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Monday, June 17, 2013

EMPREGO DE CRONISTA – Hamilton Alves


Fazia já três dias que estava no Rio e não tinha ainda conseguido emprego. Alugara um quarto na casa de uma velha viúva em Copacabana. A velha aparentava ser meio maluca. Falava pelos cotovelos. Quando lhe alugou o cômodo, advertiu:
- Só tenho esse lugar debaixo da escada; os demais quartos estão ocupados por estudantes e rapazes que trabalham.
Ele refletiu. Tinha encontrado o anúncio da pensão com o quarto para alugar num jornal. Depois de beber uns chopes num bar no centro, dirigiu-se àquele local. Como não havia nada mais barato, pouco lhe importava fosse onde fosse que tivesse que descansar no fim da noite, achou por bem aceitar as condições impostas pela mulher.
- Está bem, não importa que fique debaixo da escada; só preciso de um lugar para descansar.
Saíra em busca de ocupação de redator. Procurara alguns jornais e não havia achado lugar para trabalhar. Estava disposto àquela altura a pegar qualquer emprego. Mas vinha de sua cidade com o objetivo de trabalhar de redator. Sabia escrever artigos e crônicas. Ou podia fazer qualquer coisa em jornal. Até, se fosse o caso, reportagem; mas preferia escrever crônicas; ou se o jornal tivesse uma página literária, podia também compor contos. Sabia que, se lhe abrissem um espaço, daria perfeita conta do recado.
Pareceu-lhe que, na entrevista que tivera com a dona da pensão, esta o observou meio ressabiada. Tanto é que foi lhe pedindo a carteira de identidade, lhe fizera algumas perguntas, de onde tinha vindo, onde trabalhava. Ele foi-lhe sincero: disse que tinha vindo do sul do país, viera em busca de emprego, mas até aquele momento não conseguira nada, mas se ela quisesse podia adiantar um mês ou dois; trouxera algum dinheiro.
Penalizada pela situação do jovem ou por outra razão qualquer, a senhoria lhe disse:
- Bem, você paga no fim de cada semana. É a praxe da casa. Se até lá não tiver encontrado emprego, dou-lhe uma prorrogação de mais alguns dias.
O jovem parecia ter-lhe despertado confiança.
À tarde do dia seguinte, saiu de novo em campo. Foi à redação de um jornal. Falou com o redator-chefe.
- Estou à procura de um emprego de redator.
- Qual é sua especialidade?
- Faço qualquer coisa em jornal, mas prefiro escrever artigos, crônicas, e até mesmo reportagens - mas se tiver um espaço literário, sei compor contos; tenho um livro de crônicas e outro de contos publicados.
- Onde os publicou?
- Na minha cidade natal.
- Podia ler esses livros?
- Amanhã lhos trago.
No outro dia, voltou à redação mais esperançoso. Confiava em seu trabalho ou na qualidade literária do que produzira.
O redator-chefe leu os livros, balançou a cabeça, parecendo concordar que de um modo geral as crônicas e os contos lhe pareciam bons.
- O jornal está passando por uma crise. - disse-lhe o redator-chefe. Mas...
- Qualquer coisa me serve. - atalhou o jovem escritor.
- ...em princípio, posso lhe arranjar um espaço para crônica. Temos dois cronistas; você pode revezar-se na crônica com eles; não lhe posso pagar muito; você escreve duas crônicas por semana.
- Quando posso começar?
- Vou acertar com os dois outros cronistas, que já tem dias certos para escrever suas crônicas. Você vai dividir o espaço com eles duas vezes por semana, como combinado; só tem que acertar os dias em que você escreve.
- Tudo bem. - disse.
Um nevoeiro que ocupava sua cabeça desde que chegara à cidade começara a desfazer-se aos poucos. Tinha, afinal, um emprego. Não era grande coisa, mas ao menos dava para safar pequenas despesas. O pernoite na pensão estava garantido. Ao menos isso já não o preocupava.
Contou a senhoria nesse mesmo dia a entrevista que tivera com o redator-chefe do jornal onde conseguira o emprego de cronista. Informou-lhe quanto lhe pagariam. A senhoria mostrou-se feliz, dividindo com ele a alegria que se estampara em seu rosto.
Ficara acertado que escreveria suas crônicas às terças e sábados, o que lhe dava suficiente espaço para elaborá-las.
Logo começou a ganhar leitores. Pouco tempo depois, seu salário foi aumentado; tudo parecia ir de vento em popa.
Até que uma tarde recebera de casa um telegrama, anunciando-lhe que sua mãe estava doente e que precisava vir depressa, sob pena de não alcançá-la com vida.
Comunicara o fato ao redator-chefe. Recebera três dias de licença.
No retorno, voltara a encontrar-se com Ana, que há tempos tinha sido sua namorada. Reatou-se o relacionamento - e desde então não voltara mais a ocupar o espaço das terças e sábados no jornal carioca.


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