Tenho
o hábito de dizer que, para se escrever uma novela ou qualquer coisa, mesmo uma
história curta, é preciso ter, de início, uma boa frase, que tenha balanço, que
marque o início do que virá depois.
Uma
das maiores novelas já escritas em todos os tempos tem a seguinte frase de
abertura:
"O ateliê estava repleto do odor substancioso das rosas e, quando a brisa de verão agitou-se por entre as árvores do jardim, entrou, pela porta aberta, o aroma acentuado do lilás, ou o perfume mais delicado do pilriteiro rosáceo".
Duvido que se
descubra o autor destas palavras. A não ser que se trate de um ledor tão
competente ou que conheça tão profundamente literatura ou ainda tenha uma
paixão especial por esse autor ou por essa novela, fatalmente não terá
dificuldade em identificá-lo. Eu próprio, que a elejo como uma das minhas
novelas preferidas, não bateria com a autoria dessa frase de abertura, se isso
algum dia me fosse questionado.
Sempre mantive a
opinião que uma novela, um romance, um conto, até mesmo uma crônica, ou ainda
um poema, tem que ter uma abertura que revele seu conteúdo. Ou a sua grandeza.
Antes de ter uma frase boa, um escritor não deve se abalançar à tarefa de
compor uma obra. Deve, por isso, esperar o momento de ter essa frase inicial,
por onde se enredará por páginas a fio.
A frase citada é de
Oscar Wilde. É o começo de uma extraordinária novela, que é responsável pela
grande notoriedade de Wilde no cenário das letras mundiais. O tema é um achado,
que poucos escritores teriam chegado. Ou teriam descoberto. O retrato de um
artista, que reflete uma pessoa viva, e, ambos, retrato e retratado, assumem
papéis inversos na vida, no sentido de que, enquanto um envelhece, o outro
mantém perene juventude. O tema, Wilde, segundo vem informado no prefácio,
colheu-o no atelier de um pintor, quando esta questão foi aflorada.
Mas voltemos à
questão de fundo desta crônica. A frase de abertura de "O Retrato de
Dorian Gray" leva a supor a grande obra que se seguirá? Adivinhar-se-ia
que Wilde, com ela, iniciaria sua obra prima? Não, de modo algum; trata-se de
uma frase medíocre e até certo ponto vazada num estilo rococó.
Qualquer escritor
menor poderia compô-la. É possível que alguém que tenha batido com sua feiúra
supôs que o restante seria impregnado de uma banalidade mortal e certamente
parou aí, não se atrevendo a ir adiante.
Bem verdade que, na
frase seguinte, o leitor é já levado a outro patamar psicológico e, desde
então, não largará mais até a página derradeira esta inexcedível história, tão
bem trabalhada pelo gênio de Wilde.
Curioso que, como sou
um leitor atípico, no sentido de que não me situo entre os devoradores de
livros, que caracterizam seu feitio por lerem tudo o que lhes cai às mãos até o
fim, só muito mais tarde de ter adquirido esse livro (quando amigos meus lhe
fizeram os mais rasgados elogios e até ensaios críticos o assinalavam como obra
extraordinária) é que resolvi penetrar nas duzentas páginas do meu exemplar.
Claro, nem é preciso
dizer, foi um dos maiores deslumbramentos de leitor que já tive.
Mas a frase "overture"
( e este é o tema da crônica) não é de modo algum daquelas que façam, desde
logo, presumir que ter-se-á pela frente uma obra fadada à imortalidade.
Segue vitoriosa a
noção de que todo o grande livro deverá ter necessariamente uma boa frase
inicial para ganhar a celebridade.
"O retrato de
Dorian Gray" desmente essa tese.
Novembro/02.
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