Caminhava lentamente madrugada
adentro, poucas as pessoas
Que àquela hora percorriam
as ruas da cidade e só
De quando em quando
ouvia-se pequeno ruído
Produzido por algo que não
se sabia precisar o que fosse,
Com o céu toldado e nenhuma
estrela nele apontando,
Um vento cortante e frio
produzindo um frêmito
Na alma, que, de si, ia
perdida em tantas conjecturas,
Com os guardas noturnos
envolvidos em suas fardas
E de longe em longe
trilando no ar o intermitente
Apito, no convívio com fantasmas
díspares e igualmente estranhos,
Quando, súbito, a questão
cristalina se colocou:
"O mistério das coisas é claro,
tudo se abre à esperança"
A madrugada, a essa altura,
ia já se desvanecendo ao longe,
As primícias de um radioso dia
se entremostravam na linha
Do horizonte e uma tênue
luz se definia nas cercanias
Onde o mundo parece acabar
e onde a negra noite se esconde.
O ritmo de meus passos
vagarosos percutia no chão,
E só esse toc-toc harmonioso
e único se destacava
Na solidão imensa que me
engolfava e aturdia.
Aprofundei em mim toda
a vã razão e coloquei
A questão completa e
radiosa em meu espírito
A examiná-la por todos
os ângulos possíveis
De verdade inabalável
que pudesse afinal conter
E, naquela hora, me
permitisse um desafogo,
O encontro com o absoluto
pelo qual tanto anseiam
Os homens que, como eu,
em tantos outros lugares,
Se encontravam perdidos,
perplexos, e, pobres coitados,
Desesperados e esmagados
perante todas as incertezas.
"Não há mais lugar
à dúvida: teu espírito
Ainda não se abriu
generoso à fé"
Uma janela num prédio
se abriu iluminada
E alguém debruçou-se
nela, como se naquele
Momento acabasse de
acordar ou por alguma razão
Fiscalizasse a rua
silenciosa e erma.
Teria visto daquela altura
esse homem perdido
Em si mesmo no trânsito
ensimesmado pela cidade,
Julgando-o um ébrio,
um vagabundo ou boêmio?
Diante de mim apenas
era visível o negrume
Dos objetos e das coisas
que pouco a pouco fugiam
À indistinção provocada
pela progressão da luz.
Um carro passou célere,
um cachorro latiu,
Um rato saiu de dentro
do toco de uma árvore,
Enquanto se acentuava
mais e mais a dor crucial
Das incertezas que empolgavam
a alma que, àquela
Altura, chegava ao fim
de sua jornada noturna
Foi aos primeiros tons
definidos do que era dia
Nascido que vislumbrei
então claramente
A grandeza imensurável
de todas as coisas e
A verdade que se irradiava
de todos os seres vivos
Como se cada um proclamasse
o segredo profundo do cosmos.
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