaixonados por arte. E, além disso, têm
dinheiro. Em geral, o investem na aquisição de quadros. Basquiat, um pintor
modesto, fez furor nos EUA. Basquiat, quando estava no auge, com o nome
projetado internacionalmente, vendendo bem, morreu de overdose de cocaína. A
pintura dele não tem condições de se comparar à do Tércio. Por que Tércio não
poderá ser igualmente bem sucedido nos “states”?
Comentei
para amigos, sobre a prometida exposição do Tércio em “Manhattan” (desses
quadros que ora exibe no BRDE), que voltará de lá, provavelmente, forrado de
dólares e sem um único quadro desse acervo de trinta. Tivesse mais trinta desse
nível, vende-los-ía todos.
A
pintura, de todas as atividades artísticas, entre nós, sempre se alçou a um
nível de grande importância. Temos pintores do nível de Vitor Meirelles,
consagrado mundialmente, de Martinho de Haro, de Hassis, de Eduardo Dias, de
Hely Heil, cujas obras já há muito romperam nossas fronteiras.
Temos
ainda Rodrigo de Haro, seguindo também uma linha muito própria, Vera Sabino,
Semy Braga, Juarez Machado, Pléticos, muito bons, Vecchietti, outro artista
plástico de extraordinário talento, Janga, Mayer Filho, com seus galos
exuberantes, Jair Platt, grande nome, e outros.
A
pintura, portanto, tem esses grandes cultores.
A
literatura catarinense, sem dúvida, disputa um grande páreo com a pintura.
Difícil, neste momento de nosso desenvolvimento cultural, dizer qual das duas
desponta à frente.
Precisamos
comemorar (ou bememorar), Tércio, a tua belíssima mostra.
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