Quando
assistiu ao filme de Chaplin, Luzes da Ribalta, Carlos Drummond de Andrade
contou a amigos (ou narrou numa crônica) que do cinema Metro, em Copacabana,
até sua casa, na Rua Conselheiro Lafayette, distante seis quilômetros do
cinema, fez toda essa caminhada para refletir sobre o tema desse grande filme,
um dos maiores do cinema e destaque na filmografia do grande ator e cineasta.
A história se resume no fato de certo dia,
quando se recolhe bêbado, como de rotina, a sua modesta pensão, cujos degraus sobe
com dificuldade, num quartinho pequeno e despojado, eis que vê uma fumacinha
sair debaixo da porta do quarto vizinho. Empurrou-a, derrubou-a e o que
constatou foi que, com isso, uma jovem queria por fim à vida. Depois revelou
que essa era sua intenção porque estava privada de sua arte, a dança clássica
(ballet).
A partir de então, Calvero, que
era um artista que passa por uma má fase, sem contratos com produtores de espetáculos,
vivendo de coleta pública com outros artistas de rua, passou a se interessar
pelo problema da moça, a incutir-lhe na cabeça que o que ela estava fazendo era
incompreensível. A vida não sugeria que deve se lhe por fim, era um dom de
Deus, e, fosse o que fosse, deveria ser preservada
Paralelamente a essa ajuda prestada à
jovem, Calvero acaba se apaixonando que, em relação a ele, tinha idade para ser
sua filha. Nunca revelou essa paixão. A moça é que manifestou sentir por rele.
Tentou dissuadi-la de tal absurdo sentimento. Ela insistia por convencê-lo que
essa paixão não era fruto de gratidão de ter-lhe salvo a vida, mas, sim, de
algo verdadeiro, nascido espontaneamente em seu coração.
Calvero volta a tentar exibir-se em pequenos
teatros, mas fracassa. Não é o mesmo artista aplaudido de outros tempos. Vê que
não tem mais condições de revelar-se o grande Calvero de outros tempos. O
desânimo o alcança. A moça agora, revertendo-se os papéis, procura encorajá-lo.
Mas parece que Calvero se sente irremediavelmente liquidado. Entrementes,
ensaia passos com a jovem no quarto em que mora. Até que um dia têm uma forte
discussão. Ela esquece-se, por momentos, de que tem um problema de imobilidade,
dá passos em sua direção, pelo que se aproveita para comprovar-lhe que tudo de
que padece é uma inibição psíquica, que pode dominar e voltar a dançar.
Os dois voltam juntos, no fim, a um
espetáculo teatral. Em certo momento ela dirige-se a Calvero atrás do palco
para lhe agradecer por tudo, por seu êxito, por voltar à dança, quando nova
crise de paralisia lhe acomete. Ela inibe-se de voltar ao palco. Ele responde à
crise aplicando-lhe um tapa no rosto, pelo que retoma seus passos de dançarina.
Calvero segue no espetáculo com seu número, no que é delirantemente aplaudido,
retomando seus grandes dias de glória. Mas por um acidente ocorrido no palco,
vem a cair dentro de uma bacia, e ali fica entalado e vem a morrer à vista da
jovem.
O
filme resume-se, mais ou menos, a esses dados.
Também eu, a exemplo de Drummond, quando
vi esse filme, não digo que, como ele, percorresse um trajeto de seis quilômetros,
mas realizei, afortunadamente, uma viagem de carro de Tubarão, onde morava então,
até a Ilha, ruminando os lances desse grande e inesquecível filme de Charles Chaplin,
que passou à história do cinema como um dos seus maiores momentos.
(Nov/08)
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