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Tuesday, June 11, 2013

O HOMEM QUE COMIA EM REFEITÓRIOS VAZIOS – Hamilton Alves

 

            Há uma frase de Cabrera Infante, em seu livro “Delito por dançar o chá-chá-chá”, que é dessas coisas que põem um sujeito a dançar com sua cabeça ou com seu coração. Ou balança sua vida anímica.
            A frase é a seguinte: “ele gostava de comer em refeitórios vazios”.
            Haverá neste mundo provavelmente muita gente para quem essa frase soará como nada. E que ao lê-la não sentirá a mínima reação. Ou não chegará a ir até as suas profundezas. Ou ao sentido que ela contém. Há leitores que são impermeáveis à tal percepção. E até não digo que não haja grandes leitores, de um bom currículo, que passam por ela com a mesma frieza.
            A frase do Cabrera define um personagem. Assim como nos dá de corpo inteiro o retrato de qualquer pessoa. Se um sujeito gosta de comer em refeitórios vazios, sabemos tudo a seu respeito. Não precisamos de mais detalhe algum para identificá-lo. De logo, pode tornar-se, só por isso nosso amigo. Terá o componente psicológico indispensável para sê-lo. Ao passo que, se fosse o caso de um sujeito que odiasse comer em refeitórios vazios, eu, por exemplo, ficaria prevenido contra tal pessoa. Não me arriscaria, por exemplo, a uma amizade pronta e incondicional.
            Como é que imagino uma tal pessoa? Creio que posso descrevê-lo ou até imaginá-lo. Trata-se de alguém que não se dá muita importância. Talvez goste de ler. Ou talvez goste de um bom quadro de artista plástico. Há de gostar de andar de ônibus. Não se traja muito bem. Ou não tem especial gosto para isso. É um sujeito de pouca conversa. Tem uma mulher, mas admite-se a hipótese que possa ter uma amante. Fuma e bebe com moderação. Não tem filhos. Rompeu com a primeira mulher e não quis se envolver com outra e todos os seus casos com o belo sexo são provisórios. Pode ser até que, no fundo da gaveta, guarde um poema sobre cuja validade mantém sérias dúvidas.
            Mora num bairro modesto numa pequena casa, que tem um pequeno jardim à frente. É aposentado do serviço público. Já fez militância na imprensa, mas hoje prefere manter-se afastado de qualquer atividade que lhe dê alguma notoriedade.
            Anda sempre a pé, preferentemente a ter que andar de carro, numa fubica encarquilhada. E, sobretudo, um poema, um bom poema, tem o dom de enlevá-lo. A poesia é a única coisa ou a rara coisa que consegue comovê-lo.
            Talvez dentro de outra ótica esse homem que gosta de comer solitário em refeitórios vazios fosse melhore descrito ou até analisado.
            Não sei se da forma que o concebo o retrato fielmente.
            Mas quando menos deve ser um sujeito caladão, que vive à sombra e que não quer nenhuma participação mais neste mundo à deriva.
            E que ninguém pise no seu calo, caso contrário terá certamente uma reação imprevisível.

              

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