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Saturday, July 30, 2016

A FALTA QUE JOSÉ CARLOS OLIVEIRA FAZ - Hamilton Alves


Não falo de Rubem Braga, de Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Antonio Maria, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, como cronistas (estes dois últimos grandes poetas, talvez os maiores deste país), aos quais há uns anos passados costumava ler em jornais, revistas, em livros exclusivos ou antologias (guardo algumas dessa época e desses autores, como relíquias literárias, e às quais sempre recorro para matar saudades ou para rememorar páginas que me são muito caras) mas especialmente de José Carlos Oliveira, que não tive a felicidade de conhecer em tantas vezes em que estive no Rio, na mesma época em que tinha uma coluna permanente no Diário Carioca, que era um dos jornais mais simpáticos que por lá se editava e do qual, por causa de Carlinhos, era eu ledor.
Carlinhos deixou alguns livros de crônicas. Tinha um único, "Os Olhos Dourados do Ódio", que não sei até hoje onde foi parar ou se o emprestei e não mo devolveram, essas coisas que acontecem com livros preciosos que se emprestam e que não nos voltam nunca mais às mãos.
Nesse livro, havia uma crônica que particularmente me tocou. Creio já Ter referido em outra oportunidade essa história. Carlinhos falava de um apartamento em que morava no Rio e que, a partir de certo momento, tem que se mudar dele. As mudanças às vezes se tornam dramáticas. Em geral, a pessoa se liga muito por vários motivos ao local onde mora, onde se acostumou a Ter seu canto predileto, até sua rua ou aspectos da paisagem pelos quais se familiariza ou se torna íntima ou se habitua e, por causa desse enraizamento, as mudanças são sofridas.
Pois no dia em que se viu compelido a mudar-se para outro lugar, Carlinhos já havia reunido todos os seus pertences, melhor dizendo, suas bugigangas. E, no derradeiro momento de fechar a porta atrás de si, lembrou-se de Ivone. Este, no dizer dele, foi o momento mais emocionante. Ivone? Quem era Ivone? Pois Ivone era ninguém mais nem menos que uma baratinha, à qual o cronista se afeiçoara durante todo o tempo em que morou nesse local, a quem estava acostumado encontrar quando, em madrugadas seguidas, chegava ali às vezes bêbado, cansado, decepcionado e tantos outros estados semelhantes - e a baratinha sempre o recebia ou o acolhia em seu canto.
Pois, antes de deixar o apartamento, Carlinhos voltara-se para dentro dele, na intenção de descobrir por onde andava Ivone para despedir-se condignamente dela. A partir daquele momento, a separação seria irremediável. E isso lhe trazia um pouco de tristeza. Não a achou por mais que fiscalizasse os cantos do apartamento.
Mas quando de novo voltou-se à porta, de malas à mão, sabedor que era seu último momento de convívio com todas as coisas que ali tinham existido, teve uma última palavra de despedida: "adeus Ivone".
O fato de, hoje, reconhecer que não há mais como ler José Carlos Oliveira, que nunca mais encontrarei em qualquer órgão da imprensa uma crônica escrita por ele, me dá a íntima convicção de que o mundo, sem dúvida, se empobreceu. Só me resta ainda um único livro dele, que me foi dado de presente por um amigo, Iaponam Araújo. O que me permite um reencontro com as belas crônicas do Carlinhos.



Setembro/02.

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