De
meus contos há um que me agrada mais que todos por causa do personagem, que não
é nomeado nem muito menos identificado pela outra, Clara, uma prostituta que,
na noite do Natal ou véspera, ficara em casa sozinha. As demais colegas tinham
ido para as suas cidades ou locais onde tinham família passar a data natalícia.
Clara, sem ninguém no mundo que se lembrasse de ter alguma ligação, ainda que
longínqua, com ela, teve por isso que amargar a solidão na noite natalina.
Mas
qual não foi sua surpresa quando, na noite anterior ao Natal, um sujeito bate à porta, sob um aguaceiro
muito forte.
Abre-a.
Nota que está todo encharcado.
Entra.Vai
desvestindo a capa gabardine, que coloca no encosto de uma poltrona, na mesma em que Clara estivera
sentada. Inicia-se entre ambos um diálogo, que marca bem a condição de dois
solitários, mais ou menos extraviados no mundo, sem nenhum ente a quem recorrer
ou procurar contato para obtenção do mínimo de calor humano.
Clara
lhe pergunta, de saída, se quer beber alguma coisa quente.
-
Quente? – pergunta ele.
-
Sim, você está todo molhado, isso pode lhe causar um resfriado.
-
Tem uisque?
-
Tem.
-
Então sirva-me uma boa dose com duas pedrinhas de gelo.
- Clara se afasta até a uma cômoda de onde traz um litro de uísque com um pequeno balde de gelo para que o homem se sirva à vontade.
- Clara se afasta até a uma cômoda de onde traz um litro de uísque com um pequeno balde de gelo para que o homem se sirva à vontade.
-
Não tem ninguém em casa, só eu. - diz Clara.
-
Curioso (diz o homem) só nós dois numa noite dessas reunidos aqui. Onde foram
as outras?
-
Foram passar o Natal com as famílias.
-
Por que não fez o mesmo?
À
pergunta reage com um muxoxo.
-
E você tem uma família?
-
Boa pergunta? E você?
-
Todos de alguma maneira temos uma família. Todos nascemos de uma mulher.
-
Sim, você tem razão.
-
Como descobriu esta casa? – quer saber Clara.
-
O gerente do hotel me disse que aqui poderia encontrar uma garota.
-
Ah, sim, compreendo.
A
seguir, o homem a convida para dançar. Mas Clara não sabe dançar. Convida-a
para sair sob a noite tempestuosa. Alude ao fato de que, àquela hora, com a
chuva, difícil encontrar algum lugar aberto.
O
homem já ingerira, segundo Clara o notara, quase meio litro de uísque. Por
isso, revelava-se meio bêbado.
-
Que presente você gostaria de ganhar no dia de Natal? -pergunta-lhe mudando o
tom da conversa.
Clara
lhe responde quase sem muito refletir:
-
Uma boneca?
Aprontando-se
para sair, colocando a gabardine, o homem diz-lhe:
-
Amanhã você estará aqui?
-
Sim.
-
Pois amanhã lhe trarei uma boneca de presente.
No
dia seguinte, Clara o espera longa e inutilmente. Pega o mesmo litro de uisque
deixado pelo homem a meio e o ingere de um só gole. Adormece na poltrona. De
manhã, acorda-se, estremunhando. Vai ferver água para o café. Liga o rádio. O
noticiário informa que num hotel da cidade fora encontrado um homem morto,
suspeitando-se que se suicidara.
(agosto/08)
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