Bianchon
é um personagem de Balzac, que se destaca em algumas de suas narrativas
(integra uma das mais importantes conhecidas, “O pai Goriot” - Bianchon frequentava
a pensão da sra.Vauquer; a esse tempo, era estudante de medicina).
É conhecido o
fato de que, quando estava morrendo, Balzac mandou chamar, não um médico famoso
de Paris, mas o seu personagem Bianchon, tal era a confiança que lhe
depositava. Ou como se Balzac tivesse inventado criaturas nas quais tivesse
insuflado vida. Na verdade, suas personagens dão, muitas vezes, a impressão de pessoas
de carne e osso.
Oscar Wilde,
a respeito de “As ilusões perdidas”, declarou que, quando Lucien de Rubempré morreu,
pareceu-lhe ter perdido um ente muito querido, tanto o fato lhe causara grande
consternação.
Há, assim,
personagens que da mera ficção passam à realidade e convivem conosco no dia a
dia.
Certa vez, sonhei com Madame
Bovary, com quem me dirigi a um restaurante, despertando admiração dos comensais.
Tivemos que sair rapidamente do local, dado o extremo constrangimento de Emma
de ser surpreendida pelo marido, Carlos Bovary.
Citei
esse episódio num conto em meu livro “Três cisnes de vidro”.
Quando
penso nela não o faço como uma personalidade de novela ou romance, mas como se
fora vivente, que pode perfeitamente, súbito, atravessar a mesma rua que os
humanos.
Acho que
esse era mais ou menos o tipo de obsessão de Balzac com seu grande personagem, Bianchon,
ao chamá-lo para o atender na última hora, confiado em sua perícia profissional
mais do que poderia crer na capacidade de outro médico.
No caso de Emma,
aqui relatado, qual a relação que pode ter o sonho e a realidade, sendo que não
raras vezes o sonho permeia a realidade ou esta àquela. O que é, afinal, a
realidade senão um sonho? Ou um sonho que não tenha sua aparência de coisa
real? Em que, na verdade, se distinguem?
Lembro-me de
um sonho que se retratou tão fielmente na vida real que fui levado a formular
essa pergunta: “que tem a ver o sonho com a realidade?”
Entre o real
e o ficcional (ou o sonhado) há uma linha tão difusa ou tão pouco distinta que
difícil é estabelecer a diferença entre uma e outra.
Assim, era a confiança que
Balzac depositava em Bianchon, a criatura ficcional, que, para ele, existia na
realidade. – e era o único que, na hora mais decisiva, poderia lhe conceder o
remédio salvador. Ou resgatá-lo das garras da morte.
E,
para a literatura, evidentemente, isso é mais um ganho.
Precisamos dela, como dizia André
Maurois (biografia de Charles Dickens), como um universo de socorro. A vida que
se colhe na ficção tantas vezes serve-nos como guia ou suporte. Para citar o
exemplo máximo, “Don Quixote, o cavaleiro da triste figura”, salta de uma
história de cavalaria como sendo a maior figura moral do ocidente. Foi com base
nele que o ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, Santiago Dantas,
ditou o princípio de que “a doação de si mesmo resolve o problema do destino”.
Don
Quixote, Bianchon, Madame Bovary de criaturas de ficção passam à existência
comum das pessoas reais.
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