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Wednesday, September 28, 2016

CEM ANOS DE MACHADO - Hamilton Alves



                                   Por ocasião do centenário da morte de Machado de Assis, um jornal abriu coluna para ouvir a opinião de especialistas ou conhecedores da obra do grande escritor. Tais opiniões sempre coincidem (e nem seria para menos) na grandeza de Machado, atribuindo-lhe, ao lado de Guimarães Rosa (como o ressaltou José Mindlin, o homem que possui a maior biblioteca privada deste país), a condição de ser o maior escritor brasileiro do século XIX, enquanto igual atributo cabe a Guimarães com referência ao século XX. Concordo plenamente com Mindlin. Refere-se o bibliófilo a quatro romances de Machado que lhe parecem os que ocupam lugar preeminente em sua obra, “Quincas Borba”, “Dom Casmurro”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, que contém um capítulo – “O delírio” – que Eca de Queiroz sabia de cor. E, ainda, “Memorial de Aires”. Desses quatro só não li o último. Reportou-se também ao conto de sua preferência. De certo modo me surpreendeu quando mencionou “A cartomante”, que considero menor frente, por exemplo, a três dos que me parecem de maior importância ou mais bem construídos ou clássicos, que são em linha de importância e grandeza “Missa do galo”, (superior a todos os outros, a meu ver), “A igreja do diabo” e o majestoso “Teoria do medalhão”. Nenhum outro conto, na obra de Machado, sobreleva a esses três, que atingiram um nível de qualidade que os colocam ao lado dos melhores contos universais, como os de Tchecov, Joyce, Hemingway e outros desse naipe.
                                   Pode haver admiradores de Machado que entendam que “A cartomante” se enfileira entre esses citados. Respeito tal opinião, mas não a endosso. Em vez desse conto, citaria um outro para ser colocado ao lado dos três que prefiro, “Idéias de canário”, que é um primor e que tem uma elaboração ou uma estrutura muito forte como conto.
                                   Mindlin mencionou as crônicas de Machado, no que foi, inegavelmente, um mestre. Já citei noutra ocasião que tinham um grande admirador na pessoa de Gustavo Corção. Confessou em “Desconcerto do mundo” (Ed. Vozes) que sempre lia uma crônica de Machado todos os dias para desfrutar de sua ração de beleza. Como Corção e Mindlin, Machado tem outros admiradores que o apreciam como cronista. Como poeta Machado tem só um grande poema - o que escreveu dedicado a sua mulher, Carolina, que o arcebispo Domingues de Oliveira dizia, entre amigos, que esse poema se igualava aos maiores da língua portuguesa.
                                   Mindlin se refere ao adultério de Capitu. Aceita-o ou o admite. Alude ao fato de que o casamento de Capitu com Bentinho foi um erro de pessoa, pois ainda que dúvidas existam sobre o tema, na verdade, com o adultério, procurou se libertar de um casamento infeliz.
                                   Textualmente, Mindlin diz o seguinte: “À pergunta se traiu ou não Bentinho, a resposta sempre me pareceu óbvia: qualquer um faria o que ela fez porque Bentinho não estava a sua altura”.  Nem todos pensam assim. Há quem não se arrisque a opinar num sentido ou noutro. A escritora americana Helen Caldwell, numa obra em que procura se aprofundar nesse assunto, defende intransigentemente Capitu, entendendo que não houve adultério.
                                   Nunca se chegará a um acordo sobre a questão.
                                   A obra de Machado resiste a mais de cem anos, prevalecendo, ainda agora, como o maior monumento das letras brasileiras.
                                   É provável que atravesse mais um século sem encontrar quem  rivalize com ela. A não ser Guimarães Rosa (como o destaca o próprio Mindlin) que passou a ocupar o pódio com ele na mesma consideração da crítica.


(julho/08).

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