A
esse tempo, morava em
Camboriú. Sempre fui frequentador de bancas de jornal (principalmente
de bancas de jornal com livros). Em geral, visitava-as à noite. Saía para
espairecer e meu destino, por invencível atração, eram esses locais.
Lembro-me
da ocasião em que me ardia o desejo de ler alguma coisa que me despertasse vivo
interesse. Ou concentrasse minha atenção, Sentia-me exaurido pelos estudos
específicos da profissão. Havia necessidade de alimentar o espírito com coisas
abstratas, que não me exigissem aprofundamento maior. Que me permitissem,
enfim, uma fuga de mim mesmo. Só a poesia poderia me proporcionar tal estado. O
poema traz a chave da libertação. Dá asas à mente.
Mas
não tinha ilusões: a maioria das obras que via diariamente entulhadas às
estantes era de conteúdo pouco atraente.
Mas
nessa noite minha busca foi mais bem sucedida. Mexi, remexi, vasculhei,
procurei, devassei todos os escaninhos das numerosas estantes e, súbito,
encontrara uma jóia, com o título de “Poemas”, de autoria de Wallace Stevens,
sobre quem nunca ouvira sequer uma única referência.
Dessa
coleção havia já adquirido obras de outros poetas.
Embrulhado o
livro, efetuado o pagamento, saí com ele sem ter a mínima idéia da qualidade da
aquisição que fizera. Bastava-me saber que se tratava de um poeta, que iria
conhecer e avaliar o conteúdo de seu trabalho. Mas me pesava a crença de que
não me agradariam os poemas de Stevens. O nome (tudo às vezes é uma questão de nome)
não me impressionara bem. Não era um nome que me convencesse de se tratar de um
bom poeta.
-
Wallace pode ser nome de cientista, mas não de poeta. - dizia-me com meus
botões.
Não
dei logo trato ao livro de Stevens.
Joguei-o
num canto com o jornal que comprara. E ali ficou até o dia seguinte. Para ser
mais exato, ficou uma semana sem lhe botar a mão. Ou sequer abri-lo por
curiosidade.
No
dia em que resolvi, por fim, tirá-lo do papel em que estava embrulhado, nessa
operação que tanto me agrada, semelhante ao ato de se desvestir uma mulher, a
primeira coisa seguinte que fiz foi ler o excelente prefácio do tradutor Paulo
Henriques Britto, que bem mais tarde vim, a saber, que era também poeta.
O
prefácio de Britto é uma verdadeira aula de poesia.
De
certo modo, guia o leitor para conhecer o caminho que vai percorrer na leitura
dos poemas de Stevens. É uma espécie de “overture”. Ou itinerário.
Quase
sem perceber (ou percebendo mal e mal) cheguei ao poema máximo de Stevens, que
me inundou de beleza instantaneamente: “O homem do violão azul”, que passou,
desde então, a ser uma espécie farol na neblina de meus dias insípidos e
incolores, no modorrento exercício de ir de casa para o trabalho, do trabalho
para casa. Esse poema passou a atuar, em
meu espírito, como uma bússola estética. Ou provocou-me uma revolução no âmbito
de minha visão de beleza.
Foi
um renascimento.
Comecei
a mandá-lo a amigos e nem sempre recebi destes (só raríssimas vezes) a
contrapartida da impressão fortíssima que me causara.
Desde
então, procurei me informar sobre o homem Wallace Stevens. Descobri,
resumidamente, que era um simples diretor de banco, extremamente reservado,
levando uma vida pacatíssima.
Como
convém a um grande poeta.
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