Total Pageviews

Saturday, June 8, 2013

“BOM DIA, TRISTEZA” MUDOU A HISTÓRIA DE SAGAN (da noite para o dia essa obra projetou a escritora à fama, com repercussão nos quatro cantos do mundo).- por Hamilton Alves


            “Bom dia, tristeza” foi publicado em 54. Françoise Sagan até então era uma ilustre desconhecida. Nasceu em 1935, na cidade de Cajarc, de família de recursos. Até 1939, antes de estourar a última guerra mundial, a escritora viveu em Paris. Depois, foi para Lyon (com a invasão da França pelos alemães). Françoise, com a família, voltou a Paris com a libertação do país pelas forças aliadas. Ingressou na Sorbonne, mas ali permaneceu por dois anos apenas, passando a dedicar-se, desde então, ao que sempre fora a sua paixão, a literatura. Em 1954, lança esse livro praticamente sem grandes pretensões, narrando a história de quatro personagens, pai, filha e duas amantes do pai, que passando a viver por um período na Riviera francesa, vêm logo a se desentender, separando-se a filha de seu pai. Mas o que parece ter deflagrado, nos leitores, a curiosidade por essa novela não foi tanto seu conteúdo literário, mas o título do livro, “Bonjour tristesse”, que logo provocou resenhas nos jornais da França pró e contra, mais pró do que contra, passando a escritora à projeção internacional, sendo traduzida em vários idiomas. Logo o livro rendeu um roteiro, que foi filmado nos Estados Unidos, que, por sua vez, deu o que falar, com o bom desempenho da atriz Jean Seberg, que então interpretava um de seus primeiros papéis. Mas de um modo geral, igual ao livro, o filme não chegou a ser uma obra prima. Ganhou mais em notoriedade por motivo do livro, que logo alcançou a lista dos mais vendidos em todo o mundo.
            O nome verdadeiro de Françoise é Françoise Quoirez. Claro que com tal nome não iria muito longe. Nenhum Quoirez conhecido (ou desconhecido) chegaria à glória literária com esse nome horroroso. Daí que teve o cuidado de mudá-lo para Sagan, que é um personagem de Proust, recolhido de “Em busca do tempo perdido”, a princesa Sagan.
            O livro não deu fama à escritora, como também lhe possibilitou uma vida de certo modo regalada, resultante do êxito de vendagem em todas as grandes metrópoles mundiais como ainda por direitos autorais para filmagens.
            Sagan, de moça modesta, passou a viver como figura obrigatória da mídia, concedendo desde então entrevistas, sendo fotografada por onde andasse e dando palestras sobre o livro e sobre sua vida (fora e dentro de seu país). Passou a ser, em suam, uma personalidade mundial.
            Mas nem sempre seus livros tiveram idêntico sucesso do primeiro, embora os leitores fossem sempre embalados pela expectativa de que pudessem chamar a mesma atenção de “Bonjour, tristesse”. Mas não foi o caso. Por exemplo, “Dentro de um mês, dentro de um anoconta uma historinha mais ou menos igual a do primeiro, mas não despertou maior interesse que o que lhe deu fama.
            A escritora teve alguns problemas pessoais em sua vida amorosa.
            Nos últimos dez anos (nos dez anos que antecederam sua morte), praticamente se apagou à notoriedade. Ela mesma, ao que parece, tratou de se exilar, porque, segundo se comenta, a fama começou, de certo tempo em diante, a lhe cansar. Ninguém agüenta por muito tempo permanecer no palco do sucesso. Foi o caso de Sagan, que se retirou à periferia de Paris, sendo, de quando em vez, lembrada por um resenhista ou por notícias a seu respeito, mas não mais com a intensidade dos vinte anos, aproximadamente, que se seguiram ao lançamento de sua obra prima, responsável por tudo o que veio a lhe ocorrer depois.
            A escritora veio a falecerpouco.
