Antes
que me proponha a compor estas considerações sobre “As confissões de Lúcio”,
que de certo modo tem a ver com o romance “A Confissão de Lúcio”, de Mário de
Sá-Carneiro, único produzido por ele, porque foi poeta sempre na sua curta
existência tragicamente encerrada com o suicídio, devo explicar como se deu
minha aproximação de Fernando Monteiro, o escritor pernambucano.
Li
um poema muito bom dele no encarte “Mais” da “Folha de S. Paulo”. Gostei tanto
do poema que entrei em contato com a redação do jornal para saber o modo como
poderia chegar até ele. Dois dias depois foi o próprio Monteiro que, para minha
surpresa, me telefona perguntando-me sobre meu interesse de contato com ele. Expliquei-lhe o motivo. A
partir daí começamos a nos comunicar eletronicamente sempre que aparecia uma oportunidade.
Tem me animado muito em minhas incursões literárias, não só quanto a uma novela
que compus, “O romance de Borges”, como sobre alguns poemas que raramente lhe mando,
um dos quais há pouco, ao qual não atribui grande valor e me fez um comentário
bastante generoso de seu conteúdo poético.
O
tempo rolou. Mandou-me essa novela, “As Confissões de Lucio”, faz um tempo. Sou
um homem que lê, em média, dez livros de
uma vez só. Hábito péssimo de que não consegui ainda largar
mão. Mas sei que há outros loucos assim.
Voltamos
a falar há pouco não me lembro mais
sobre que tema. Quando de novo aflorou uma referência a tal novela. Estava
encetando, nessa altura, uma releitura de “O vermelho e o negro” (várias
tentativas já feitas até agora infrutíferas), quando lhe prometi:
-
Olha, Fernando, vou largar tudo para ler teu livro.
A
não ser o poema a que me referi não tinha lido nada dele.
Em resumo: a narrativa envolve um
personagem: um escritor, Lúcio Graumann, nascido em Cruz Alta , Rio Grande do
Sul, cujos livros nunca despertaram a menor atenção de resenhistas, não obstante
o fato de ter sido autor de quatro ou cinco editados pela LP & M, de Porto
Alegre. Casos semelhantes se registram ao longo da história de outros autores
que igualmente foram preteridos com boa bagagem literária.
O
fato é que a Academia da Suécia anunciou que lhe havia conferido o prêmio Nobel
de literatura, o que pegou toda a opinião pública de surpresa, causando um
alvoroço geral na indiferença e burrice tupiniquim, como tem sido de rotina.
Graumann, porém, vem a morrer onze dias antes de receber o prêmio.
Graumann
tem um amigo, Mauro Portela (o narrador do livro), que também, por sua vez, é
alcançado fortemente por essa morte do amigo e da sua não menos espetacular
projeção no plano mundial das letras, constituindo-se no primeiro escritor
brasileiro a abiscoitar o tão cobiçado laurel.
A
partir desse fato desandam-se outros, que Fernando Monteiro conduz com perícia
inigualável, não só no que diz respeito à composição desse drama trágico como
do envolvimento que passa a ter com o
espólio de Lúcio, que, no fim, junto com os poucos haveres que deixara, somados
ao valor do prêmio, vem a ser disputado por um primo, judicialmente. Quanto ao acervo literário, vem a desaparecer de
uma caixa que até então vinha sendo confiada à guarda de Márcia, a qual desposara,
depois de estuprada , aos onze anos, por um tio, Alfredo, homônimo do patrocinador
do prêmio sueco, Alfred Nobel.
Trata-se
de uma trilogia, envolvendo “O Grau Graumann”, editado pela ”Francis”, de São Paulo,
e de uma terceira , “A intrusa na
sombra”, ainda inédito, que deverá sair também sob a chancela da “Francis”,
que, acredito, no remate, pretende projetar luzes sobre os dois anteriores.
Lúcio
é um escritor estranho, uma espécie de “out-sider”, para quem o convívio não
faz bem nem muito menos alimenta qualquer ilusão com sua obra – e isso fica
muito claro quando os dois (Portela e ele, Lúcio) se encontram em Curitiba na
suposição de que tomariam rumos diferentes, mas acabam viajando no mesmo avião.
Sendo amigos, um pouco estremecidos pelo plágio de Lúcio de um livro de
Portela, jornalista de profissão, inevitável que, a partir de instalados no
avião, ocupando poltronas próximas, travem um diálogo de encontro/desencontro,
quando Lúcio pergunta
a Mauro sobre um livro dele. Mauro lhe responde que não gostou. Lúcio
espanta-se com essa opinião e insiste em saber: - Mas você não gostou de nada?
– De nada, diz-lhe Mauro. – Achei o
livro falso. – acrescenta. – Falso? Eu acho
que é meu livro mais verdadeiro.
Em
Curitiba, os dois desembarcam para surpresa de Mauro, pois presumia que
Graumann fosse para Londrina.
A
despedida de Lúcio resume-se em: “A gente se vê por aí”.
Portela
julga que Lúcio fosse comparecer ao local em que daria uma palestra. Mas no
decorrer dela não descobre o amigo em parte alguma. Fica remoendo esse fato.
Lembrava-se que ainda teve tempo de olhar Lúcio afastando-se no espaço do
aeroporto, carregando sua mala, sozinho nos seus pequenos e grandes mistérios.
É
impraticável trazer para esta resumida resenha
outros detalhes dessa narrativa, envolvendo um esquisito escritor
ganhador do Nobel de literatura, sem qualquer projeção anterior nas letras
nacionais. Caso único. O prêmio é referido a 2001 em que o ganhador, na
realidade, foi V.S. Naipul.
Mas
o que importa ressaltar, sobretudo, é que Fernando Monteiro consegue realizar
um grande feito na composição dessa novela, a ponto de lhe ter dito (pouco
antes lera “Neve”, de Orham Pamuk, o Nobel deste ano - 2006), que recolhera
maior prazer de ler seu livro do que o do nobelizado turco, embora isso possa
parecer um pouco exagerado.
Na
verdade, é a minha opinião, embora sujeita a desacordos de uns e de outros.
Devassei as
2l3 páginas de “As Confissões de Lúcio” em dois dias. Comecei numa noite de
sexta-feira e terminei num domingo, à noite, só parando de lê-lo para o que me
parecia inadiável.
Num
dos capítulos finais, o melhor dentre todos, “A rua dos anjos de vidro”, Marta
e Portela percebem que houve uma intrusão no quarto dela, onde estava a caixa
contendo os papéis de Lúcio, resumindo-se a sua obra, misturados a outros, o
que passou a dificultar sobremaneira a identificação do que era e do que não
era do escritor. Chegando à inevitável conclusão de que não havia outra solução
senão a de queimá-los, Mauro procede a tal operação, no que se põe fim ao
espólio de um Nobel.
Posso
adiantar, ainda, de tudo que me restou como coleta de impressões dessa leitura,
que Fernando Monteiro inscreve-se na galeria dos melhores escritores deste
país, com o destaque de que essa novela me parece uma das mais prazerosas que
li nos últimos anos.
E
mais não direi.
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