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Thursday, September 1, 2016

"AS CONFISSÕES DE LÚCIO’’ AINDA PERMANECE NO LIMBO LITERÁRIO - obra de vulto inegável da atual literatura brasileira, a novela de Fernando Monteiro aguarda sua vez e sua hora - por Hamilton Alves




                                                           Antes que me proponha a compor estas considerações sobre “As confissões de Lúcio”, que de certo modo tem a ver com o romance “A Confissão de Lúcio”, de Mário de Sá-Carneiro, único produzido por ele, porque foi poeta sempre na sua curta existência tragicamente encerrada com o suicídio, devo explicar como se deu minha aproximação de Fernando Monteiro, o escritor pernambucano.
                                                           Li um poema muito bom dele no encarte “Mais” da “Folha de S. Paulo”. Gostei tanto do poema que entrei em contato com a redação do jornal para saber o modo como poderia chegar até ele. Dois dias depois foi o próprio Monteiro que, para minha surpresa, me telefona perguntando-me sobre meu interesse  de contato com ele. Expliquei-lhe o motivo. A partir daí começamos a nos comunicar eletronicamente sempre que aparecia uma oportunidade. Tem me animado muito em minhas incursões literárias, não só quanto a uma novela que compus, “O romance de Borges”, como sobre alguns poemas que raramente lhe mando, um dos quais há pouco, ao qual não atribui grande valor e me fez um comentário bastante generoso de seu conteúdo poético.
                                                           O tempo rolou. Mandou-me essa novela, “As Confissões de Lucio”, faz um tempo. Sou um homem que lê, em média, dez livros de
uma vez só. Hábito péssimo de que não consegui ainda largar mão. Mas sei que há outros loucos assim.
                                                           Voltamos a falar há pouco  não me lembro mais sobre que tema. Quando de novo aflorou uma referência a tal novela. Estava encetando, nessa altura, uma releitura de “O vermelho e o negro” (várias tentativas já feitas até agora infrutíferas), quando lhe prometi:
                                                           - Olha, Fernando, vou largar tudo para ler teu livro.
                                                           A não ser o poema a que me referi não tinha lido nada dele.
                                                           Em resumo: a narrativa envolve um personagem: um escritor, Lúcio Graumann, nascido em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, cujos livros nunca despertaram a menor atenção de resenhistas, não obstante o fato de ter sido autor de quatro ou cinco editados pela LP & M, de Porto Alegre. Casos semelhantes se registram ao longo da história de outros autores que igualmente foram preteridos com boa bagagem literária.
                                                           O fato é que a Academia da Suécia anunciou que lhe havia conferido o prêmio Nobel de literatura, o que pegou toda a opinião pública de surpresa, causando um alvoroço geral na indiferença e burrice tupiniquim, como tem sido de rotina. Graumann, porém, vem a morrer onze dias antes de receber o prêmio.
                                                           Graumann tem um amigo, Mauro Portela (o narrador do livro), que também, por sua vez, é alcançado fortemente por essa morte do amigo e da sua não menos espetacular projeção no plano mundial das letras, constituindo-se no primeiro escritor brasileiro a abiscoitar o tão cobiçado laurel.
                                                           A partir desse fato desandam-se outros, que Fernando Monteiro conduz com perícia inigualável, não só no que diz respeito à composição desse drama trágico como do envolvimento  que passa a ter com o espólio de Lúcio, que, no fim, junto com os poucos haveres que deixara, somados ao valor do prêmio, vem a ser disputado por um primo, judicialmente.  Quanto ao acervo literário, vem a desaparecer de uma caixa que até então vinha sendo confiada à guarda de Márcia, a qual desposara, depois de estuprada , aos onze anos, por um tio, Alfredo, homônimo do patrocinador do prêmio sueco, Alfred Nobel.
                                                           Trata-se de uma trilogia, envolvendo “O Grau Graumann”, editado pela ”Francis”, de São Paulo, e de uma terceira , “A  intrusa na sombra”, ainda inédito, que deverá sair também sob a chancela da “Francis”, que, acredito, no remate, pretende projetar luzes sobre os dois anteriores.
                                                           Lúcio é um escritor estranho, uma espécie de “out-sider”, para quem o convívio não faz bem nem muito menos alimenta qualquer ilusão com sua obra – e isso fica muito claro quando os dois (Portela e ele, Lúcio) se encontram em Curitiba na suposição de que tomariam rumos diferentes, mas acabam viajando no mesmo avião. Sendo amigos, um pouco estremecidos pelo plágio de Lúcio de um livro de Portela, jornalista de profissão, inevitável que, a partir de instalados no avião, ocupando poltronas próximas, travem um diálogo de encontro/desencontro,
quando Lúcio pergunta  a Mauro sobre um livro dele. Mauro lhe responde que não gostou. Lúcio espanta-se com essa opinião e insiste em saber: - Mas você não gostou de nada? – De nada, diz-lhe Mauro.  – Achei o livro falso. – acrescenta. – Falso? Eu acho  que é meu livro mais verdadeiro.   
                                                           Em Curitiba, os dois desembarcam para surpresa de Mauro, pois presumia que Graumann fosse para Londrina.
                                                           A despedida de Lúcio resume-se em: “A gente se vê por aí”.
                                                           Portela julga que Lúcio fosse comparecer ao local em que daria uma palestra. Mas no decorrer dela não descobre o amigo em parte alguma. Fica remoendo esse fato. Lembrava-se que ainda teve tempo de olhar Lúcio afastando-se no espaço do aeroporto, carregando sua mala, sozinho nos seus pequenos e grandes mistérios.
                                                           É impraticável trazer para esta resumida resenha  outros detalhes dessa narrativa, envolvendo um esquisito escritor ganhador do Nobel de literatura, sem qualquer projeção anterior nas letras nacionais. Caso único. O prêmio é referido a 2001 em que o ganhador, na realidade, foi V.S. Naipul.
                                                           Mas o que importa ressaltar, sobretudo, é que Fernando Monteiro consegue realizar um grande feito na composição dessa novela, a ponto de lhe ter dito (pouco antes lera “Neve”, de Orham Pamuk, o Nobel deste ano - 2006), que recolhera maior prazer de ler seu livro do que o do nobelizado turco, embora isso possa parecer um pouco exagerado.
                                                           Na verdade, é a minha opinião, embora sujeita a desacordos de uns e de outros.
                                                           Devassei as 2l3 páginas de “As Confissões de Lúcio” em dois dias. Comecei numa noite de sexta-feira e terminei num domingo, à noite, só parando de lê-lo para o que me parecia inadiável.
                                                           Num dos capítulos finais, o melhor dentre todos, “A rua dos anjos de vidro”, Marta e Portela percebem que houve uma intrusão no quarto dela, onde estava a caixa contendo os papéis de Lúcio, resumindo-se a sua obra, misturados a outros, o que passou a dificultar sobremaneira a identificação do que era e do que não era do escritor. Chegando à inevitável conclusão de que não havia outra solução senão a de queimá-los, Mauro procede a tal operação, no que se põe fim ao espólio de um Nobel.            
                                                           Posso adiantar, ainda, de tudo que me restou como coleta de impressões dessa leitura, que Fernando Monteiro inscreve-se na galeria dos melhores escritores deste país, com o destaque de que essa novela me parece uma das mais prazerosas que li nos últimos anos.
                                                           E mais não direi.


             
                                                                      

                                                          



                                                          


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