            As páginas dos jornais parisienses voltaram a se rechear com necrológios de grandes nomes da imprensa francesa, encabeçados por Gilles Lapouge, que lhe dedicou quase uma página inteira de um jornal brasileiro, com matéria traduzida de onde foi publicada originariamente. Lapouge conta o essencial da vida da escritora. E de como, ainda no fim da existência, Sagan era um nome considerado no mundo literário francês e seu livro, vez que outra, merecia citações como tendo sido um dos grandes momentos das letras francesas.
            O fenômeno Sagan, de celebrizar-se com um livro aos dezenove anos de idade, não é tão comum assim. A explicação de Lapouge, para o fenômeno, é de que o título do livro foi tão feliz, tão belo, causando de imediato tanto impacto ao ser lançado, independentemente do conteúdo, que foi suficiente para desencadear, como em tantas outras vezes ou em tantos outros equívocos, o interesse mundial. Embora como referido, a história que se narra é rigorosamente banalíssima.
            Com o sucesso, Sagan aproximou-se dos monstros sagrados das letras francesas, entre os quais pontificavam Sartre e Simone de Beauvoir, além de outros, que a consideravam uma boa amiga, antes de ser uma escritora notável.
            Perdida minha edição desse livromuito tempo, andei a caça dele em sebos, livrarias com bom acervo de obras antigas para recuperá-lo. Minha edição, conseguida logo à primeira edição da obra, era de bom feitio gráfico e me levou a perder uma ou duas semanas para lê-la, um pouco mais velho que Sagan, em torno de meus 25 anos.
            A caça deu bom resultado. Encontrei o livro, não com o mesmo aspecto gráfico, em brochura, numa edição da Record, de 1957. E voltei a repassar as páginas, agora obviamente não com o mesmo ânimo que fez com que lesse a edição perdida (ou extraviada), pois os tempos mudaram, amadureci, o livro de Sagan não me despertou a mesma avidez da primeira vez que o li.
            Constata-se facilmente que o título valeu pelo conteúdo. Ou o título belíssimo fez a cabeça de uma legião de leitores por todo o mundo. Além disso, a mídia fez o resto, com divulgação “Ubi et Orbi” da novela, que é, a rigor, água com açúcar; nada mais que isso. Lapouge não me deixa mentir.
            Não obstante esse fato, o livro de Sagan, que é uma espécie de ícone literário, continua a figurar em bibliotecas de renome nacional e internacional, assinalando um momento curioso das letras mundiais, de um sucesso que bem poderia ter sido um fracasso, se o título fosse outro. Ou não chamasse, por si próprio, tanta atenção.
            A edição que recuperei de uma livraria de livros velhos está figurando agora em minha pequena biblioteca, de onde o retiro, de quando em vez, para ler duas ou três páginas ou relê-lo de novo.
            Alguns livros conseguem exercer esse fetiche sobre leitores. Ou fanáticos por literatura. É ocaso típico de “Bonjour tristesse”. Podia citar outros, mas fico nesse como exemplo desse fenômeno inexplicável.
            A personalidade conflituosa e idiossincrática da escritora ajudou muito, também, na projeção de seu livro famoso. Desde o primeiro momento em que foi vista sua figura miúda, de uma expressão facial quase anódina, com ar de “pequena rebelde”, o mundo apaixonou-se por Françoise Sagan. E ela passou, durante anos, a ser alvo da curiosidade de todos, que a tornaram célebre ainda mal despertando para as primeiras experiências da vida.
            Claro, Sartre e Simone de Beauvoir devem ter gostado mais dela do que de sua obra famosa, mas por delicadeza, de certo, nunca lhe disseram isso.
            Quem quiser passar algumas horas sem maior compromisso, para dar-se um pouco de descanso, recorra a “Bonjour tristesse”. É um bom remédio para a melancolia, por exemplo.

Março/06



No comments:

Post a Comment