Há uma frase de Cabrera Infante, em
seu livro “Delito por dançar o chá-chá-chá”, que é dessas coisas que põem um
sujeito a dançar com sua cabeça ou com seu coração. Ou balança sua vida
anímica.
A frase é a seguinte: “ele gostava
de comer em refeitórios vazios”.
Haverá neste mundo provavelmente
muita gente para quem essa frase soará como nada. E que ao lê-la não sentirá a
mínima reação. Ou não chegará a ir até as suas profundezas. Ou ao sentido que
ela contém. Há leitores que são impermeáveis à tal percepção. E até não digo
que não haja grandes leitores, de um bom currículo, que passam por ela com a
mesma frieza.
A frase
do Cabrera define um personagem. Assim como nos dá de corpo inteiro o retrato
de qualquer pessoa. Se um sujeito gosta de comer em refeitórios vazios, sabemos
tudo a seu respeito. Não precisamos de mais detalhe algum para identificá-lo.
De logo, pode tornar-se, só por isso nosso amigo. Terá o componente psicológico
indispensável para sê-lo. Ao passo que, se fosse o caso de um sujeito que
odiasse comer em refeitórios vazios, eu, por exemplo, ficaria prevenido contra
tal pessoa. Não me arriscaria, por exemplo, a uma amizade pronta e
incondicional.
Como é que imagino uma tal pessoa?
Creio que posso descrevê-lo ou até imaginá-lo. Trata-se de alguém que não se dá
muita importância. Talvez goste de ler. Ou talvez goste de um bom quadro de
artista plástico. Há de gostar de andar de ônibus. Não se traja muito bem. Ou
não tem especial gosto para isso. É um sujeito de pouca conversa. Tem uma
mulher, mas admite-se a hipótese que possa ter uma amante. Fuma e bebe com
moderação. Não tem filhos. Rompeu com a primeira mulher e não quis se envolver
com outra e todos os seus casos com o belo sexo são provisórios. Pode ser até
que, no fundo da gaveta, guarde um poema sobre cuja validade mantém sérias
dúvidas.
Mora num bairro modesto numa pequena
casa, que tem um pequeno jardim à frente. É aposentado do serviço público. Já
fez militância na imprensa, mas hoje prefere manter-se afastado de qualquer
atividade que lhe dê alguma notoriedade.
Anda sempre a pé, preferentemente a
ter que andar de carro, numa fubica encarquilhada. E, sobretudo, um poema, um
bom poema, tem o dom de enlevá-lo. A poesia é a única coisa ou a rara coisa que
consegue comovê-lo.
Talvez dentro de outra ótica esse
homem que gosta de comer solitário em refeitórios vazios fosse melhore descrito
ou até analisado.
Não sei se da forma que o concebo o
retrato fielmente.
Mas quando menos deve ser um sujeito
caladão, que vive à sombra e que não quer nenhuma participação mais neste mundo
à deriva.
E que ninguém pise no seu calo, caso
contrário terá certamente uma reação imprevisível.
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