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Friday, September 23, 2016

CAMINITO - Hamilton Alves




                                   Caminito foi o bairro de Buenos Aires, próximo de La Boca, lugar originalíssimo, com casas semelhando iglús (habitação de esquimós), de uma cor terracota, que mais me encantou. Sempre trouxera essa música que o celebrizou na memória. O nome do autor vem reproduzido em alto relevo numa das paredes daquelas casas parecendo colhidas de histórias de fantasia. Uma pessoa me disse que a pintura das casas é de tinta de pintar navio.
                                   A música me penetrou os ouvidos desde a infância. No lugar em que morava ecoava de um modo encantatório. E me fascinava. Algum dia teria que conhecer Caminito. Ter a chance de visitar esse bairro foi um dos momentos altos da minha apoucada existência.
                                   Buenos Aires me pareceu uma cidade pouco interessante, ampla, de uma amplidão desmesurada e plana. Ruas intermináveis, que parecem não ter fim. Tem-se a impressão de que se está num lugar onde não há saídas. É o fim do mundo (não no mau sentido, mas no de que se chega a alguma termo do planeta).
                                   Se tivesse que escolher um lugar para morar seria em La Boca. Por que? Ali se está diante de coisas autênticas ou verdadeiras. Uma paisagem real ou tangível, não uma coisa artificial como o resto da cidade, com prédios em estilo europeu, com detalhes muito (como direi?) supérfluos (admito que esta não é bem a palavra desejável no caso ou para definir o que pretendo).
                                   Quando se descobre esse esconderijo de Buenos Aires, como se fora uma pequena jóia engastada numa concha, sente-se, por fim, um alívio de chegar a algo autêntico.
                                   Quando me deparei com Caminito percebi claramente que esse encontro, por fim, se concretizava. Revivi o que a canção despertava na minha fantasia infantil.
                                   Tanto ouvia falar de Buenos Aires, pessoas que já a haviam visitado e me contavam coisas interessantes da cidade.
                                   Falavam-me disso e daquilo, de casas de espetáculo, de paisagens, de restaurantes, de tango (a música local), mas nenhuma referência a Caminito, que foi, a bem dizer, a única coisa que, na realidade, me deslumbrou.
                                   Não tivesse sido Caminito, Buenos Aires teria sido uma decepção.
                                   Cortazar certa vez disse que não gostava de Buenos Aires por lhe passar (passou a mim também) essa sensação de confinamento.
                                   Quando se dá com Caminito, isso desaparece como por encanto.

                                   Caminito é mais que um logradouro, é um poema. O compositor, que tão bem o expressou na letra e música que o imortalizaram, teve uma inspiração, quem sabe, semelhante a minha – e reagiu de forma belíssima, compondo um dos melhores tangos entre todos conhecidos.
                                   “Desde que se fue triste vivo yo
                                     Caminito amigo yo también me voy.
                                      Desde que se fue nunca mas volvió
                                      Seguiré sus passos Caminito adiós”.

                                   A letra e música (registro aqui no fim) é de G. Glória Peñazola, como consta na letra em alto relevo numa das casas de Caminito.

(junho/08)         
                                                




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