Nunca
falei nem para amigos (à exceção de um único, de que me recordo agora) de meu
encontro, no Rio, num daqueles bares com mesas e cadeiras à calçada, com o
notável compositor Assis Valente. Foi um caso que até hoje me parece
estranhíssimo, tal o inusitado da situação que o envolveu.
Nas
minhas curtas temporadas no Rio, na década de 50, encontrava-me seguidamente na
Cinelândia com Aôr Ribeiro, jornalista, meu querido e ilustre amigo, com quem muito
cedo me relacionei em função mesmo dessa atividade comum de jornal.
Era
costume (ou ainda é, não sei) dizer-se entre catarinenses residentes no Rio
que, pretendendo-se encontrar-se algum Catarina, até para matar saudade do
convívio com nossa gente, bastaria freqüentar os bares da Cinelândia, que davam
“Catarina” em penca. E
era verdade; comprovei-o várias vezes. Até quando um amigo, certa vez, me
convidou para provar um prato preparado por sua esposa baiana, moradores em
Copacabana, Posto 1 (Leme), conhecido pelo nome de “rabada” – e essa é outra
história. Depois de conhecê-lo (o prato), espero não passar por semelhante
provação nunca mais.
Encontrei
Aôr, rodeado de amigos, como de rotina, numa das mesas do Amarelinho (ou era o
Vermelhinho, hoje infelizmente inexistentes, dando espaço a bancos, segundo
estou informado).
Convidou-me
a formar na roda. Aboletei-me numa cadeira ao lado de um sujeito baixote, já
grisalho, ao qual não fui apresentado, que contava uma enfiada de piadas, umas mais
engraçadas que outras. Não tive sequer a curiosidade de olhá-lo no rosto. Cada
qual mal ou bem contando seu repertório de piadas, ficamos umas boas horas, a
sorver chopes, empilhando torres de bolachas umas mais altas que outras.
O
tempo passou-se alegremente. Até que meu vizinho, divertidíssimo, ergueu-se de
inopino. Misturou-se, em seguida, ao povaréu que ia e vinha pela calçada junto
às mesinhas.
Em
seguida, Aôr me formulou a pergunta:
-
Sabes quem é esse cara?
-
Não. – disse-lhe.
-
É Assis Valente.
Isso
me produziu o efeito de um impacto fortíssimo, tanto que, logo depois, saí feito
louco a ver se ainda, de alguma maneira, descobria Assis Valente no meio daquele
povo numeroso que por ali transitava. Não houve jeito de achá-lo, pelo que fiquei
bastante desolado.
Perdera
de conhecer (ou de estreitar relações ou amizade) com o autor de uma música que
penetrou fundo na minha alma desde a infância, “Natal”, que sempre me pareceu o
cântico dos anjos. Não fora seu teor pessimista, teria sido certamente há muito
a música emblemática da festa natalina, muito superior em tudo a “Gingle
Bells”.
Até
hoje curto essa tristeza de não ter abraçado, com gratidão, a um dos maiores compositores
da MPB.
Um
ou dois meses após esse encontro com Assis Valente soube que consumara o suicídio,
que uma vez já tentara.
Ocorreu-me,
vagamente, que o abraço que lhe teria dado naquela ocasião talvez o tivesse
salvado dessa tragédia.
(junho/08)
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