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Saturday, June 1, 2013

CRÔNICA, GÊNERO LITERÁRIO POR EXCELÊNCIA: a polêmica em torno da validade da crônica como gênero literário está superada, a confirmar-se por autores consagrados até hoje – Hamilton Alves


            A pecha de ser a crônica gênero menor é ainda hoje ouvida de eminentes figuras das letras. E não tão eminentes assim, como foi o caso recente de João Carlos Mosimann, que, apoiado em, Carlos Heitor Cony, que também é partidário de tal opinião (embora cuspa no prato que come, pois tudo que faz na Folha de São Paulo, às sextas-feiras, é crônicalapidar e acabadamente crônica)- veio a sustentar em seu artigo/resenha neste suplemento que “A crônica, como gênero jornalístico ou literário seria uma contrafação”.
            Seguindo os princípios doutrinários de literatura de Cony, alude ainda que “...não há jornalismo literário. Há jornalismo e literatura”.
            Tal opinião é, no mínimo, muito discutível (para não dizer coisa pior), pois sabido que do jornal tem saído matéria (inclusive crônicas) para livros. Rubem Braga (cito logo um dos maiores cultores da crônica e, quando saiu dela, o fez muito rapidamente, para produzir poemas (poeta bissexto), mas com o que Braga não chegou a perder tempo, voltando ao gênero que cultivou como poucos, chegando à mesma altura que Machado de Assis e João do Rio, celebrados também como grandes cronistas.
            Colhida de jornais e revistas onde colaborou durante toda sua existência, Braga editou uma dezena de livros, que hoje enchem as estantes dos admiradores do gênero (entre os quais me incluo).
            Há outros grandes nomes da crônica, que a tornaram gênero literário nobre. Podem-se citar entre esses Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Antonio Maria, Fernando Sabino, Flávio Cardozo, Silveira de Souza, Jair Hamms, Luis Fernando Veríssimo, Moacir Scliar, Flávio Rangel, Cecília Meirelles, Manuel Bandeira e outros.
            Até Olavo Bilac, autor do memorável poemaOra, direis ouvir estrelas”, assinou crônicas no jornalGazeta de Notícias”, do Rio. A “Companhia das Letras” vem de publicar uma antologia, reunindo crônicas de gente conhecida e não tão conhecida assim, num livro sob o título “Boa Companhia”, em que desfilam grandes ases da crônica e, especialmente, uma de Bilac, que, com Veríssimo, compõe as melhores.
            E, ao que se deduz dessa crônica, com o título de “Moléstia da época”, Bilac narra um episódio relativo aos cinematógrafos. Durante uma tarde inteira acompanhou um amigo amante do “dolce far niente”, freqüentando quatro deles e quase compromete sua colaboração diária com o jornal, a ponto de o editor pedi-la encarecidamente, pois estava para ser fechada a página da crônica.
            Voltando ao Cony, tenho ainda o recorte de um artigo de sua autoria (publicado na folha às sextas), de uns poucos anos passados, em que incide no equívoco de considerar a crônica gênero datado e que não tem mais espaço no jornalismo moderno. Caí de pau, na mesma ocasião, em cima dele, recorrendo a outro grande cronista/articulista, que, no mesmo jornal, expendeu a opinião consagradora segundo a qual “A crônica que é uma espécie de baldeação entre o trem expresso do jornalismo e o trem de luxo da poesia”. Não precisa, diante de tal categorizada opinião de um dos maiores escritores deste país, acrescentar-se mais nada. Quem a assinou foi ninguém menos que Antonio Callado. Numa crônica que publiquei neste jornal, substituindo Flávio Cardozo, em curta temporada de interinidade, reproduzi esse tema, aproveitando-me da abalizada palavra de Callado, com o que fechei a boca de Cony,que, de quando em quando, em vários temas, anda mal inspirado.
            Recorrendo aos meusArquivos Implacáveis”, informo a quem interessar que a crônica referida traz o título de “Definição da Crônica”, publicada em 8 de agosto de 1994. o que não sei é se possuo o artigo de Callado de que extraí esse comentário, revelador de seu alto apreço pela crônica.
            Ter dito o Sr. Mosimann quenãoconfluência entre jornalismo e literatura”, adotando ainda o esdrúxulo pensamento de Cony de que “há jornalismo e literatura”, parece-me trazer antolhos.
            Jornalismo também é literatura. E tanto isso é verdade que muita coisa (inclusive a crônica e a resenha) publicada em jornal vira livro. Isso prova cabalmente a procedência da assertiva.
            A resenha primeiro sai em jornal para depois vir a figurar em livros. É o caso eminente de dois ou três bons resenhistas de nosso tempo, Sérgio Augusto, Ruy Castro e Arnaldo Jabor, para não mencionar outros.
            Agora mesmo, adquiri os dois volumes da “As obras primas que poucos leram”, resenhas publicadas por grandes nomes do jornalismo, a maioria (ou quase todas) recolhida da revistaManchete”, onde despontam trabalhos de Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos, Ruy Castro, Josué Monteiro, Ledo Ivo e tantos outros, tornando-se, para leitores e escritores de hoje e de sempre, um livro de informação literária de valor inestimável.
            Então por que essa pinimba com o jornalismo literário? Há pouco Sérgio Augusto falava de jornalismo cultural, que, praticamente, a ver-se pela pouca freqüência dessa espécie de jornalismo em nossas folhas, parece ter perdido a primazia de uns poucos anos atrás. E isso, segundo Augusto, não é um fenômeno restrito ao nosso país, onde realmente as coisas, a tal respeito, estão indo de mal a pior, mas é generalizado, que alcança países do nível cultural da França ou dos Estados Unidos.
            Considero, particularmente, uma falta total de visão mais crítica ou mais aguda ou mais abrangente ou até, se se quiser, mais rica essa de perfilhar-se a opinião de que a crônica é um gênero menor ou está condenada ao dia a dia do jornal sem maior fôlego para resistir ao tempo. Não preciso me valer de melhores argumentos. Creio que o que disse sobre o assunto é suficientemente claro e convincente para mostrar não a perenidade do gênero como também sua validade ou sua honrosa categoria de gênero literário – e dos mais belos.
            Afirmo-o não porque seja também cronista. E quero puxar a brasa para o meu peixe. Mas porque o fato se revela por si mesmo. Ou pela evidência da consagração da crônica na literatura brasileira. Isso é de uma evidência que os cegos na vêem. Ou não querem ver.
            Borges dizia que se dedicara ao conto porque achava a novela e o romance algo exagerado ou de dimensões inúteis, pois tudo, ao ver dele, podia ser resumido ao conto.
            Seguindo essa teoria, diria que tudo caberia numa crônica. Ou tudo até poderia caber num “haicai”.
            Sou um ledor inveterado de crônicas.
            Agora mesmo adquiri a antologia a que referi em outra parte desta resenha, “Boa Companhia”, com crônicas de gente da pesada, Rubem Braga, F. Sabino, Veríssimo (e até Veríssimo incluo, eu que andava às turras com algumas de sua produção, mas rendo-me, finalmente, à boa qualidadeaté à excelentequalidade da crônica que escreveu nessa antologia, “Velho Edgar”) e outros.
            Se a crônica não é gênero literário, então temos que admitir que a roda é quadrada.



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