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Friday, September 9, 2016

ASSIS VALENTE - Hamilton Alves


                       
                                               Nunca falei nem para amigos (à exceção de um único, de que me recordo agora) de meu encontro, no Rio, num daqueles bares com mesas e cadeiras à calçada, com o notável compositor Assis Valente. Foi um caso que até hoje me parece estranhíssimo, tal o inusitado da situação que o envolveu.
                                               Nas minhas curtas temporadas no Rio, na década de 50, encontrava-me seguidamente na Cinelândia com Aôr Ribeiro, jornalista, meu querido e ilustre amigo, com quem muito cedo me relacionei em função mesmo dessa atividade comum de jornal.
                                               Era costume (ou ainda é, não sei) dizer-se entre catarinenses residentes no Rio que, pretendendo-se encontrar-se algum Catarina, até para matar saudade do convívio com nossa gente, bastaria freqüentar os bares da Cinelândia, que davam “Catarina” em penca. E era verdade; comprovei-o várias vezes. Até quando um amigo, certa vez, me convidou para provar um prato preparado por sua esposa baiana, moradores em Copacabana, Posto 1 (Leme), conhecido pelo nome de “rabada” – e essa é outra história. Depois de conhecê-lo (o prato), espero não passar por semelhante provação nunca mais.
                                               Encontrei Aôr, rodeado de amigos, como de rotina, numa das mesas do Amarelinho (ou era o Vermelhinho, hoje infelizmente inexistentes, dando espaço a bancos, segundo estou informado).
                                               Convidou-me a formar na roda. Aboletei-me numa cadeira ao lado de um sujeito baixote, já grisalho, ao qual não fui apresentado, que contava uma enfiada de piadas, umas mais engraçadas que outras. Não tive sequer a curiosidade de olhá-lo no rosto. Cada qual mal ou bem contando seu repertório de piadas, ficamos umas boas horas, a sorver chopes, empilhando torres de bolachas umas mais altas que outras.
                                               O tempo passou-se alegremente. Até que meu vizinho, divertidíssimo, ergueu-se de inopino. Misturou-se, em seguida, ao povaréu que ia e vinha pela calçada junto às mesinhas.
                                               Em seguida, Aôr me formulou a pergunta:
                                               - Sabes quem é esse cara?
                                               - Não. – disse-lhe.
                                               - É Assis Valente.
                                               Isso me produziu o efeito de um impacto fortíssimo, tanto que, logo depois, saí feito louco a ver se ainda, de alguma maneira, descobria Assis Valente no meio daquele povo numeroso que por ali transitava. Não houve jeito de achá-lo, pelo que fiquei bastante desolado.
                                               Perdera de conhecer (ou de estreitar relações ou amizade) com o autor de uma música que penetrou fundo na minha alma desde a infância, “Natal”, que sempre me pareceu o cântico dos anjos. Não fora seu teor pessimista, teria sido certamente há muito a música emblemática da festa natalina, muito superior em tudo a “Gingle Bells”.
                                               Até hoje curto essa tristeza de não ter abraçado, com gratidão, a um dos maiores compositores da MPB.
                                               Um ou dois meses após esse encontro com Assis Valente soube que consumara o suicídio, que uma vez já tentara.
                                               Ocorreu-me, vagamente, que o abraço que lhe teria dado naquela ocasião talvez o tivesse salvado dessa tragédia.


(junho/08)       
                                              






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